Descrição de chapéu STF

General Villas Bôas se refere a coronel acusado de crimes na ditadura como 'excelente instrutor'

Em livro-depoimento, militar elogia oficial citado pela Comissão da Verdade como um dos envolvidos na tortura e execução de estudante

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Brasília

Em livro-depoimento recém-publicado, o general Eduardo Villas Bôas se refere a um oficial do Exército acusado de crimes durante a ditadura militar como um dos “excelentes instrutores” que teve na EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército).

Hoje coronel da reserva, o militar elogiado por Villas Bôas é Rubens Bizerril, apontado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, de 2014, como um dos envolvidos na tortura e execução de um estudante secundarista em Goiás.

Localizado pela Folha por telefone, Bizerril nega a acusação. “Nunca encostei a mão em ninguém”, disse o oficial da reserva de 86 anos.

Ex-comandante do Exército, Villas Bôas fez menção a Bizerril ao falar sobre os oficiais que atuavam na EsPCEx no final dos anos 1960, quando cursou a unidade de ensino em Campinas (SP). Ele ingressou na escola aos 15 anos de idade.

“Em relação aos oficiais da escola, eu era tratado com rigor, mas nada que extrapolasse a normalidade ou que eu não merecesse”, disse o ex-comandante do Exército.

“Encontrei excelentes instrutores, como o capitão Bizerril e o tenente Garlipp, respectivamente, meus comandantes de companhia e de pelotão.”

Instituída por lei no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff para investigar as violações de direitos humanos durante a ditadura, a Comissão Nacional Verdade apontou Bizerril como um dos envolvidos na tortura e morte do estudante secundarista Ismael Silva de Jesus em 1972 no 10º Batalhão de Caçadores de Goiânia.

“Em suas dependências, na ditadura militar, foram praticadas graves violações de direitos humanos. Ismael Silva de Jesus, preso em 8 de agosto de 1972 e levado para o então 10º Batalhão de Caçadores (10º BC) de Goiás, morreu no dia seguinte, como consequência da tortura que sofrera”, descreveu a comissão, no relatório final de 2014.

“Seu corpo foi entregue à família com evidentes sinais de tortura –tinha as orelhas machucadas e o olho direito estava vazado.”

Na época major da 3ª Brigada de Infantaria, relatou ainda a comissão, Bizerril foi encarregado de conduzir um IPM (inquérito policial militar) para apurar as atividades do PCB (Partido Comunista Brasileiro) em Goiás.

Bizerril saiu do Exército no início dos anos 1980 e foi para o SNI (Serviço Nacional de Informação), extinto em 1990, no governo de Fernando Collor.

O coronel do Exército Rubens Robine Bizerril, após entrega do cargo de coordenador de Planejamento e Segurança Pública do Ministério da Justiça, em Brasília (DF). - Lula Marques - 06.dez.00/Folhapress

O SNI deu lugar à atual Abin (Agência Brasileira de Inteligência), para onde Bizerril se transferiu e, de lá, foi cedido para o Ministério da Justiça.

Deixou em 2000 a pasta, onde ocupava o cargo de coordenador de Planejamento e Segurança Pública, após a divulgação do dossiê "Brasil: Nunca Mais".

Na ocasião, ao conversar com a imprensa na saída do ministério, Bizerril disse que só viu Ismael depois de morto, no quarto de um sargento. A Folha registrou a entrevista.

O coronel afirmou também que o estudante não havia sido preso numa cela do batalhão por falta de espaço. Segundo ele, tinham sido presas entre 40 e 50 pessoas, acusadas de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro, então clandestino.

Ele sustentou a versão oficial de que Ismael cometera suicídio por vergonha de ter sido preso e disse que considera a tortura "covarde, abominável, abjeta e uma burrice".

O coronel conversou com a reportagem por telefone nesta sexta-feira (19) e negou qualquer envolvimento com crimes na ditadura.

“[Fui acusado] por causa da função que eu exercia. Só por isso”, disse Bizerril. “Eu nunca encostei a mão em ninguém.”

O oficial da reserva falou que não leu o relatório. “Fala em mim, mas não o li. Não li nem fui chamado [pela comissão]”, disse.

Nos últimos dias, o livro de Villas Bôas tem repercutido principalmente no trecho em que abordou texto publicado em uma rede social em abril de 2018, na véspera de o STF (Supremo Tribunal Federal) julgar um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula havia sido condenado em segunda instância na Operação Lava Jato e, segundo o entendimento do STF da época, o petista deveria começar a cumprir pena. Um dia antes do julgamento, o ex-comandante do Exército tuitou sobre o assunto.

"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?", dizia a primeira postagem de Villas Bôas.

"Asseguro à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais", completava o general.

O coronel disse que não leu o livro de Villas Bôas. Afirmou que reconhece a importância do relato do ex-comandante do Exército, mas ponderou que é preciso “considerar” que o general sofre de esclerose lateral amiotrófica (ELA).

“Você tem que levar na devida consideração o fato de ele estar com essa doença autoimune. Eu não li o livro justamente por isso.”

Bizerril afirmou que passou cinco anos na EsPCEx. “Ele [Villas Bôas] tinha 15 anos, eu me recordo. O pai, Antonio Villas Bôas, era o diretor de ensino”, afirma.

“Anos depois, o pai me ligou para comunicar que o filho havia entrado na Aman [Academia Militar das Agulhas Negras]. Ele me agradeceu por isso. Disse que o filho tinha escolhido a infantaria, a minha arma, e não a dele, que era a artilharia.”

No livro, Villas Bôas afirma que Bizerril foi uma das pessoas que o influenciaram a ter simpatia pela infantaria.

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