Descrição de chapéu Folhajus STF

Inseguro sobre conceito, STF começa a julgar se existe direito ao esquecimento no país

Exame com base em crime dos anos 1950 começou nesta quarta (3) e pode atrasar por pedido de vista

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Brasília

O STF (Supremo Tribunal Federal) começou a julgar nesta quarta-feira (3) se existe no Brasil o chamado direito ao esquecimento.

A corte irá decidir se a Justiça pode proibir um fato antigo de ser exposto ao público em respeito à privacidade e à intimidade da pessoa envolvida ou se um veto nesse sentido configuraria censura e violaria a liberdade de expressão.

O tema é considerado um dos mais relevantes a ser deliberado pelo Supremo nos últimos anos porque estabelecerá um precedente importante em relação à atividade da imprensa e aos limites do direito à informação e do direito à personalidade dos cidadãos.

Por causa da complexidade do assunto, no entanto, não está descartado que algum ministro apresente um pedido de vista para ter mais tempo para estudar o processo.

O julgamento do caso já teve data marcada mais de uma vez, mas sempre foi retirado de pauta por falta de um consenso mínimo nos bastidores sobre o tema.

Um dos temores revelados por ministros do Supremo em conversas reservadas é que a eventual declaração de existência do direito ao esquecimento no Brasil passe a servir para situações distintas e abra brecha para a censura.

Esse fato torna o julgamento ainda mais difícil, uma vez que o resultado do caso vai balizar discussões judiciais com objetos variados.

Os processos vão desde a correção, remoção ou alteração de uma informação até a solicitação para exclusão de conteúdo em buscadores de internet ou o veto à menção de determinada pessoa em reportagens e documentos.

Parte dos ministros já defendeu nos bastidores que é mais correto o Supremo rejeitar o recurso para não haver risco de o caso ser aplicado de maneira equivocada por juízes Brasil afora.

Do outro lado, há quem defenda que o direito à intimidade não pode ser deixado em segundo plano e que também seria arriscado permitir a eternização das informações.

Assim, a definição de um conceito com critérios claros para analisar situações concretas poderia ser uma saída.

A discussão ocorrerá em um recurso com repercussão geral reconhecida, o que significa que a decisão valerá para todos os processos em curso no país sobre o tema.

A ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e a Aner (Associação Nacional de Editores de Revista) afirmaram ao Supremo que o reconhecimento do direito ao esquecimento poderia causar uma proliferação de ações de danos morais e desestimular os meios de comunicação a exercer a liberdade de expressão.

O caso concreto a ser analisado é um recurso movido por irmãos de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O programa Linha Direta, da TV Globo, exibiu, 50 anos depois, um episódio em que reconstituiu o crime.

Os familiares dela, que foi violentada e assassinada e cujo caso foi amplamente divulgado pela imprensa à época, pedem uma indenização ao canal de televisão. Eles perderam a causa em todas as instâncias antes de chegar ao STF.

Em 2017, o STF realizou uma audiência pública sobre o tema, e os ministros reconheceram a complexidade do assunto.

Então presidente da corte, a ministra Cármen Lúcia participou do encontro e destacou se tratar de uma pauta sensível que permeia "todos os direitos fundamentais" previstos na Constituição.

Na ocasião, o ministro Dias Toffoli, que é relator da matéria e será o primeiro a apresentar o voto nesta quarta, não antecipou sua posição, mas destacou que os familiares relataram ter sofrido um massacre da imprensa na época e que teriam ficado estigmatizados por isso.

No processo, porém, a Globo afirmou que o conteúdo veiculado se limitou a fatos públicos e históricos e que grande parte do programa foi composta por arquivos da época, além de material de livros sobre o caso.

A empresa sustentou que é direito de todos o acesso à história e sustenta que os direitos de imagem não se sobrepõem ao direito coletivo da sociedade de ter acesso a fatos históricos, segundo o relato do ministro.

Atores encenam versão do caso do assassinato de Aída Curi em episódio de 2004 do programa Linha Direta
Atores encenam versão do caso do assassinato de Aída Curi em episódio de 2004 do programa Linha Direta - Gianne Carvalho/TV Globo

No STJ (Superior Tribunal de Justiça), a corte reconheceu a existência do direito ao esquecimento, mas ressaltou que no caso de Aída o crime foi reconstituído por atores e que apenas uma foto do crime foi veiculada.

O relator no STJ, ministro Luís Felipe Salomão, afirmou na ocasião que a imagem da vítima "não constituiu um chamariz de audiência".

Apesar disso, o magistrado reconheceu o direito ao esquecimento e fez uma comparação com pessoas que foram condenadas e, depois, absolvidas.

"No que concerne ao confronto entre o direito de informação e o direito ao esquecimento dos condenados e dos absolvidos em processo criminal, a doutrina não vacila em dar prevalência, em regra, ao último", disse.

Segundo o ministro, conceder esse direito a condenados que "cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal" sinaliza uma evolução humanitária e cultural da sociedade.

O ministro sustentou que "entre a memória —que é a conexão do presente com o passado— e a esperança —que é o vínculo do futuro com o presente", o ordenamento jurídico brasileiro prioriza a segunda opção.

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