Na terra de deputado bolsonarista, amigos endossam ataques ao STF e veem máscara em Silveira

Para colegas de Petrópolis (RJ), parlamentar preso não é agressivo como aparenta; 'Mancha' foi segurança de boate, professor de muay thai e dono de academia

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Petrópolis (RJ)

Três dias após atacar o STF (Supremo Tribunal Federal) em vídeo publicado nas redes sociais e ser preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pediu desculpas e se disse arrependido durante a sessão da Câmara dos Deputados que manteve sua prisão.

“Em momento algum eu vejo ponto positivo na minha fala (...) O ser humano vai de zero a cem em segundos. Você está com um pensamento e se exagera. Quem nunca fez isso na vida?”, afirmou.

Na mesma tarde em que ocorria a sessão na Câmara, na sexta-feira (19), a Folha esteve em Samambaia, bairro onde o parlamentar passou a juventude, a 6 km do centro de Petrópolis (RJ). Lá, amigos saíram em sua defesa, criticaram o STF e diziam que o deputado nunca foi uma pessoa agressiva.

Rua onde o deputado Daniel Silveira morou na juventude, no bairro Samambaia, a 6km do centro de Petrópolis (RJ)
Rua onde o deputado Daniel Silveira morou na juventude, no bairro Samambaia, a 6km do centro de Petrópolis (RJ) - Ana Luiza Albuquerque/Folhapress

Dono de uma padaria na localidade, Felipe Dutra, 37, conhece Silveira, 38, desde os 16 anos, quando malhavam juntos. Ele disse à reportagem que os vizinhos apoiaram a atitude do parlamentar, que “falou o que muita gente queria falar”.

“Foi o único peitudo para falar do Supremo. Ele está de saco cheio como muito brasileiro está. Uma matou o marido e não foi presa [em referência à deputada Flordelis, acusada de envolvimento no crime], o outro roubou R$ 33 mil na cueca e não foi preso [em referência ao senador Chico Rodrigues, flagrado com dinheiro em espécie entre as nádegas]. Ele falou do Supremo e foi preso”, afirmou.

O calafate Sandro Pereira da Silva, 52, com quem Silveira já trabalhou em obras, reforçou o coro. “Ele é muito corajoso, mandou a real mesmo. O defeito foi não medir as palavras. Muita gente xingou o presidente [Jair Bolsonaro] disso e daquilo e não foi preso. Não sei se o Supremo quer servir de exemplo para ninguém ter mais o direito de falar mal”, disse.

Amigo de Silveira desde a juventude, o artesão Guilherme da Silva, 36, afirmou que é “totalmente a favor” do vídeo. “Era meu desejo xingar aqueles caras.”

“Eles chegaram lá sem ter mérito algum. Foram indicados, mas por quê? Essa prisão arbitrária ultrapassou todos os limites, o ministro foi longe demais. Por mais que o Daniel seja ácido com algumas pessoas, muitas vezes se excede um pouco emocionalmente, nada justifica o cerceamento”, disse.

Apoiadores de Daniel Silveira fazem manifestação para pedir a liberdade do deputado, em ato em frente ao hotel Copacabana Palace, na zona sul do Rio, neste domingo (21) - Herculano Barreto Filho/UOL

Natural de Araras, outro bairro de Petrópolis, Silveira foi morar na casa do sogro em Samambaia, região de classe média, quando tinha cerca de 15 anos.

Apelidado de “Mancha” porque sempre se vestia de preto, é apontado pelos amigos como uma pessoa de “personalidade forte”, que não media as palavras, mas que não tinha o costume de se envolver em brigas.

No bairro, seus colegas dizem que Silveira sempre teve uma postura firme contra as drogas e a criminalidade, e que abordava meninos mais novos que fumavam maconha na rua. A prática continuou durante a carreira política do bolsonarista –a diferença é que agora a cena é transmitida nas redes sociais.

“Chamar o cara de miliciano é sacanagem”, afirmou Sandro. “Depois de eleito ele sempre perguntava se o pessoal precisava de ajuda. Precisaram de médico ele arrumou, dava sempre um jeito de ajudar.”

O longo currículo de polêmicas e supostas irregularidades não desconstruiu a imagem que os amigos guardam do deputado.

Durante a conversa com a reportagem, não foram lembrados o dia em que Silveira quebrou a placa com o nome de Marielle Franco (PSOL), vereadora assassinada em 2018, ou quando o deputado trocou cusparadas com uma colega de faculdade durante uma transmissão ao vivo nas redes sociais.

Também não foram citadas pelos amigos as 60 sanções disciplinares e as vezes em que esteve preso durante sua passagem pela Polícia Militar. Não foi rememorada, tampouco, a denúncia que apontou que Silveira havia utilizado atestados médicos falsos para faltar ao trabalho como cobrador de ônibus.

Além de cobrador, Silveira foi assistente de obras, segurança de boate, professor de muay thai e dono de academia, segundo os amigos. Sua vontade quando jovem, no entanto, era se tornar policial.

Conseguiu seu objetivo em 2013, após disputar na Justiça sua entrada na PM. O setor de pesquisa social da corporação havia recomendado sua não aprovação no concurso de 2010, devido à investigação por falsificação e outro registro de ocorrência em razão de uma briga de rua.

De acordo com o amigo Guilherme, Silveira não falava sobre política durante a juventude. “Não o vejo nessa época como político, mas sempre mediando conflitos, ‘vamos resolver de outro jeito’. O cara estava fazendo besteira na rua, ele chegava e dava ideia. Ele é lutador de artes marciais, o via sempre recuar, usar de argumentos”, disse.

Dependente químico, o amigo do deputado afirmou que Silveira foi um dos únicos a apoiá-lo durante as dificuldades (“Quando eu estava na clínica ele me mandou uma carta”). Nas redes sociais, o parlamentar tem o costume de xingar os outros de “maconheiros”.

Para Guilherme, Silveira tem um discurso punitivista em relação ao uso de drogas porque já viu muitos amigos se perdendo. “A gente sabe que o vício é uma doença, e o traficante o estopim. Ele viu muita coisa ruim na polícia, mães chorando porque tinham perdido filhos por causa do tráfico. Aquilo o pressionava”, disse.

O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) durante sessão na Câmara dos Deputados que manteve sua prisão
O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) durante sessão na Câmara dos Deputados que manteve sua prisão - Michel Jesus/Câmara dos Deputados

O amigo também negou que o deputado seja homofóbico, afirmando que ele era muito próximo ao irmão, homossexual, que morreu há alguns anos devido a uma infecção.

Guilherme vê a agressividade do deputado como um meio “de se blindar”. “É uma capa dura para enfrentar essa corrupção. Um cara que cresceu sem o pai, só a mãe o criando. Sem estrutura familiar sólida, conseguiu vencer”, afirmou.

Carlos Eduardo de Paula, dono de uma empresa de segurança que recebe R$ 8.000 mensais da cota parlamentar de Silveira, de quem ficou amigo durante a faculdade de direito, também diz acreditar que o deputado veste uma máscara.

“Pelo pouco que conheço, existe uma máscara aí. Ele defende o que acredita, mas num tom a mais. É o que o público quer ver, ouvir.”

A avaliação dos amigos vai ao encontro de um relato feito no Twitter pela deputada federal Áurea Carolina (PSOL), na manhã de sábado (20).

Na publicação, a parlamentar afirma que Silveira disse a ela, certa vez, que se arrependia de uma cena de violência que havia protagonizado, que estava cansado da polarização política, e que tinha um irmão e amigos homossexuais.

Questionado por que não mudava de posição, segundo a deputada, o parlamentar respondeu que o eleitorado “não o perdoaria”.

“Quando convém, fascistas amenizam o tom, escolhem bem as palavras, tentam se passar por cordiais e razoáveis. (...) É importante lembrar disso, porque o bolsonarismo é um projeto racional que sempre passa pela manipulação dos afetos”, escreveu Áurea.

Neste domingo (21), cerca de cem pessoas se reuniram em frente ao hotel Copacabana Palace, na zona sul do Rio, para pedir a liberdade de Silveira. De lá, elas seguiram para o BEP (Batalhão Especial Prisional), em Niterói, onde o político está detido.

O ato, que teve mais de duas horas de duração, foi organizado por movimentos de direita. Os apoiadores exibiram placas e chegaram a sugerir o nome de Silveira como candidato a governador do Rio para as eleições de 2022.

Colaborou o UOL

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