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O que falta para condenar Bolsonaro?

Desde o começo de sua atuação pública, ele vem cometendo crimes em série

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Fabricio Pereira da Silva

Professor de ciência política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), tem pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Santiago (Chile)

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Desde o começo de sua atuação pública, Jair Bolsonaro vem cometendo crimes em série. Nas últimas semanas, devido ao descontrole da pandemia da Covid-19 (com a morte de pacientes por falta de oxigênio no Amazonas, no Pará e em Rondônia) e a ausência de planejamento para aquisição e distribuição de vacinas, seu impeachment voltou a ser debatido. A pergunta a ser feita é: o que falta para condenar Bolsonaro? Mais concretamente: o que o sustenta no poder?

Em se tratando de impeachment, este questionamento adquire maior carga de ironia, porque remete à sua utilização mais recente: o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. A pergunta poderia ser mais uma vez reformulada: se Dilma caiu sem “crimes de responsabilidade” comprovados (um “golpe institucional”), o que sustenta Bolsonaro e seus crimes de responsabilidade e comuns?

Havia base legal para a condenação e inabilitação política de Bolsonaro muito antes de ocupar a Presidência. Para ficarmos somente em alguns exemplos, Bolsonaro foi expulso do Exército por insubordinação e por alegadamente planejar atentados terroristas.

Posteriormente, sustentou toda a sua carreira parlamentar na defesa de milicianos, no apoio à ditadura civil-militar, em ataques às minorias, em propostas de extermínio das esquerdas. Propôs o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso. Afirmou que não estupraria uma colega parlamentar “por ela ser muito feia”.

Na campanha presidencial de 2018, prometeu exílio, prisão ou morte a quem se opusesse a seu governo. Vem desde então procurando aparelhar as instituições, de modo a ameaçar setores críticos e a se proteger (e a seus familiares) de investigações por corrupção. Vem sustentando uma política de desmonte da ciência brasileira e da educação, de perseguição às minorias, de fomento à destruição sistemática do Pantanal e da Amazônia.

A partir da pandemia da Covid-19, Bolsonaro elevou sua política de morte a novos patamares. Vem fazendo tudo que está a seu alcance para negar a gravidade da doença; deslegitimar o distanciamento social, uso de máscaras e proibição de aglomerações (únicas formas de reduzir a disseminação do vírus); e desmoralizar as vacinas.

É importante explicitar que não se trata apenas de “omissão” ou de “desorganização logística”: vem ocorrendo uma política deliberada, que vem produzindo milhares de mortos que poderiam ter sido evitados por outro governo.

O Ministério da Saúde foi desmontado, passando a ser ocupado por militares sem qualquer experiência na área. Certamente, os únicos dispostos a implementar as propostas bolsonaristas de “tratamento precoce”, que vinham sendo recomendados até poucos dias atrás pelo Ministério. Na prática, a pressão pelo uso de medicamentos sem atuação contra o coronavírus.

Bolsonaro e seu ministro da Saúde desmontaram qualquer possibilidade de atuação coordenada contra a pandemia, bem como de desenvolvimento e compra de vacinas com planejamento e antecipação.

Ainda há os incomodados com a utilização do conceito de “genocídio” para caracterizar a política bolsonarista em relação à pandemia. “Genocídio” implica no extermínio de grupos sociais específicos – por motivações políticas, étnico-raciais, religiosas.

O governo parece estar incomodado com o avanço desta narrativa, o que pode ser demonstrado pelo inquérito aberto contra Marcelo Feller por solicitação do ministro da Justiça. O “crime” em investigação é a acusação feita ao presidente de “genocídio político” no enfrentamento da Covid-19, e se baseia na Lei de Segurança Nacional (instrumento da ditadura em desuso até a posse de Bolsonaro), que caracteriza como “calúnia e difamação” críticas ao presidente da República.

A política que aqui estamos analisando evidentemente mata proporcionalmente mais pobres, negros e indígenas. Mas vamos conceder que a intenção não seja a de eliminar algum grupo específico. Que tal então se a denominarmos de “morticínio”? De “assassinatos em massa”? De “necropolítica” (política de morte)?

Em recente levantamento do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e do Conectas Direitos Humanos, constatou-se “uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.

A Folha elencou ao menos 23 possíveis crimes de responsabilidade e crimes comuns cometidos por Bolsonaro desde o início de seu mandato. O epidemiologista Pedro Hallal publicou artigo na revista científica The Lancet elencando eventos de descrédito à ciência e ataques a pesquisadores brasileiros feitos por Bolsonaro e seus apoiadores. Para ele, as consequências levaram o país a ocupar a segunda posição mundial em número de mortes por Covid-19 e a terceira em casos registrados. E afirmou: “como cientista, tendo a não acreditar em coincidências”.

Retornamos à questão inicial: o que sustenta Bolsonaro? Podemos apontar ao menos três fatores para sua manutenção no cargo. O primeiro é sua enfraquecida, mas ainda considerável base social. Segundo levantamentos realizados nos últimos dias, este apoio está em queda, algo em torno de 30%.

Em particular, parte das elites econômicas ainda sustenta Bolsonaro: seguem esperando que ele atue como fiador de mais alguma “reforma” salvadora (do desmonte de mais algum direito social).

De todo modo, o apoio de quase um terço da população a Bolsonaro diz algo sobre o brasileiro médio e sobre a herança autoritária, escravocrata, patriarcal e colonial do país. Também informa algo sobre o colapso institucional produzido a partir da atuação da Lava Jato e do golpe institucional de 2016.

O segundo fator é a falta de manifestações massivas. Estas seguramente são essenciais para a sustentação de um processo de juízo político, como constatado pelos cientistas políticos especializados em estudar “quedas presidenciais”.

Aqui temos uma equação de difícil resolução. Há que se encontrar formas de evitar a disseminação da pandemia, e ao mesmo tempo fazer mais que panelaços, carreatas e abaixo-assinados.

Passemos finalmente ao terceiro (e mais importante) fator: quem detêm as armas. Para além do apoio de Polícias Militares e de milícias criminosas, as Forças Armadas vêm descumprindo seu papel constitucional ao se associar a Bolsonaro, com a ocupação de ministérios e cargos em todos os escalões da administração.

Por mais que se afirme que o bolsonarismo é forte nas tropas e no baixo oficialato, mas não na cúpula das Forças Armadas, o fato é que estas estão agindo como fiadoras de sua política de morte. Não se trata apenas de oficiais da reserva atuando na linha de frente bolsonarista, mas também da ativa. Assim, as Forças Armadas vêm se associando aos crimes cometidos pelo governo.

Ainda que não ocorra um impeachment, ainda que o Judiciário brasileiro não consiga futuramente condenar Bolsonaro, alguns destes crimes são imprescritíveis (contra a humanidade). Isto implica na possibilidade de condenação a qualquer tempo por tribunais internacionais, e de prisão fora do território nacional. Isto pode se estender a alguns de seus aliados, inclusive fardados.

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