Plano de Doria para unir PSDB contra Bolsonaro abre crise no partido

Ideia de presidir a sigla antes da eleição é criticada em jantar tenso; governador e Aécio trocam farpas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O movimento do governador de São Paulo, João Doria, para unificar o PSDB em torno de um projeto de oposição a Jair Bolsonaro abriu uma crise no partido e deverá antecipar o debate sobre a candidatura presidencial de 2022.

Doria trabalha para ser o presidenciável da sigla, o que desagrada adversários internos, e criticou a aproximação de parte da bancada tucana da Câmara do Planalto, que apoiou o candidato de Bolsonaro na eleição para a chefia da Casa.

Em um tenso jantar com integrantes da cúpula do partido no Palácio dos Bandeirantes, aliados de Doria apresentaram um plano para que ele assumisse a presidência tucana a partir de maio.

Com isso, poderia controlar a sigla no ano que antecede a campanha eleitoral, inclusive a divisão de verbas para candidaturas estaduais.

Doria durante entrevista coletiva sobre a pandemia no Palácio dos Bandeirantes
Doria durante entrevista coletiva sobre a pandemia no Palácio dos Bandeirantes - Governo do Estado de São Paulo - 8.fev.2021

A proposta foi apresentada por alguns dos aliados presentes, como o secretário Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional, que também é presidente do PSDB-SP) e o presidente da Assembleia Legislativa, Cauê Macris.

Na mesa estava Bruno Araújo, atual presidente da sigla, que não sabia da ideia e contava com uma prorrogação por mais um ano de seu mandato, que acaba naquele mês. O governador não se manifestou.

O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira se manifestou contrariamente. Em nota à Folha, disse que "se não houvesse um amplo apelo, haveria contestações".

"E o governador estaria na contingência de mergulhar em uma luta interna que nada tem a ver hoje com as questões que ele tem enfrentado com êxito, como a pandemia", afirmou.

Com pouco peso decisório no partido, ele chegou a cogitar faltar ao encontro, mas acabou sendo o único representante da velha guarda do partido presente.

Patrono do grupo e dono de voz influente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não apareceu e marcou uma reunião com Doria para esta quinta-feira (11).​

Falou contra a ideia o líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), aliado do deputado Aécio Neves (MG), apontado por Doria como o responsável pelo racha na eleição para o comando da Câmara, na semana passada.

Cerca de metade dos 31 deputados votou para presidente da Casa em Arthur Lira (PP-AL), o líder do centrão e nome do presidente Jair Bolsonaro na disputa.

Castro foi seguido por Bruno Covas, o prefeito da capital paulista, que previu que Doria não teria apoio fora de São Paulo à sua pretensão.

"Embaixador" de Doria em Brasília, o ex-ministro Antonio Imbassahy ponderou que seria importante, com o processo eleitoral de 2022 já em curso, o PSDB já definir Doria como seu candidato a presidente, uma vez que seria o nome natural da sigla.

Também participaram do encontro Wilson Pedroso (secretário particular de Doria) e o deputado Samuel Moreira (SP), aliado do ex-governador Geraldo Alckmin.

O jantar, que deveria durar cerca de três horas e acabar às 23h, só foi finalizado por volta da 1h da terça. Ligações disparadas na madrugada davam conta do estrago potencial: foi organizada, em grupos de WhatsApp, uma ida de deputados tucanos para o Rio Grande do Sul.

A viagem deve ocorrer nesta semana para pedir que Eduardo Leite, governador tucano do estado, se assuma como postulante à Presidência.

Seu nome é sempre citado nesse tipo de articulação e conta com a simpatia de FHC e de Covas, por exemplo, ainda que seja visto como um nome "júnior" em qualquer disputa. Aliados de Doria creem que o movimento pode ser bom para o tucano, pois forçaria a comparação de densidades eleitorais.

Um interlocutor do prefeito paulistano foi mais pessimista e afirmou que o incidente pode ter garantido a realização de prévias dentro do PSDB —ou até aberto o caminho para que ele deixe a sigla, algo que seu grupo descarta agora.

Já um aliado do governador amenizou a situação, afirmando que o peso natural do cargo e sua projeção nacional como principal antagonista de Bolsonaro na condução da crise da pandemia farão a sigla repensar o plano e que o jantar era apenas um começo de conversa.

Como a Folha revelou na segunda (8), o ultimato de Doria ao PSDB incluía o pedido de afastamento de Aécio e de deputados do seu grupo.

O deputado Rodrigo de Castro descartou isso, lembrando que a Executiva Nacional do partido já decidiu manter o mineiro no PSDB em 2019, na esteira da revelação do áudio em que ele pedia dinheiro ao empresário Joesley Batista.

Na manhã desta terça, em público, Doria mais uma vez voltou as baterias contra Aécio e focou no discurso de união. Afirmou que quer seu afastamento e disse que, se algum tucano apoiar Bolsonaro, deve "ter dignidade e coragem, e pedir para sair". O tucano respondia a uma questão sobre Aécio.

"A posição do PSDB é de oposição. Os que quiserem fazer vassalagem para Bolsonaro que peçam para sair. Você não pode ter dissidência na defesa da vida, da democracia, do meio ambiente, da saúde", disse Doria em um evento pela manhã em São Paulo.

​Doria, em sua fala, fez questão de dizer que sua posição tinha "a anuência do presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso".

Aécio respondeu por meio de nota. "Se o sr. João Dória, por estratégia eleitoral, quer vestir um novo figurino oposicionista para tentar apagar a lembrança de que se apropriou do nome de Bolsonaro para vencer as eleições em São Paulo, através do inesquecível Bolsodoria, que o faça, sem utilizar indevidamente e de forma oportunista outros membros do partido", disse.

"O destempero do governador se deve, na verdade, à sua fracassada tentativa de se apropriar do partido, como ficou explicitado no jantar promovido por ele ontem, que tinha como objetivo afastar o atual presidente, para que ele próprio assumisse a presidência do PSDB", afirmou.

Doria divulgou uma tréplica no começo da noite. “Aécio Neves precisa entender que o novo PSDB não pode se subordinar a projetos pessoais, que se perderam pela conduta inapropriada em relação à ética pública. O PSDB tem o dever partidário, patriótico, moral e histórico de propor um projeto para o Brasil do século 21. E de fazer oposição ao desastre que é o governo Bolsonaro.”

Outra ideia do governador, essa com apoio no PSDB, é a de absorver o grupo do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), que vai deixar o DEM após o presidente da sigla, ACM Neto (BA), ter liberado a bancada federal para votar em quem quisesse na Câmara.

Aliado de Doria até aqui, o DEM implodiu no processo eleitoral legislativo, com acusações mútuas entre os dois caciques. Maia apoiava Baleia Rossi (MDB-SP) contra Lira, com a ajuda de Doria.

Por pouco, o próprio PSDB também não liberou sua bancada. Mesmo ficando no bloco de Baleia, estima-se que pelo menos metade de seus 31 deputados votaram secretamente em Lira.

Depois da fala de Doria, Castro divulgou nota reafirmando sua argumentação da noite anterior.

"Como filiado ao PSDB de longa data e, agora, como líder, acompanho a trajetória do deputado Aécio Neves, que tem o meu respeito, experiência valiosa e contribuições importantes à bancada. Seu afastamento do PSDB já foi objeto de deliberação da Executiva Nacional e, assim, essa discussão não é sequer cogitada no âmbito da bancada federal”, disse.

Os representantes da Câmara argumentam que não houve um alinhamento a Bolsonaro, mas sim uma necessidade de sobrevivência da bancada, que depende de verbas de emendas parlamentares liberadas pelo Planalto para atender suas bases eleitorais e tentar se reeleger.

Doria manteve sua posição de que não é possível servir a dois senhores nesse caso, e que os tucanos não podem ser ambíguos na sua relação com Bolsonaro. Evitou, claro, associ ar essa ordem unida à sua candidatura, embora essa seja a lógica prevalente.

Doria e Aécio se estranham desde 2019, quando o grupo do governador tentou expulsá-lo do PSDB, sem sucesso.

Hoje o tucano é o maior rival do presidente, com a disputa focada no manejo da pandemia, desprezada por um bom tempo por Bolsonaro. Doria apostou tudo na vacina sino-brasileira Coronavac, por sua vez, e a vê como ativo eleitoral para 2022.

O tucano sabe como essas divisões podem ser fatais: desde que FHC reelegeu-se em 1998, o partido só esteve perto de fato do poder no pleito de 2014, perdido no olho mecânico por Aécio para Dilma Rousseff (PT), justamente porque havia uma união inédita na sigla.

Enquanto o psicodrama tucano segue, o governador irá receber em jantar nesta noite de terça ACM Neto.

O presidente do DEM está tentando consertar o dano de imagem de sua rusga com Maia e convencer aliados de que não vai se aliar a Bolsonaro em 2022, apesar das declarações dúbias.

E principalmente quer tentar manter o vice de Doria, Rodrigo Garcia, no partido. A missão parece ainda mais difícil do que a do repasto da noite anterior.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.