Descrição de chapéu
Folhajus STF

Supremo usa decisões controvertidas para lidar com dilema democrático

STF precisa traçar com clareza limites ao seu exercício, já que solução atual pode criar problemas democráticos no futuro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rubens Glezer

Professor da FGV Direito SP e coordenador do Supremo em Pauta

A complexidade em torno da prisão do deputado Daniel Silveira expõe as vísceras de nossa crise democrática e suas ambiguidades.

O Supremo Tribunal Federal tem tomado as medidas que considera cabíveis para sobreviver aos ataques que têm sido desferidos por um setor antidemocrático e autoritário da política brasileira.

Em tempos de normalidade institucional, já seria difícil para o STF dar conta dessa tarefa, impondo os limites constitucionais sobre esses agentes.

Decisões como a que impediu o Ministério da Justiça de produzir um dossiê de controle ideológico sobre funcionários do governo e possíveis adversários seriam corajosas e duras em qualquer situação.

Em um contexto em que a autonomia das demais instituições de investigação e controle tem sido dilapidada, essa tarefa se tornou ainda mais difícil.

Em alguns casos, o Supremo optou por tomar algumas decisões heterodoxas e controvertidas para lutar essa batalha. Dentre elas a abertura do chamado inquérito das fake news e a decretação da prisão de ofício do deputado Silveira.

Essas soluções problemáticas parecem indicar que o STF não enxerga outras ferramentas para lidar com um grupo de agentes que utiliza os mecanismos legais para subverter a ordem democrática e implantar um regime autoritário.

Governos populistas autocráticos minam a força de instituições independentes para poder implantar suas agendas sem a necessidade de negociar, de considerar interesses de outros grupos ou de se adequar a limites legais.

São governos que promovem a proteção dos aliados e a destruição dos opositores, são intolerantes à pluralidade.

Não é coincidência que ao longo dos últimos dois anos os órgãos de investigação e controle, como Ministério Público Federal, Polícia Federal, Receita Federal e de instrumentos de controle como o Coaf, tenham sofrido severas ingerências de ordem orçamentária e administrativa.

A principal instituição de controle que tem sido capaz de resistir a esse processo tem sido o Supremo Tribunal Federal. Após um período de razoável inércia em 2019, passou a exercer um controle mais robusto a partir da eclosão da pandemia da Covid-19, em 2020.

É evidente que nesse contexto de extremo desgaste, e de efetivo risco de deterioração democrática, as decisões do STF podem ter equívocos.

A decisão que decreta a prisão do deputado imbricado com movimentos antidemocráticos, não traça com clareza os parâmetros pelos quais determinadas falas não estão cobertas pela imunidade parlamentar e que tipo de fala configura de fato uma incitação à violência.

Também não deixa de ser irônico que, sob o pretexto de coibir a apologia ao AI-5 e ao retorno da ditadura militar, o STF tenha precisado recorrer à Lei de Segurança Nacional —uma norma oriunda do período ditatorial, criada para sufocar a oposição ao regime.

Endossar a força desse tipo de norma é preocupante porque pode gerar maus precedentes.

É preciso ter em mente que, dentro de poucos anos, a composição do Supremo será bastante modificada.

A depender de quem venha a realizar as indicações de novos ministros, as preocupações democráticas do tribunal podem ser mitigadas. Essa nova composição poderá se mostrar disposta a utilizar esses poderes extraordinários de controle contra deputados de oposição ou de qualquer orientação desconfortável.

Caso o STF se mantenha no processo de aumentar o seu poder, sem traçar com clareza os limites para o seu exercício, a solução de curto prazo poderá criar problemas democráticos no futuro.

O contexto é especialmente difícil para o STF. O general que ocupava a função de comandante do Exército Brasileiro admitiu que ameaçou os ministros do Supremo com o possível fechamento do tribunal, para que em 2018 o tribunal não tomasse uma decisão que lhe desagradava —e que o fez em colaboração da alta cúpula da Força.

O presidente da República expressou sua vontade de intervir no Supremo no ano passado por se incomodar com o fato de ser investigado.

Há uma articulação robusta de ataques virtuais e presenciais visando enfraquecer a legitimidade do tribunal. Esse contexto exige do Supremo uma superação.

Se o Supremo Tribunal Federal pretende vencer essa árdua batalha, precisa forçar a dimensão técnica de sua legitimidade. É preciso que as decisões heterodoxas sejam excepcionais, que as intervenções na mídia sejam escassas e que os conflitos internos sejam mitigados.

Os ministros precisam deixar de lado o individualismo radical e as tentativas de decidir de acordo com as consequências que serão alcançadas. É preciso que os limites sejam mais claramente decorrentes da Constituição do que da vontade dos ministros.

O Supremo Tribunal Federal precisa ouvir os críticos que desejam o aprimoramento da instituição, para que estejam protegidos dos que querem destrui-la.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.