Descrição de chapéu Financial Times STF

As consequências infelizes do retorno de Lula

Decisão que anulou as condenações do ex-presidente fere a credibilidade da Justiça

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O político mais famoso da América Latina teve um retorno triunfal ao centro das atenções depois que um juiz do STF anulou inesperadamente suas condenações por corrupção. A decisão a favor de Lula foi baseada em mera questão técnica; mesmo assim, os partidários do ex-presidente saudaram a decisão como confirmação de sua crença de longa data de que Lula foi vítima de uma vendeta politicamente motivada.

As consequências da decisão, supondo que seja confirmada pelo STF pleno, são tremendas. Ela redesenha com uma canetada o mapa eleitoral da eleição presidencial de 2022, autorizando Lula a candidatar-se outra vez. O presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro ocupava posição forte para ser reeleito, enfrentando uma oposição dividida; agora é provável que encare concorrência forte da esquerda.

Bolsonaro tem um histórico de atuação no poder lamentável, que inclui ter elogiado a ditadura em diversas ocasiões, deixado o desmatamento da Amazônia alcançar o nível mais alto em 12 anos e administrado a pandemia perigosamente mal, ao mesmo tempo em que frustrou as esperanças de investidores em reformas econômicas importantes. Tudo isso pode sugerir a conclusão de que uma decisão judicial que possibilite o retorno de Lula só pode ser positiva para o Brasil.

Mas a decisão do juiz tem consequências infelizes. Ela desfere um golpe pesado contra a credibilidade da maior e mais bem-sucedida investigação de corrupção lançada na América Latina. Levanta dúvidas perturbadoras sobre o sistema de justiça brasileiro. E aumenta as chances de políticos brasileiros notoriamente corruptos poderem voltar ao “business as usual”.

O processo contra o ex-presidente esquerdista, no poder de 2003 a 2010, decorreu da operação Lava Jato. A investigação, que recebeu seu nome devido a um lava-jato usado para fazer lavagem de dinheiro em Brasília, começou em 2014 e trouxe à tona um esquema enorme de contratos em troca de subornos envolvendo a estatal petrolífera Petrobras, um grupo de construtoras e dezenas de políticos de destaque. A investigação detonou a impunidade até então reinante entre a elite brasileira e recebeu enorme apoio público.

Mas, em sua ânsia para levar poderosos à justiça, os promotores cometerem erros graves. Mensagens vazadas entre um juiz que julgava os processos, Sergio Moro, e promotores, discutindo as evidências a serem usadas contra Lula, sugeriram que eles estavam usando atalhos para ter a garantia de condenações. A decisão subsequente de Moro de aceitar um cargo ministerial no governo de Bolsonaro apenas alimentou as acusações de viés político feitas a ele. Moro renunciou mais tarde, mas o dano já havia sido causado.

Agora, em seu discurso de retorno à cena, Lula alimentou as chamas que consomem a Lava Jato. Em vez de atacar a corrupção ampla durante seu governo trazida à tona pela operação, o ex-presidente declarou-se vítima da “maior mentira judicial em 500 anos” e afirmou que o juiz que anulou sua sentença “reconheceu que não houve crime nenhum cometido por mim”. O juiz não fez nada disso: ele apenas decidiu que o tribunal provincial que julgou os casos não tinha a jurisdição necessária para isso, o que significa que os processos terão que recomeçar em um tribunal diferente.

Essas nuances legais passarão despercebidas pela maioria dos brasileiros, e a culpa disso cabe exclusivamente ao Supremo. Anunciar uma decisão sobre a jurisdição de um tribunal quase quatro anos depois de esse tribunal ter proferido uma sentença parece bizarro; permitir que uma decisão tão crucial seja tomada por um único juiz nomeado originalmente pelo partido de Lula é um convite a acusações de parcialidade.

O Brasil agora se vê diante da perspectiva tenebrosa de impunidade para os corruptos: a operação Lava Jato foi encerrada discretamente no mês passado, após sete anos. Quase tão pouco atraente quanto ela é a promessa de uma eleição polarizada em 2022, opondo candidatos da extrema-direita à esquerda antiquada.

Tradução de Clara Allain  

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