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Bolsonaro precisa do centrão para mostrar mais serviço e ter voto conservador, diz apoiador alvo do STF

Empresário Otávio Fakhoury afirma que prisão de Daniel Silveira não se sustenta e que esquerda quer discurso único

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São Paulo

Apoiador de Jair Bolsonaro (sem partido), o empresário e ativista Otávio Fakhoury, 48, afirma que a aliança com o centrão foi necessária para garantir governabilidade e que o presidente precisa avançar na agenda conservadora para garantir o voto da direita na eleição de 2022.

"O voto das pessoas de centro ele já vai ter. Ele já está mais moderado. Para ter o voto da direita, alguma coisa ele vai precisar mostrar", diz à Folha, minimizando eventuais impactos da pandemia e da crise econômica para a recondução de Bolsonaro ao cargo.

O empresário bolsonarista Otávio Fakhoury posa em seu escritório, em São Paulo, com um boneco do presidente Bolsonaro - Zanone Fraissat/Folhapress

Fakhoury é investigado em dois inquéritos do STF (Supremo Tribunal Federal) que atingem aliados e apoiadores do presidente o das fake news e o dos atos antidemocráticos. Ele nega participação e diz que sempre fez militância dentro da lei.

O empresário ecoa Bolsonaro em assuntos como o combate à Covid-19, a atuação da esquerda e a segurança das urnas eletrônicas, mas já se contrapôs publicamente ao mandatário em episódios como a indicação de Kassio Nunes Marques para ministro do STF.

Em entrevista por videoconferência, o bolsonarista criticou o Supremo pela prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), também investigado nos dois inquéritos da corte, e revelou os planos de lançar uma emissora de rádio e TV com viés conservador.

O sr. militou pelo impeachment de Dilma Rousseff e depois se aproximou da campanha de Bolsonaro. Viu nele a chance de levar ao poder um projeto de direita? Exatamente. Achava que ninguém mais teria condição de levar isso adiante, depois de 30 anos de movimento constante cada vez mais à esquerda.

O que fez efeito na cabeça das pessoas foi aquela coisa cortante. O Bolsonaro tinha umas falas que chocavam, que não são pérolas de intelectualidade, mas são obviedades que pegam a pessoa simples. [Mas] não acho que se ganha uma nova eleição desse jeito. A próxima eleição vai ter que ser outra coisa.

Qual coisa? A fase de quebrar a barreira já foi. Teve muita fala e agora tem que mostrar mais serviço. Mudar a prisão após segunda instância, reverter o [Estatuto do] Desarmamento. As pessoas votaram porque queriam isso. Só que a gente está vendo que está difícil.

Como ele pode agir, considerando que a eleição se aproxima e as medidas têm que passar no Congresso? Acho que ele sabe disso. De certa forma, essa aliança com o centrão foi para ter um pouco mais de governabilidade. A pauta liberal vai andar na mão do centrão, porque ninguém é contra. Agora, na pauta conservadora, há setores do establishment que são contra.

[Bolsonaro] vai ter que dizer para o centrão: "Vocês vão passar isso, mas tem que passar isso também". Alguma coisa vai precisar passar para ele ter o voto da direita. Porque o voto das pessoas de centro ele já vai ter. Ele está mais moderado.

Então a aliança com o centrão faz sentido do ponto de vista pragmático? Faz, porque, com o Rodrigo Maia lá [na presidência da Câmara] mais dois anos, não teria avanço nenhum e o governo não teria chance para a reeleição.

Como vê a mudança de Bolsonaro, que na campanha criticava a velha política? Quando disse que não ia mais fazer política do jeito antigo, talvez ele esperasse que fosse ter um certo tipo de apoio que não teve. Primeiro: o povo saiu das ruas, e isso o ajudava muito a fazer pressão. Acredito que ele achava que fosse ter mais apoio da classe militar, e não teve.

Uma coisa realmente mudou: ele não é um governante que permite passivamente que se roube. O Lula e a Dilma sabiam que tinha roubo e faziam vista grossa. No caso do Bolsonaro, não existe corrupção patrocinada por agentes do governo.

Sobre o senador Flávio Bolsonaro, qual seu nível de confiança nele? Não vi até hoje nenhuma prova contundente contra o Flávio e ainda acredito na inocência dele. Sobre o [Fabrício] Queiroz, de suspeita de rachadinha, mesma coisa.

O pessoal fala muito desse caso da casa [em Brasília] que o Flávio financiou. Ele não fez nada de errado. Falam: "Ah, ele poderia ter escolhido outra hora". Não entro nesse mérito. A narrativa está sempre contra ele, e ele não é tão forte na defesa quanto poderia ser. Isso atrapalha um pouco.

O comportamento do presidente Bolsonaro na pandemia, classificado como negacionista e anticientífico, tem sido usado por adversários para defender impeachment. Vê risco? Para um impeachment pegar na opinião pública, o cara tem que cometer crime mesmo, corrupção, alguma coisa grave. No imaginário popular, não existe o cara ser impichado porque saiu sem máscara.

Mas e em relação à gestão da crise? Agiu bem, dentro das competências que ele tinha. O STF deixou uma competência concorrente [entre os governos federal, estaduais e municipais]. Ele passou a ser um assinador de cheques. Por que não funcionou bem em vários lugares? Aí tem que perguntar para os governadores.

Os governadores contestam essa narrativa e dizem que os repasses eram obrigatórios. [Um percentual de] 30%. Os outros 70% foram verba especial. Os governadores e prefeitos ficaram loucos com o auxílio emergencial porque virou "a ajuda do Bolsonaro" e não puderam tomar para eles.

Como seu nome foi parar nas investigações do STF e qual é sua linha de defesa? Em 2019, fiz uma reunião com influenciadores e membros de movimentos de direita para discutir como eles podiam atuar melhor em defesa do governo. Essa reunião foi usada como pretexto de que ali estava reunido um grupo para combinar ataques nas redes sociais, ataques caluniosos, e que eu supostamente pagava todo o mundo.

O que eu financiei na minha vida foram candidatos em eleição e caminhão de som em manifestação na Paulista, onde as pessoas gritam "fora, Dilma", "impeachment", "fora, Rodrigo Maia". Isso aí é normal, você não está lá pedindo golpe de Estado ou "matem fulano".

Já quebraram meu sigilo, pegaram computadores, celulares. A melhor linha de defesa minha foi mostrar quem eu sou. Não sou fascista, não quero o mal de ninguém, não tenho atividade ilícita.

Pode haver dentro desse grupo investigado pelo STF pessoas que cruzaram a linha e fizeram ataques às instituições e ao sistema democrático? Pode haver. Mas então eles têm que divulgar o que é. No caso da Sara Winter, como é que você vai derrubar um governo jogando fogos de artifício? Não é tanque. No caso de outras pessoas, não sei. Metade eu conheço, metade não. Do que já foi divulgado, não me parece ato antidemocrático.

Aplica esse raciocínio ao caso do deputado Daniel Silveira? Porque ele falou aquilo, ele vai derrubar alguém do STF? A instituição vai por água abaixo? Aquilo é uma fala. Já vi gente da esquerda falar coisa pior e nada acontecer.

Por que então o STF reagiu prendendo o deputado? Não sei. Não posso falar muito a respeito, porque ainda estou lá, esperando. Devem ter os motivos deles, com os quais eu provavelmente não vou concordar. Não vejo crime de segurança nacional ali. Aquela prisão não se sustentaria juridicamente em um ambiente normal.

Como avaliou a resposta do Congresso, com a PEC apoiada por Arthur Lira para limitar prisões de parlamentares? Foi uma resposta muito oportunista dele. Se você é contra esse tipo de prisão, não é via PEC [que se age]. Podia ter revogado a prisão do deputado. Esse raciocínio de "para ele pode, mas vamos fazer uma lei aqui para não deixar isso acontecer conosco" não é honesto. Foi uma forma de convencer os deputados a deixarem o cara na cadeia, porque poderiam ser os próximos.

Quais são suas críticas ao STF? Não tenho críticas à instituição Supremo. Quando faço alguma crítica, é a alguma pessoa. O Supremo tem que existir.

Por que o sr. publicou uma carta aberta ao presidente contra a indicação de Kassio Nunes? Entendo uma nomeação para o Supremo como uma nomeação política, de colocar uma pessoa com um viés semelhante ao seu. O Bolsonaro nomeou alguém que veio sem aquele viés que a gente esperava.

E não foi um evangélico, como ele prometeu. Evangélico ou não, tinha que ser um conservador. Depois, a gente viu nas decisões do Kassio que ele decepcionou.

Como está seu projeto de criar uma rádio e uma TV de cunho conservador? Está andando. Será inicialmente online e depois no sinal aberto. Após os inquéritos, começaram a atacar meu projeto como se fosse ilegal. Sou uma pessoa privada, não tenho relação com governo. O que eu vou fazer é com dinheiro próprio.

Migrei para o Instituto Força Brasil [organização privada da qual é vice-presidente] todos os meus projetos, que se juntaram aos que eles já tinham. Um deles é o de criar uma entidade que defenda os proprietários de armas de fogo, como é a NRA [associação do lobby de armas nos EUA].

De onde parte a ameaça à liberdade de expressão no Brasil que o sr. considera existir? Vejo isso como algo direcionado para um lado só, um lado calado a qualquer custo. Não é uma agenda do Supremo, é uma agenda globalista, com interesses transnacionais por trás. Big techs, agências de publicidade e departamentos de marketing de empresas estão nisso. Por que o Sleeping Giants funcionou tão fácil para calar as pessoas? Porque se fechou um ciclo inteiro. Todos estão com o mesmo signo ideológico.

Prega substituir o pensamento à esquerda, que o sr. diz prevalecer no poder, na mídia e no setor privado, pelo oposto, à direita? Sempre gostei de debater. Mesmo sendo de direita, não quero que o meu discurso seja o único. O problema é que a esquerda quer isso. Não acho que tem que substituir. O que quero é que haja contraponto sempre. É muito curioso que o lado de lá queira eliminar o nosso pensamento. Por quê?

O sr. afirmou recentemente, em rede social, que Sergio Moro "e sua turma de 'justiceiros'" estão em uma enrascada por causa da revelação de diálogos dele e de procuradores. Como vê Moro no papel de juiz e no de ministro? Ele atravessou os limites da lei como juiz, como ficou demonstrado em algumas mensagens. Sei que houve várias escutas ilegais. Eles fizeram da Lava Jato, daquele processo que começou de forma legal, um poder paralelo. É nesse ponto que acho que o Moro tem que responder, porque no mínimo foi conivente, se não teve atuação direta.

E, no governo, na minha opinião ele não foi um bom ministro, porque continuou agindo dessa forma. Manteve pessoas na Polícia Federal que concordavam com isso, como a delegada Erika [Marena, que, segundo diálogos, lavrou o termo de depoimento de uma testemunha que não foi ouvida]. Forjar coisa?

RAIO-X

Otávio Oscar Fakhoury, 48

Empresário e investidor, fez carreira no mercado financeiro e trabalhou nos bancos Merrill Lynch e Lehman Brothers. Atuou em São Paulo nas manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em movimentos como Vem pra Rua e Acorda Brasil. Participou da campanha de Jair Bolsonaro à Presidência, aproximando o então presidenciável de apoiadores do setor privado. Foi tesoureiro do diretório paulista do PSL (antigo partido de Bolsonaro) em 2019, a convite do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Entrou na lista de investigados da CPMI das Fake News no Congresso e dos inquéritos do STF que apuram fake news contra a corte e atos antidemocráticos

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