Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Atrito com Bolsonaro derruba comandantes das Forças Armadas, na maior crise militar desde 1977

Braga Netto se irritou com renúncia coletiva e anunciou demissão dos oficiais-generais; fardados buscam acomodação

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São Paulo e Brasília

Pela primeira vez na história, os três comandantes das Forças Armadas pediram renúncia conjunta por discordar do presidente da República nesta terça (30).

Contrariado pelo movimento, que circulou na noite de segunda, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, participou de uma tensa reunião na qual anunciou que eles estariam demitidos por ordem de Jair Bolsonaro.

O motivo da decisão dos chefes militares foi a rejeição à demissão do antecessor de Braga Netto, general Fernando Azevedo.

Ele foi tirado do cargo por Bolsonaro na segunda, no escopo das mudanças que o presidente fez no ministério. O motivo, a rejeição à pressão do chefe por apoio político ao governo nas Forças e a ações para combater medidas de restrição à circulação do novo coronavírus.

No encontro, todos reafirmaram que os militares não participarão de nenhuma aventura golpista, mas buscam uma saída de acomodação para a crise, a maior na área desde a demissão do então ministro do Exército, Sylvio Frota, em 1977 pelo presidente Ernesto Geisel.

Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição ao se encontrar com Azevedo, ainda ministro. Depois, os quatro se reuniram com Braga Netto.

O presidente o pressionava a alinhar as Forças com a defesa política do governo e o apoio a medidas contra o isolamento social na pandemia.

O recado chegou a Braga Netto na noite anterior, e ele pediu o encontro para tentar dissuadi-los. Ao chegar no encontro, o novo ministro demonstrava irritação e transmitiu a ordem de Bolsonaro.
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Da esq. para a dir., Bermudez, Ilques, Bolsonaro, Azevedo e Pujol antes do começo do governo
Da esq. para a dir., Bermudez, Ilques, Bolsonaro, Azevedo e Pujol antes do começo do governo - Sergio Lima - 22.nov.2018/AFP

Houve momentos de tensão na reunião, segundo relatos. Com efeito, na nota emitida pelo Ministério da Defesa, é dito que os comandantes serão substituídos —e não que haviam pedido para sair.

É uma forma de Bolsonaro asseverar autoridade em um momento conturbado, evocando princípio de hierarquia. Ao mesmo tempo, evitar amplificar a crise evidenciando o mal-estar dos chefes militares.

Na reunião, segundo relatos feitos à Folha, o comandante da Marinha teve um momento de exaltação com Braga Netto. Insatisfeito com a demissão de Azevedo, o almirante apontou que a mudança pode gerar apreensão no país e que afeta a imagem das Forças Armadas.

Em outros pontos, o novo ministro, conhecido pelo proverbial pavio curto, bateu na mesa e subiu o tom de voz.

A Marinha minimizou o incidente e o governo veio a campo para tentar pôr panos quentes.

Em entrevista à CNN Brasil, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, negou o episódio de tensão na reunião e negou qualquer mudança na atuação das Forças Armadas.

"O ministro Braga Netto disse que nada muda nas Forças, muito pelo contrário, as Forças Armadas têm um papel, dentro da Constituição, de hierarquia, de disciplina, de manter a paz", afirmou Faria.

Segundo ele, Braga Netto, que deve tomar posse como ministro da Defesa na terça-feira (6), é "mais moderno", mais novo.

"O recado é bem claro: não existe nenhuma mudança de postura em relação a este tratamento com as Forças Armadas, até porque o presidente já é capitão, o vice-presidente é general, tem vários militares em posições importantes do governo. Então, não existe nenhuma animosidade, muito pelo contrário", afirmou.

Na noite desta terça, a apoiadores, Bolsonaro disse que joga dentro da Constituição e que tem limitações para decretar estado de sítio. "Eu jogo dentro da Constituição. Há algum tempo algumas autoridades não estão jogando nos limites da Constituição", disse, em fala transmitida por um canal simpático a ele na internet.

Desde a noite de segunda, os comandos das Forças trabalham para ofertar nomes a Braga Netto para as substituições que mirem o consenso.

É uma forma de buscar remendar o tecido esgarçado da relação com o Planalto e apresentar um clima de controle para o público interno nos quartéis.

No Exército, o favorito para o comando é Marco Antônio Freire Gomes, chefe militar do Nordeste. O fato de ele não estar entre os três mais antigos generais de quatro estrelas causou ruídos no Exército, levados a Bolsonaro pela ala militar do Planalto, mas o tema não é visto como incontornável.

Na Marinha, o principal nome é o do almirante Leonardo Puntel, hoje no Superior Tribunal Militar. Por fora, corre Almir Garnier, com menos chances por ter sido o número 2 de Azevedo no ministério.

Para a Aeronáutica, ainda não há um nome definido.

O mal-estar pelo anúncio inesperado da saída de Azevedo, que funcionava como pivô entre as alas militares no governo, o serviço ativo e o Judiciário, foi grande demais.

O motivo da demissão sumária do ministro foi o que aliados dele chamaram de ultrapassagem da linha vermelha: Bolsonaro vinha cobrando manifestações políticas favoráveis a interesses do governo e apoio à ideia de decretar estado de defesa para impedir lockdowns pelo país.

O presidente falou publicamente que "meu Exército" não permitiria tais ações. Enquanto isso, foi derrotado no Supremo Tribunal Federal em sua intenção de derrubar restrições em três unidades da Federação, numa ação que não foi coassinada pelo advogado-geral da União, José Levi —ajudando a levar à sua queda, também na segunda.

Enfrentar medidas de governadores para tentar restringir a circulação do novo coronavírus, que já matou cerca de 315 mil pessoas, é a obsessão do presidente desde que ele capitulou ante o governador João Doria (PSDB-SP) e abraçou a causa da vacinação.

As restrições têm menos apoio popular do que a imunização, e o presidente acredita que lockdowns e afins dificultarão ainda mais seus planos de reeleição pelo natural efeito negativo na economia. Sua popularidade vem em queda.

Ele chegou a comparar as medidas a um estado de sítio, uma impropriedade, mas só a referência a um instrumento de exceção levou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, a questionar suas intenções.

Em reuniões na segunda, segundo interlocutores, os três comandantes concordaram que seria importante fazer uma transição pacífica e controlada, com consenso sobre os nomes dos substitutos.

Há o temor de agitação nos quartéis, até porque nesta quarta (31) serão completados 57 anos do golpe que deixou os militares mais de duas décadas no poder, até 1985. A palavra de ordem é acalmar os ânimos.

Braga Netto emitiu na noite de terça sua primeira nota como ministro, justamente a ordem do dia sobre o 31 de março. Manteve o tom adotado por Azevedo nos dois anos antes, de tentar situar o golpe como parte da história, mas sustentando que ele evitou uma ditadura comunista.

"O movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março", escreveu.

Na nota de 2020, o agora ex-ministro Azevedo disse que "o movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira". Semanas atrás, o TRF-5 aceitou recurso da União e permitiu manutenção da nota com esses termos.

Em apenas um ano e meio de gestão, Bolsonaro expandiu o número de integrantes das três Forças em cargos comissionados em 33%. Em meados de 2020, eram 2.558, em ao menos 18 órgãos.

A lembrança do episódio de Frota em 1977 é viva na cabeça dos oficiais-generais, todos formados em turmas em anos próximos.

Mas há diferenças: vivia-se uma ditadura em abertura por Geisel, e Frota se opunha a isso. Além do mais, ele era ministro —a pasta da Defesa só viria a ser criada em 1999, e ficou com civis à sua frente até 2018. O ministério, aliás, se acostumou com crises: 5 de seus 12 titulares até aqui saíram de forma conturbada.

O mais agastado com a saída de Azevedo era Pujol, desafeto de Bolsonaro desde o ano passado, por divergências na condução do combate à pandemia: enquanto o presidente adotava uma agenda negacionista, o general lhe ofereceu o cotovelo em vez de um aperto de mão.

O presidente tentou removê-lo do comando, sem sucesso por falta de apoio de Azevedo. Recentemente, cobrou uma posição crítica ao Supremo Tribunal Federal devido à restauração dos direitos políticos de Luiz Inácio Lula da Silva.

Azevedo e Pujol não repetiram o ex-comandante Eduardo Villas Bôas, que gerou celeuma ao pressionar a corte em 2018 a não conceder um habeas corpus ao ex-presidente, o que abriu caminho para seus 580 dias de prisão.

Pujol também foi duro ao dizer claramente que os militares tinham de ficar fora da política, no fim de 2020. A insatisfação do serviço ativo com a gestão do general Eduardo Pazuello, que não foi à reserva, à frente da Saúde foi outra fonte de estresse.

O trabalho de Braga Netto agora será acertar uma acomodação de nomes. Para Marinha e Aeronáutica, Forças de menor peso relativo, a sucessão deverá ser menos nevrálgica do que no Exército.

Em reunião na noite de segunda, o Alto-Comando da Força elencou os nomes à mesa, todos os mais longevos com quatro estrelas sobre os ombros.

A partir desta quarta (31), o mais longevo será José Luiz Freitas (Operações Terrestres), que irá à reserva em agosto. O mais antigo, Decio Schons (Departamento de Ciência e Tecnologia), deixa a ativa neste dia.

O segundo mais antigo é o chefe do Estado-Maior, o número 2 da hierarquia, Marco Antônio Amaro dos Santos. Ele trabalhou com Dilma Rousseff (PT), o que dificulta suas chances.

Mais obstáculos se colocam para o terceiro, Paulo Sérgio (Diretoria de Pessoal, que cuida da saúde dos fardados). Ele concedeu uma entrevista elencando as medidas restritivas que fizeram o Exército ter um índice de contaminação muito menor do que o da população, irritando o presidente.

Laerte Souza Santos (Comando Logístico) é o próximo da lista, mas era chefe do general Eugênio Pacelli, que perdeu o cargo após ter portarias de controle de armas derrubadas por ordem de Bolsonaro.

O próximo na fila é o comandante do Nordeste, Marco Antônio Freire Gomes.

Todos são próximos de Pujol, mas Freire Gomes tem simpatia no Palácio do Planalto por ter seguido uma carreira muito próxima à de Luiz Eduardo Ramos (Brigada Paraquedista, Forças Especiais), o general que agora foi para a Casa Civil e é um dos mais antigos amigos de Bolsonaro.

Ele sai como favorito para o lugar de Pujol, portanto. O fato de não ser o mais antigo não é impeditivo: já houve outros comandantes que foram escolhidos na mesma condição.

Colaborou Daniel Carvalho, de Brasília

MINISTROS MILITARES DE BOLSONARO

Casa Civil
Luiz Eduardo Ramos, general da reserva do Exército

Defesa
Walter Souza Braga Netto, general da reserva do Exército

Gabinete de Segurança Institucional
Augusto Heleno, general da reserva do Exército

​Ciência e Tecnologia
Marcos Pontes, tenente-coronel da reserva da Aeronáutica

Minas e Energia
Bento Albuquerque, almirante da reserva da Marinha

Infraestrutura
Tarcísio de Freitas, capitão da reserva do Exército

Controladoria-Geral da União
Wagner Rosário, capitão da reserva do Exército

MILITARES QUE JÁ FORAM MINISTROS OU OCUPARAM POSIÇÕES DO ALTO ESCALÃO DO GOVERNO

Secretaria de Governo
Carlos Alberto dos Santos Cruz, general da reserva do Exército

Porta-voz da Presidência da República
Otávio do Rêgo Barros, general da reserva do Exército

Ministério da Defesa
Fernando Azevedo e Silva, general da reserva do Exército

Ministério da Saúde
Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército

Secretaria-Geral da Presidência
Floriano Peixoto, general da reserva do Exército

Secretário especial do Esporte do Ministério da Cidadania
Décio Brasil, general da reserva do Exército

Presidente do Incra
João Carlos Corrêa, general da reserva do Exército

Presidente dos Correios
Juarez Cunha, general da reserva do Exército

Presidente da Funai
​Franklimberg Freitas, general da reserva do Exército

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