Descrição de chapéu STF

Decisão pró-Lula é recebida com indignação por bolsonaristas e frustra críticos da polarização

Eventual candidatura do petista reembaralha cenário de 2022; apoiadores de Bolsonaro criticam impunidade, mas silenciam sobre eleição

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São Paulo

A decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), que anulou processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e devolveu a ele os direitos políticos foi recebida com indignação, frustração e empolgação em diferentes correntes do universo político.

As primeiras reações à decisão, expressas por autoridades, parlamentares e dirigentes partidários em redes sociais e entrevistas, convergiram ao menos em um ponto: a eventual entrada do petista no xadrez eleitoral da corrida ao Planalto em 2022 embaralha todos os cenários calculados até agora.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que hoje é favorecido pela fragmentação na esquerda e na direita —ambas em busca de competidores fortes para enfrentar o postulante à reeleição—, pode ganhar um adversário de peso caso Lula, que governou o país de 2003 e 2010, decida concorrer.

Uma das hipóteses discutidas é a de que uma repetição da polarização com o PT, ocorrido no segundo turno de 2018, abra caminho para a recondução do atual mandatário. Por essa leitura, o antipetismo pode falar mais alto novamente e dar a Bolsonaro um segundo mandato.

Outros líderes políticos apostam que a reprise do embate interessa às duas forças antagônicas, já que poderia representar uma espécie de revanche, sem a interferência de adversários que se apresentem como opções mais moderadas ou conciliadoras.

Bolsonaristas que simpatizam com a agenda do combate à corrupção, um dos pilares da vitória do atual presidente em 2018, lamentaram a decisão de Fachin. Em um primeiro momento, porém, muitos deles evitaram fazer relação direta entre a recuperação dos direitos políticos de Lula e a eleição.

Comentários de membros da tropa de choque do presidente no Congresso seguiram um tom sóbrio, girando em torno de temas como corrupção, impunidade e ativismo do STF, sem mencionar os efeitos no pleito de 2022. Influenciadores digitais conservadores, em sua maioria, também se limitaram a informar detalhes jurídicos, defenderam a Lava Jato e atacaram o PT.

"Com a decisão, o ex-presidiário recupera os direitos políticos e volta a ser elegível", escreveu a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de Bolsonaro no Congresso. "O ex-presidente agora torna-se elegível de acordo com a Lei da Ficha Limpa. Onde iremos parar?", reagiu Chris Tonietto (PSL-RJ).

O presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, chamou a decisão de Fachin de insanidade, golpe e abuso de autoridade. Para o aliado de Bolsonaro, o ministro do STF, "numa canetada só, acabou com todo o trabalho da Lava Jato".

"Essa é a prioridade do Brasil, inocentar Lula? Acusam Bolsonaro de não fazer nada para combater a pandemia, mas o que mais estão preocupados é com a situação política de Lula? Faltam palavras para classificar o sentimento diante de tamanho absurdo", afirmou Jefferson.

O site Crítica Nacional, alinhado ao presidente, afirmou que "a volta de Lula ao cenário político serve de coroamento do quadro de delinquência institucional que tomou conta do país em período recente".

O texto apontou haver um "completo estrangulamento do ordenamento jurídico nacional" e afirmou que o quadro de insegurança jurídica, que já "engessou e imobilizou o governo federal" no contexto da pandemia, agora se encontra "materializado na volta do chefe petista ao cenário político-eleitoral".

Líder do Novo na Câmara, o deputado federal Vinicius Poit (SP) qualificou a decisão de Fachin como absurda e "piada com os brasileiros". E criticou: "Impunidade reinando".

Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-aliada de Bolsonaro, afirmou que ele comemora a medida favorável ao petista porque "conseguiu ter Lula como adversário em 2022 e assim ter alguma chance". A deputada se referiu ao ex-presidente como meliante e "assaltante do país".

No campo que se coloca no centro do espectro político e vem trabalhando pela construção de alternativas ao bolsonarismo e ao petismo, Fachin despertou desânimo. Opositores de Bolsonaro que navegam em faixas moderadas da direita disseram que a chama da polarização vivida em 2018 poderá ser reacesa.

"Lula elegível. Bolsonaro acaba de ser reeleito. Desolador", afirmou o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP). "A única chance de Bolsonaro em 2022 é Lula, e a única chance de Lula é Bolsonaro. Um só tem chances de vencer se for para o segundo turno com alguém de rejeição semelhante. Brasil segue afundando em qualquer um dos cenários."

Pré-candidato do DEM a presidente, o ex-ministro da Saúde (gestão Bolsonaro) Luiz Henrique Mandetta foi na mesma toada: "Os extremos comemoram, pois se nutrem um do outro. A ruptura da liga social brasileira avança. Mais que nunca, o povo de bem terá que apontar o caminho para pacificar este país".

O apresentador e presidenciável Luciano Huck, tido em alas de centro como um nome que poderia encarnar a figura da terceira via, disse que é preciso "respeitar a decisão do STF e refletir com equilíbrio sobre o momento e o que vem pela frente".

Sem especificar se tratava do cenário eleitoral, o comunicador da TV Globo, que não tem filiação partidária nem oficializou sua entrada na vida pública, concluiu: "Mas uma coisa é fato: figurinha repetida não completa álbum".

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que vem trabalhando pela construção de uma candidatura presidencial de oposição ao bolsonarismo e ao petismo, adotou o silêncio e, até o início da noite desta segunda-feira (8), não havia comentado o episódio.

Presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo disse, por meio de nota, que a decisão "abre espaço para a contraposição direta, no Brasil, dos candidatos que têm representado os extremos, à direita ou à esquerda, Bolsonaro e Lula".

"Mas também é uma oportunidade para candidaturas de centro, ponderados, se apresentarem melhor. A maioria dos brasileiros está cansada de gritaria, de grupos inconciliáveis, de crise. Quer é superar a pandemia e olhar para frente", afirmou Araújo.

O PSDB —que também abriga o presidenciável Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul— fez manifestações em redes sociais nas quais sugeriu que a decisão deixa Bolsonaro e Lula felizes.

O perfil do PSDB no Twitter afirmou que "existe caminho fora dos extremos", que "o Brasil merece mais trabalho e menos gritaria". O discurso propagado pela direção tucana foi o de que "o Brasil pode ter a chance de, democraticamente, se livrar do lulismo e do bolsonarismo em 2022. Basta votar diferente".

O presidenciável Ciro Gomes (PDT), nome da esquerda que quer buscar apoios no centro e tem pontuado seu distanciamento da ala lulista do PT, evitou comentar reflexos no jogo eleitoral, mas postou em uma rede social uma compilação de falas suas com críticas à Lava Jato.

"Sobre a decisão do ministro Fachin, veja o que sempre tentei avisar ao Brasil", escreveu.

Há alguns dias, em entrevista à Folha, Ciro afirmou que "Lula foi vítima de julgamentos muito suspeitos por parte do então juiz Sergio Moro".

Na esquerda que mantém interlocução com Lula, a medida judicial foi recebida com empolgação e interpretada como sinal automático da candidatura. À Folha Guilherme Boulos (PSOL) disse que a decisão "vem com três anos de atraso, mas desmonta a farsa que elegeu Bolsonaro".

O ex-candidato a prefeito de São Paulo, cotado para disputar a Presidência em 2022, afirmou não ver a entrada de Lula na disputa como empecilho para a união da esquerda, pela qual ele vem trabalhando, com o objetivo de evitar um novo triunfo de Bolsonaro.

"Continuo trabalhando para uma mesa de unidade, uma mesa de salvação nacional, para que a esquerda chegue de forma unitária em 2022 e derrote Bolsonaro", disse, rechaçando a tese de que a decisão possa reforçar a reeleição do presidente. "Não dá força para Bolsonaro, mas para a democracia brasileira."

Presidente do PCO e entusiasta de uma candidatura lulista, Rui Costa Pimenta foi às redes sociais comemorar. "Mas é preciso acompanhar cuidadosamente o jogo da burguesia. [...] A decisão foi tomada para preservar os crimes da Lava Jato e dos golpistas, incluindo as mazelas do próprio STF", afirmou.

"Lula candidato já e às ruas!", exortou Pimenta.

Em 2018, Lula teve a candidatura barrada pela Justiça Eleitoral e foi substituído pelo então candidato a vice na chapa, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que no mês passado, diante da indefinição do futuro do ex-presidente, foi lançado pelo PT como pré-candidato.

Lula, porém, deu sinais de que não descarta tentar um retorno ao Planalto. Nas últimas semanas, ele afirmou estar "à disposição" para enfrentar o atual chefe do Executivo e falou que poderia colocar seu nome nas urnas caso houvesse "uma razão maior".

Colaborou Carolina Linhares

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