Compra de mansão de R$ 6 milhões por Flávio Bolsonaro tem perguntas sem respostas; saiba mais

Transação levantou questões sobre origem do dinheiro e taxas praticadas no financiamento

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Brasília

A compra de uma mansão por R$ 6 milhões pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), em área nobre de Brasília, levantou questões sobre a origem do dinheiro da transação e as taxas praticadas no financiamento.

A Folha revelou nesta quarta (1º) que Flávio afirmou à Justiça que, além do salário de senador, também tem renda como empresário e advogado para bancar o crédito imobiliário.

A compra da casa foi revelada pelo site O Antagonista no início de 2021. A íntegra da escritura registrada de compra e venda do imóvel detalha a transação, incluindo a renda do casal e as parcelas.

Quando a compra da mansão veio a público, Flávio disse que o dinheiro ganho como empresário permitiu realizar o negócio, mas não fez menção a recursos recebidos como advogado.

Segundo a escritura, o parlamentar financiou R$ 3,1 milhões, liberados pelo BRB (Banco de Brasília), comandado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), um aliado de Jair Bolsonaro (PL). Já a parcela inicial do financiamento equivale a mais da metade da renda declarada do casal.

O negócio foi concretizado às vésperas de Flávio ser beneficiado por uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que anulou as quebras de sigilo bancário e fiscal da investigação conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro do caso das rachadinhas.

O MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) indicou que o dinheiro ganho no esquema serviu para Flávio comprar imóveis no estado.

A compra da mansão foi a 20ª transação imobiliária feita pelo senador nos últimos 16 anos.

O MP-RJ apontou que operações de compra e venda de dois imóveis por Flávio foram usadas para lavagem de dinheiro.

O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro foi acusado de liderar um esquema de rachadinha em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, levado a cabo por meio de 12 funcionários fantasmas de 2007 a 2018, período em que exerceu o mandato de deputado estadual.

Flávio foi denunciado em novembro de 2020 pela Promotoria fluminense sob a acusação dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele nega as acusações. A denúncia foi arquivada pelo Tribunal de Justiça do Rio após o STJ invalidar parte das provas.

Veja perguntas e respostas sobre essa transação:

Quanto o senador Flávio Bolsonaro pagou na mansão? O imóvel foi vendido a Flávio por R$ 5,97 milhões, segundo certidão do 1º Ofício do Registro de Imóveis do DF. Pouco mais da metade (R$ 3,1 milhões) foi financiada pelo BRB (Banco de Brasília). Parte do restante, segundo o vendedor, foi pago por meio de transferências bancárias e uma parte ainda estava pendente quando o caso foi revelado.

Qual o valor da prestação? Segundo o contrato de compra e venda do imóvel, a prestação inicial assumida pelo parlamentar e por sua mulher é de R$ 18.744,16. A escritura foi lavrada em Brazlândia, que fica na periferia do Distrito Federal, a 45 km do centro da capital, mas o registro foi feito no Plano Piloto.

O saldo devedor é corrigido mensalmente pela inflação, por isso, o valor da parcela flutua de acordo com a variação do índice. O sistema escolhido foi o SAC (Sistema de Amortização Constante), com prestações mais altas no início e que diminuem progressivamente. O prazo para a compra do imóvel foi de 360 meses (30 anos).

A renda do casal é compatível com o total financiado? A Folha revelou, com base na escritura do imóvel, que a prestação compromete 50% da renda do casal. Juntos, segundo o documento, eles comprovaram renda de R$ 36.957,68. Ele declarou ganhar R$ 28.307,68 e ela, R$ 8.650.

As rendas, somadas, são menores que a mínima exigida pelo BRB para contratação de financiamento nessas condições. Segundo simulador disponível no site da instituição, nessa linha, o tomador precisaria ganhar pelo menos R$ 46.401,25. A parcela inicial do financiamento imobiliário equivale a mais da metade da renda declarada do casal.

Isso levou a deputada Erika Kokay (PT-DF) a questionar o financiamento na Justiça. Na sua resposta, Flávio disse que além do salário de senador, também tem renda como empresário e advogado. Não há, entretanto, nenhum registro de caso no DF ou no RJ, os estados onde ele pode advogar, no qual Flávio apareça como advogado. Não há também processos em instâncias superiores no qual trabalhe.

Qual a taxa de juros cobrada pelo BRB? De acordo com a escritura, o senador optou pela taxa reduzida de 3,65% ao ano mais inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Na certidão de ônus do imóvel, no entanto, consta apenas a parte fixa dos juros.

Para ter a taxa reduzida, o senador precisou fazer a portabilidade de salário para o BRB e contratar produtos como cheque especial e cartão de crédito. A taxa efetiva, após acréscimo de encargos, é de 3,71%. Caso ele desista dos produtos financeiros da instituição no meio do contrato, ele precisará pagar a "taxa de balcão", que é de 4,75%, disponível para quem não é cliente do banco.

Como foi feito o pagamento ao antigo proprietário do imóvel? A Folha revelou, em março de 2021, que Flávio ainda devia naquele mês R$ 1,8 milhão pelo imóvel, apesar de a escritura dizer que o vendedor teria recebido o valor integral da entrada. Primeiro, o empresário Juscelino Sarkis, da RVA Construções e Incorporações –empresa que vendeu o imóvel–, disse que Flávio fez duas transferências para pagamento da entrada.

Depois, em nota, a empresa afirmou que foram três transferências no total de R$ 4,2 milhões. Apesar dos valores pendentes, a transação do imóvel foi registrada em cartório.

Na escritura registrada, é informado que "o(s) outorgante(s) vendedor(es) declara(m) já haver recebido do(s) outorgado(s) comprador(es) e devedor(es) fiduciante(s) o valor relativo à parcela dos recursos próprios".

O imóvel está no nome de quem? A mansão está no nome do senador e de sua mulher, a dentista Fernanda Bolsonaro. Eles são casados em regime de comunhão parcial de bens.

Qual a origem do dinheiro? O senador argumentou ter usado recursos próprios na transação, decorrentes da venda de um imóvel na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e de uma franquia para pagar a entrada da mansão. "Eu vendi um imóvel que eu tinha no Rio de Janeiro, vendi uma franquia que eu também possuía no Rio de Janeiro e dei entrada em uma casa aqui em Brasília", afirmou, referindo ao imóvel da Barra e à franquia de uma loja de chocolates que tinha em shopping da capital fluminense.

Agora, Flávio diz que também usou recursos obtidos de trabalho como advogado, como revelou a Folha.

Onde fica a mansão? O imóvel fica no Setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul, bairro nobre da capital federal. Ela tem 1.100 m² de área construída, em um terreno de 2.500 m².

O conteúdo do anúncio de venda do imóvel à época descrevia a mansão. Um trecho dizia: "No piso superior, sala e copas íntimas, uma brinquedoteca, quatro suítes amplas, sendo a máster com hidromassagem para o casal, closet e academia." "Na área externa, piscina e spa com aquecimento solar, iluminação em led e deck, banheiros do espaço gourmet, depósito, quatro vagas de garagem cobertas e mais quatro descobertas."

A mansão em Brasília é o 20º imóvel que Flávio adquire num intervalo de 16 anos —considerando um andar com 12 salas comerciais de que foi proprietário. A intensa atividade imobiliária do senador foi revelada pela Folha em 2018.

Na denúncia oferecida contra o senador no caso das rachadinhas, o Ministério Público do Rio de Janeiro apontou que as operações de compra e venda de dois imóveis foram usadas para lavagem de dinheiro.

Erramos: o texto foi alterado

Versão inicial do texto afirmou incorretamente que o registro da transação foi no cartório de Brazlândia. A escritura foi lavrada na localidade, mas o registro ocorreu no Plano Piloto de Brasília.
 

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