Folha cobriu Lava Jato com olhar crítico ao longo de 7 anos da operação

Reportagens mostraram erros e contradições da força-tarefa dissolvida em fevereiro

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São Paulo

Iniciada em março de 2014, a Operação Lava Jato teve sua dissolução anunciada por um grupo de procuradores no último dia 3 de fevereiro. Foi o epílogo da mais célebre e controversa força-tarefa da história da Justiça brasileira.

Ao longo desses sete anos, a Folha acompanhou as 79 fases deflagradas pela Lava Jato, que resultaram em 174 réus condenados, registrou as etapas e deu voz ao outro lado.

Sérgio Moro ao deixar o ministério da Justiça do governo Bolsonaro em abril de 2020 - Ueslei Marcelino/Reuters

Em meio a esse acompanhamento, o jornal manteve uma postura crítica em relação à força-tarefa, como preconiza o Projeto Folha. A independência na cobertura dos Poderes Executivo e Legislativo se estende, obviamente, às ações do Judiciário.

Os repórteres do jornal expuseram as principais descobertas das investigações da Lava Jato, mas também revelaram erros e questionamentos na condução das operações, apresentando bastidores indecorosos e claras contradições, e ouvindo especialistas que discordavam do modo como as apurações eram encaminhadas.

Uma seleção de 65 textos publicados de 2014 a 2020 evidencia essa visão crítica presente nas reportagens. Parte significativa desses textos recebeu destaque nas versões online e impressa da Folha.

A lista está dividida em seis blocos: 1) ações de Sergio Moro, o juiz responsável pelas decisões dos processos da Lava Jato que, depois de ser alçado ao status de estrela da Justiça, tornou-se ministro do governo Jair Bolsonaro; 2) ações de Deltan Dallagnol, o procurador que coordenou a força-tarefa; 3) o modus operandi do conjunto da Lava Jato, com o excesso de prisões preventivas e a engrenagem dos vazamentos, entre outros procedimentos.

E ainda: 4) as delações, algumas colocadas em xeque; 5) o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi preso em abril de 2018 no âmbito da Lava Jato; 6) o frágil acordo do ex-ministro Antonio Palocci com a Polícia Federal.

1 - Sergio Moro

Ainda em 2014, oito meses depois do início da operação, a Folha destacou os questionamentos do ministro do STF Teori Zavascki (1948-2017) enviados a Moro. Zavascki queria saber o que havia levado o juiz de Curitiba a omitir a presença de deputados federais ligados ao doleiro Alberto Youssef nas investigações. Caso os nomes de políticos viessem à tona, o caso poderia ser remetido ao STF.

O jornal também ouviu professores e advogados criminalistas críticos à suspensão do sigilo de grampo no episódio da conversa telefônica entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff, em março de 2016. No diálogo, ela diz que encaminhará a ele o "termo de posse" de ministro.

Ainda sobre esse grampo, reportagem da Folha feita com The Intercept Brasil a partir de mensagens trocadas pelos procuradores obtidas pelo site mostrou que o procedimento adotado por Moro no caso da divulgação dessa conversa de Lula e Dilma foi diferente do observado em outras situações semelhantes.

O primeiro texto fruto dessa parceria foi publicado em 23 de junho de 2019. Nos meses seguintes, foram mais 23 reportagens assinadas por Folha e Intercept.

Também resultado da parceria, reportagem revelou que Moro interferiu nas negociações das delações de dois executivos da construtora Camargo Corrêa. A legislação determina que os juízes se mantenham distantes das conversas com colaboradores.

Deltan sentado numa mesa de escritório
O procurador e ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol - Divulgação MPF/PR

2 - Deltan Dallagnol

Mensagens trocadas pelos procuradores, obtidas pelo Intercept e examinadas pela Folha e pelo site, revelaram que Deltan tinha preparado um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama da ação anticorrupção.

Também trouxeram à tona que ele havia incentivado colegas em Brasília e Curitiba a investigar o ministro do STF Dias Toffoli sigilosamente.

Assim como Moro, Deltan recebia auxílio-moradia mesmo tendo imóvel próprio em sua cidade, Curitiba, mostrou o jornal.

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O doleiro Alberto Youssef fala na CPI dos Fundos de Pensão, na Câmara dos Deputados, em 2015 - Alan Marques/Folhapress

3 - Modus operandi

Segundo texto publicado pouco mais de um ano depois do início da operação, os procuradores da Lava Jato demonstraram desinteresse em realizar uma audiência para confrontar o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. A acareação poderia ajudar a esclarecer as contradições existentes entre seus testemunhos sobre o esquema de corrupção na estatal.

Reportagens também levantaram questionamentos sobre a atuação do juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio.

De acordo com mensagens obtidas pelo Intercept e avaliadas pela Folha e pelo site, a Lava Jato buscou informações da Receita Federal sem requisição formal e favoreceu jornalistas aliados a fim de conquistar simpatia da opinião pública.

​4 - Delações e acordos

Não foram poucos os questionamentos em relação ao modo como a força-tarefa tratava as delações premiadas, acordos firmados com o Ministério Público e a Polícia Federal quando o réu se compromete a colaborar com as investigações em troca de benefícios.

Em entrevista à Folha, o procurador Celso Antonio Três criticou a Lava Jato, afirmando que a divulgação das delações, tal como era feita pela operação, "derrete o mundo político, o Estado, dilapida a economia, os investimentos e os empregos".

Outra reportagem mostrou que o rigor das penas aplicadas pela Lava Jato em Curitiba e no Rio tinham sido maior para políticos e ex-funcionários públicos corruptos do que para os empresários que pagaram propina.

Movimentação de policiais em frente ao prédio de Lula em São Bernardo do Campo em março de 2016, quando o ex-presidente foi alvo de condução coercitiva - Zanone Fraissat/Folhapress

5 - Caso Lula

Ponto mais controverso da 24ª fase da Lava Jato, a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi criticada por advogados e especialistas, conforme texto da Folha publicado em 5 de março de 2016, um dia depois da operação na casa do líder petista.

O jornal mostrou também que uma das denúncias da força-tarefa contra Lula continha uma informação que só aparecia no esboço da delação do empresário Léo Pinheiro, sócio da OAS, e essa delação havia sido recusada pela Procuradoria-Geral da República.

Em uma série de reportagens, a Folha deixou claro que havia um ritmo célere (e atípico) no julgamento das ações envolvendo o ex-presidente no TRF-4 (Tribunal Regional Eleitoral da 4ª Região).

6 - Relatos de Palocci

Reportagem apresentou as contradições do ex-ministro Antonio Palocci em depoimentos à Justiça sobre o acordo de Lula com a construtora Odebrecht.

Mensagens trocadas pelos procuradores, obtidas pelo Intercept e examinadas pela Folha e pelo site, revelaram que Moro tinha dúvidas sobre as provas apresentadas por Palocci, o que não o impediu de divulgar parte da delação do ex-ministro a seis dias do primeiro turno da eleição presidencial de 2018.

Como se sabe, Jair Bolsonaro venceu a disputa pelo Planalto e convidou Moro para ser seu ministro da Justiça, cargo ocupado pelo ex-juiz de janeiro de 2019 a abril de 2020, quando saiu do governo acusando o presidente de tentativa de interferir na PF.

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