'Guerra de vídeos' prenuncia tom eleitoral de 2022, dizem especialistas em campanha

Para profissionais de marketing político, filmes curtos como 'Custo Bolsonaro' e 'Bolsocaro' ganharão espaço

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São Paulo

Depois da eleição dos disparos em massa de WhatsApp, em 2018, o que marcará a do ano que vem?

Uma série de vídeos curtos que começaram a circular no início do mês em redes sociais e aplicativos de mensagens dá pistas de qual será a cara do pleito de 2022.

Imagem do vídeo "Custo Bolsonaro", que circula em redes sociais - Reprodução

Os dois primeiros filmetes, que surgiram quase simultaneamente, criticam o governo Jair Bolsonaro no aspecto econômico, embora com abordagens específicas.

Com 1min26s de duração, “Custo Bolsonaro” lista fatos como a intervenção na Petrobras, a fuga de investidores estrangeiros e os conflitos com parceiros comerciais como provas de que o comportamento errático do presidente prejudica o desempenho macroeconômico do país.

Seu foco são a classe média e os "Faria Limers" desiludidos com o presidente.

O outro, “Bolsocaro”, com 1min14s, é povão puro. Copiando o formato dos anúncios televisivos de supermercado, ironiza o aumento de produtos alimentícios e a disparada dos combustíveis, por exemplo.

Ambos geraram uma reação imediata dos bolsonaristas. Um videorresposta de 2min10s diz que o tal “custo Bolsonaro”, na verdade, é o de alguém que acabou com a corrupção nas estatais, por exemplo.

Em seguida, surgiu mais uma produção contrária ao presidente, um vídeo de 1 minuto de duração que fala do agravamento da pandemia. “No tempo que você gastar para ver esse vídeo, mais um brasileiro morrerá de Covid”, diz o locutor, com um som de tique-taque de relógio ao fundo.

Em comum, os vídeos têm o anonimato de seus autores, o formato facilmente compartilhável e a linguagem irreverente, própria dos memes.

Segundo especialistas em marketing digital, “Custo Bolsonaro” e “Bolsocaro” podem ser considerados uma evolução dos cards, figuras digitais que circulam pelas redes sociais contendo uma mensagem simples, visualmente chamativa e impactante.

Eles usam ainda o “storytelling”, como é chamado o recurso de transmitir uma mensagem unindo efeitos audiovisuais e palavras num roteiro com começo, meio e fim.

Para pessoas com experiência em campanhas ouvidas pela Folha, a “guerra dos vídeos” tem tudo para ser um fenômeno na eleição do ano que vem.

Maurício Moura, fundador da Ideia Big Data e coautor de “A Eleição Disruptiva”, sobre a campanha de 2018, diz que os vídeos contrários ao presidente se destacam mais pelo tema escolhido, a economia, do que pelo formato.

“É a primeira vez que vejo uma narrativa nas redes atacando a economia. Deixa de priorizar a questão da família do Bolsonaro, as barbaridades que ele fala, e vai no ponto central, o bolso. Na pandemia, o presidente terceirizou a responsabilidade para os governadores, mas na economia ele não tem como fazer isso”, afirma Moura, pesquisador da Universidade George Washington (EUA).

Ele aposta que em 2022 o uso das redes sociais estará mais diluído do que na última eleição, com um domínio um pouco menor do WhatsApp. Isso acontece, segundo Moura, por causa de políticas mais restritivas de disparos em massa e pela maior relevância de redes como TikTok e Instagram.

Ambas, com grande adesão entre o público jovem, são habitats para vídeos curtos, bem produzidos e bem-humorados.

Os autores dos vídeos anti-Bolsonaro não querem aparecer, alegando medo de perseguição. “Bolsocaro” é obra de um grupo de designers de São Paulo que prefere ficar no anonimato e também fez alguns cartazes de rua.

Imagem do vídeo "Bolsocaro", falando sobre o preço do gás de cozinha - Reprodução

Os apoiadores do presidente largaram atrás, mas já tentam recuperar terreno.

Para Sergio Lima, publicitário próximo ao presidente e um dos articuladores da criação do partido Aliança pelo Brasil, vídeos curtos e sem rodeios devem ser usados por todos os lados em 2022, da esquerda à direita.

“Hoje, a quantidade de conteúdo produzido nas redes sociais é muito grande, assim como o volume de cards que circulam. Esses vídeos são uma alternativa de transferência de informação muito mais eficiente. Serão muito utilizados por todo mundo na campanha de 2022, porque funcionam bastante. Isso se a legislação não puser algum limite.”

Uma característica dos vídeos é a baixa exigência técnica para serem produzidos, sem necessidade de softwares muito sofisticados ou grandes orçamentos e equipes. O ponto central, dizem os profissionais consultados pela Folha, é mesmo a criatividade do roteiro.

“Tem um combo de coisas boas nesses vídeos. São fáceis de compartilhar, entram num debate de vida real, para além de dizer que Bolsonaro é fascista, e conseguem fazer isso com bom humor, que é a fórmula viral na internet”, diz Otavio Antunes, responsável pelo marketing de campanhas do PT, inclusive a de Fernando Haddad a presidente, em 2018.

Para ele, “Bolsocaro” é a principal campanha feita nos últimos tempos contra o presidente. “Ela faz sentido para quem compra gás, por exemplo. Tem uma estética de varejo, que as pessoas estão acostumadas a ver em parede de supermercado”, diz.

O fato de ser um vídeo leve em termos de consumo de dados, afirma Antunes, é um dos segredos para sua grande disseminação. “No Brasil a maior parte das pessoas tem internet pré-paga. Vídeos leves com bom humor circulam muito fácil.”

Por sua natureza descentralizada, é impossível saber quantas pessoas viram os vídeos, mas o publicitário aponta um termômetro. “Hoje no WhatsApp há limite de compartilhamento. Eu recebi de muitas pessoas e só conseguia enviar mais uma vez, ou nenhuma, sinal de que já tinham sido muito compartilhados.”

Responsável por gerenciar centenas de grupos de WhatsApp pró-Bolsonaro em 2018, Carlos Nacli diz que vídeos terão grande efeito na próxima campanha.

“Certamente irão chamar atenção e incomodar muito”, diz ele, que se desiludiu com o atual presidente e hoje organiza uma estrutura virtual em apoio à possível candidatura do ex-juiz Sergio Moro.

“Na minha experiência com o WhatsApp, o humor bem feito e os banners impactantes são os que mais viralizam”, afirma.

Para ele, o WhatsApp seguirá tendo papel decisivo em 2022, mas será preciso mais cuidado do que em 2018.

“Tanto usuário como administrador podem ser processados por espalhar fake news. O momento não é de radicalismo. O melhor caminho é defender seu ponto de vista e atacar os adversários com inteligência usando humor e explorando contradições”, afirma.

Ele nega que tenha havido compartilhamento de notícias falsas nos grupos que administrou em 2018.

Para Beto Vasques, que foi coordenador da área de inteligência da campanha de Guilherme Boulos (PSOL) para prefeito de São Paulo no ano passado, um mérito dos vídeos anti-Bolsonaro foi traduzir temas áridos da política em peças agradáveis.

“Tem que transformar política em uma linguagem sexy e pop. A gente vive num mundo da economia da atenção, reter o interesse por mais de seis segundos é difícil. Para segurar durante 1 minuto e meio, então, tem de ser muito bom”, afirma.

Vasques concorda que vídeos serão uma característica da eleição de 2022, mas ressalva que, quando associados a campanhas, não podem ser anônimos, o que é parte de seu apelo.

“O anonimato permite um grau de engajamento de influenciadores mais transversal. Se um desses vídeos estivesse assinado por Lula, ou Boulos, por exemplo, muita gente não ia querer se associar ou compartilhar”, afirma.

Mas o maior risco é o formato se banalizar até a campanha. “De repente todo mundo faz igual e perde a graça”, diz.

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