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Imóvel que Flávio Bolsonaro diz ter vendido para comprar mansão sofreu cobrança de 'lei do puxadinho'

Senador tenta reverter na Justiça notificação da prefeitura exigindo R$ 90 mil por fechamento de varanda

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Rio de Janeiro

O imóvel que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) diz ter vendido para conseguir dar entrada na compra de sua mansão em Brasília é pivô de uma disputa judicial com a Prefeitura do Rio de Janeiro por uma cobrança gerada pela “lei dos puxadinhos”.

O município exigiu em 2016 a cobrança de R$ 90 mil para que o senador regularizasse o fechamento da varanda do apartamento, localizado na orla da Barra da Tijuca. Flávio recorreu à Justiça para reverter a decisão em processo ainda em andamento.

O senador afirma que, com o dinheiro da venda deste imóvel, obteve os recursos para pagar a entrada na mansão comprada neste ano em Brasília, avaliada em R$ 6 milhões.

Não há informações sobre as condições do negócio fechado no Rio de Janeiro porque a transação ainda não foi informada ao Registro de Imóveis —a responsabilidade é do comprador e não há prazo para fazer o registro.

O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro é acusado de liderar um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, levado a cabo por meio de 12 funcionários fantasmas entre 2007 e 2018, período em que exerceu o mandato de deputado estadual.

Flávio foi denunciado em novembro de 2020 pela Promotoria fluminense sob a acusação dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele nega as acusações.

A escritura pública da compra da mansão do senador, por R$ 6 milhões, mostra que a parcela inicial do financiamento imobiliário equivale a mais da metade da renda declarada do casal.

Segundo o contrato de compra e venda, ao qual a Folha teve acesso, a prestação assumida pelo parlamentar e por sua mulher, a dentista Fernanda Bolsonaro, é de R$ 18.744,16.

Juntos, segundo o documento registrado em Brazlândia (a 45 km de Brasília), eles comprovaram renda de R$ 36.957,68. Ele declarou ganhar R$ 28.307,68 e ela, R$ 8.650.

As rendas, somadas, são menores que a mínima exigida pelo BRB (Banco de Brasília) para contratação de financiamento nessas condições. Segundo simulador disponível no site da instituição, nessa linha, o tomador precisaria ganhar pelo menos R$ 46.401,25.

A instituição financeira é controlada pelo governo do Distrito Federal, comandado por Ibaneis Rocha (MDB), um aliado de Jair Bolsonaro (sem partido). De acordo com o site do Senado, o salário líquido do parlamentar é de R$ 24.906,62.

Na compra da casa, localizada no Lago Sul, região nobre de Brasília, o casal financiou R$ 3,1 milhões, e o prazo para a compra do imóvel foi de 360 meses (30 anos).

Já o apartamento na Barra, adquirido em 2014 por R$ 2,5 milhão (sendo R$ 1,07 milhão financiados), foi indicado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como o principal bem a ser perdido pelo senador em caso de condenação no caso da “rachadinha”.

Os investigadores afirmam que ele foi adquirido com recursos do esquema —parte das prestações foram pagas após depósitos em espécie na conta do senador sem origem identificada. Não houve, porém, bloqueio do imóvel, sendo legal a transação relatada pelo senador.

A pendência desse apartamento na prefeitura começou após o senador decidir fechar com placas de vidro a varanda do imóvel --prática comum no Rio de Janeiro. À Justiça Flávio afirmou que a intervenção tinha como objetivo evitar “fatores externos indesejados”.

“Por residir em prédio localizado na orla, fica sujeito ao enfrentamento de intempéries climáticas, tais como: chuvas, maresia e ventanias frequentes, além da indesejável presença de insetos, aves e outros componentes externos que vinham danificando seu imóvel”, disse o senador.

Após a intervenção, a defesa de Flávio disse à Justiça que foi notificado para regularizá-la. A prefeitura exige licença para que a medida seja tomada.

O senador recorreu então à chamada “lei dos puxadinhos” de 2015, legislação que de tempos em tempos é editada no Rio de Janeiro para a legalização de acréscimos feitos sem licença na cidade. Ela costuma ser editada para que o município tenha uma injeção de recursos extras em caixa.

Após enviar a solicitação à Secretaria de Urbanismo, a pasta estabeleceu em R$ 90 mil a cobrança pela regularização. Flávio se insurgiu contra o valor e, após tentar as vias administrativas, buscou a Justiça em 2019.

Ele alegou que a intervenção não resultou em aumento de área construída. Além disso, afirmou que os vidros instalados no apartamento eram móveis, como janelas, o que o assemelha às cortinas de vidro autorizadas pelo município.

A prefeitura discordou dos argumentos apresentados pelo senador. Ela entendeu que “houve acréscimo de área aos cômodos existentes ao se transformar a varanda em um novo cômodo habitável”.

A Justiça determinou que fosse feito um laudo, por um perito, para que se identificasse a regularidade da obra ou não. Os advogados do filho do presidente, porém, passaram a questionar o valor cobrado pelo estudo: R$ 9.000. O valor acabou ficando em R$ 7.111.

A pendência não impede a venda do imóvel relatada pelo senador.

O filho mais velho do presidente Bolsonaro é acusado de liderar um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, levado a cabo por meio de 12 funcionários fantasmas de 2007 a 2018, período em que Fabrício Queiroz, amigo do presidente Bolsonaro e suposto operador financeiro do esquema, esteve lotado em seu antigo gabinete de deputado estadual.

De acordo com o MP-RJ, foram desviados dos cofres públicos R$ 6,1 milhões, dos quais para R$ 2,08 milhões há comprovação de repasse para Queiroz. Outros R$ 2,15 milhões foram sacados das contas de supostos “funcionários fantasmas”, recursos que os promotores afirmam terem sido disponibilizados para a suposta organização criminosa.

Flávio nega as acusações. Sua defesa afirma que a denúncia tem “erros bizarros”.

"Dentre vícios processuais e erros de narrativa e matemáticos, a tese acusatória forjada contra o senador Bolsonaro se mostra inviável, porque desprovida de qualquer indício de prova. Não passa de uma crônica macabra e mal engendrada", declararam os advogados de Flávio quando a denúncia foi oferecida.

No final do mês passado, a Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu anular a decisão que autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Flávio e demais investigados. Por 4 a 1, a maioria entendeu que o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, não justificou a necessidade da medida.

A corte determinou que as provas decorrentes da quebra de sigilo sejam retiradas da acusação, o que esvazia por completo a denúncia do MP-RJ.

Caso a decisão seja mantida, a tendência é que a denúncia seja arquivada, para abertura de uma nova investigação, que precisará de novo pedido de quebra de sigilo. O MP-RJ ainda estuda se vai recorrer do acórdão da Quinta Turma.

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