Descrição de chapéu Folhajus

Ministério Público teme ofensiva de centrão e Bolsonaro contra Lei de Improbidade Administrativa

Na Câmara, discussão envolve ainda mudanças em relação à lavagem de dinheiro e à proteção de dados penais

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Brasília

Integrantes do Ministério Público temem que o fortalecimento do centrão com a ascensão de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara dê força ao projeto que afrouxa a Lei de Improbidade Administrativa e a outras propostas que podem limitar significativamente o trabalho dos órgãos de controle.

Entre as matérias com potencial para impactar o trabalho do Ministério Público, a ideia de dificultar a imposição de punição a gestores públicos é a que está mais avançada no Legislativo. Deputados se articulam para aprovar nas próximas semanas o regime de urgência ao projeto, o que permite uma tramitação mais rápida do texto.

Em um sinal de que o alinhamento entre Palácio do Planalto e Congresso vai além da pauta econômica, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) também defendeu que o Legislativo faça mudanças nessa lei, a de Improbidade Administrativa.

Na semana passada, o chefe do Executivo disse que algumas leis anticorrupção “engessam” prefeitos e defendeu atualizar a legislação que prevê punição a gestores públicos.

Em transmissão pela internet no mesmo dia, Lira seguiu a mesma linha e afirmou que a lei precisa ser revista. “Isso, é claro, com muita tranquilidade também.”

Na Câmara, a relatoria do projeto de improbidade está a cargo do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). O texto, de autoria do deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), é fruto do trabalho de uma comissão de juristas formada pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A coordenação coube ao ministro Mauro Campbell, do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O relatório do deputado foi apresentado em outubro do ano passado. “A revisão da lei é muito importante, porque o número de processos que os promotores fazem contra administradores públicos, principalmente no nível das prefeituras, é gigantesco.”

“Na prática, a maioria das vezes sem motivos fundamentados, sem ter a ver com atos de desonestidade.”

A lei prevê tipificações por enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público e atos que atentam contra os princípios da administração pública.

Zarattini afirma que a ideia é restringir o enquadramento por improbidade a atos dolosos, ou seja, a situações em que esteja configurada a intenção de fazer mau uso do recurso público. "Mesmo quando causar um prejuízo à administração pública, tem que se comprovar o dolo.”

​Em meio à pandemia do coronavírus, por exemplo, os prefeitos que compraram respiradores com preço muito superior ao de mercado só responderiam por improbidade se ficar comprovada a intenção de causar danos ao erário ou provocar prejuízo.

Outra mudança envolve a tramitação do processo. “Primeiro o Ministério Público tem que apresentar a denúncia, tem que ter comprovação. A gente colocou um prazo para isso, de 180 dias para apresentar a comprovação, prorrogáveis por mais 180 dias, a critério do juiz."

Inicialmente, o prazo de prescrição dos processos havia sido acordado em cinco anos. Zarattini pretende ampliar para dez anos. Para o relator, as críticas de que as mudanças fragilizariam o combate à corrupção não são corretas.

“Nós estamos focando a lei. A lei, hoje, permite uma série de desmandos de promotores, cria o chamado apagão da caneta, porque ordenadores de despesa têm medo de fazer o seu trabalho, preocupados se vão ou não ser acusados”, afirma.

O temor de integrantes do Ministério Público também abrange mudanças relacionadas à lei de lavagem de dinheiro e à criação de uma legislação de proteção de dados penais.

O que assusta integrantes do Ministério Público é o fortalecimento do centrão e o alinhamento da cúpula da Câmara com o Planalto.

A tentativa de aprovar a toque de caixa uma proposta de emenda à Constituição que aumentaria a proteção a mandatos de senadores e deputados é apontada como uma prova de que Lira não terá medo em pautar temas polêmicos —apesar de ter fracassado no caso da PEC da imunidade parlamentar.

Eles citam como outros motivos do receio os processos contra o líder do centrão e as críticas de Bolsonaro aos poderes de investigação de órgãos de controle devido à apuração contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho.

A discussão dos dois temas está em fase mais embrionária, mas ministros e parlamentares afirmam reservadamente que a intenção da cúpula do Congresso é acelerar a tramitação das matérias neste ano para evitar debates polêmicos em 2022, ano eleitoral.

Após vencer o tema da improbidade, a ideia é acelerar os outros dois projetos. O de lavagem está em debate em um grupo da Câmara composto por advogados, membros do Judiciário e do Ministério Público.

A discussão começou ano passado e audiências públicas expuseram a divisão sobre o tema.

Incentivado por parlamentares, advogados defenderam que o crime deve deixar de ser autônomo, o que significa dizer que a Justiça só teria poder de condenar alguém por lavagem caso já tenha dado uma condenação por outro crime antecedente, como corrupção.

Na visão de promotores e procuradores, a medida limitaria a punição aos chamados crimes de colarinho branco. Associações de juízes e de representantes do MP afirmaram na Câmara que a mudança representaria um retrocesso.

Nos bastidores, porém, uma ala do parlamento defende que as alterações são necessárias.

O mesmo ocorre em relação à criação de uma lei de proteção de dados para investigações criminais. O assunto ganhou força após o STF discutir o compartilhamento de dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) com o Ministério Público sem autorização judicial.

O tema surgiu devido à investigação contra o Flávio Bolsonaro, alvo de um relatório do Coaf que apontou movimentação atípica em sua conta bancária, supostamente oriunda da prática da “rachadinha”.

O ministro Dias Toffoli chegou a dar um despacho vetando a transferência de dados entre os órgãos, mas o plenário da corte derrubou a decisão e autorizou o compartilhamento.

Depois disso, porém, ganhou força a discussão sobre o Congresso impor regras para troca de informações entre órgãos de controle que não contam com a anuência da Justiça, pois muitas vezes envo lvem dados sigilosos de investigados.

O temor de integrantes do Ministério Público, porém, é que a discussão seja usada para restringir demais a atuação dos órgãos de investigação.

Promotores e procuradores afirmam que a medida pode botar em risco até o Disque 100, que recebe denúncias e serve de proteção a crianças e adolescentes.

Isso porque, uma ideia que surgiu com força é impor a necessidade de autorização judicial para todo e qualquer tipo de compartilhamento de informação. Assim, as denúncias demorariam a ser repassadas à polícia, pois dependeriam do despacho de um juiz.

Houve críticas às propostas para amenizar a legislação e as divergências dentro do colegiado reduziram o ritmo de discussões.

O anteprojeto de lei sobre proteção de dados pessoais com fins de segurança pública também teve reação negativa de policiais, que avaliaram que poderia travar investigações.

O texto, que será relatado por um deputado e tramitará como projeto de lei, tenta definir princípios e limites para o acesso a informações eletrônicas e para o uso de dados pelas forças de segurança pública e por setores da inteligência. A intenção é estabelecer como poderão ser usados em investigações e processos criminais.

O controle desses dados pessoais em investigações poderia ficar a cargo do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em vez de ser centralizado pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados).

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