Mudanças de discurso e de ministro não melhoram imagem de Bolsonaro nas redes sociais

Segundo estudo, a adoção de retórica pró-vacina e a alteração do comando da Saúde foram insuficientes para arrefecer críticas

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Brasília

A adoção de uma retórica pró-vacina e a mudança do titular do Ministério da Saúde não foram suficientes para melhorar a imagem dos presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas redes sociais diante da escalada de mortes pelo coronavírus.

Segundo estudo feito pela empresa de análise de dados Arquimedes, a tentativa do presidente de melhorar a avaliação do governo nos canais digitais, que são usados como uma bússola que orienta as medidas da gestão federal, não surtiu até o momento o efeito desejado pelo Palácio do Planalto.

A análise, feita a pedido da Folha, aponta que a defesa ao presidente no combate à doença tem se resumido apenas aos perfis de eleitores cativos e não tem conseguido ganhar capilaridade em públicos que, vez ou outra, se alinham ao governo, como os lava-jatistas e os liberais.

Os dois tipos de perfis, pelo contrário, têm adotado um discurso mais próximo ao de opositores do presidente. Eles responsabilizam o governo federal tanto pela gravidade da pandemia como pela piora na atividade econômica.

"A retórica de Bolsonaro que poderia ser recebida de maneira positiva por um grupo expandido de perfis nas redes sociais tem produzido um impacto efêmero, porque, na sequência, o presidente tem feito declarações polêmicas", explica Pedro Bruzzi, analista e sócio da Arquimedes.

Como a Folha antecipou no início do mês, com a queda nos índices de popularidade e o aumento das críticas na redes sociais, o presidente adotou estratégia de recuperação de imagem apelidada de "Plano Vacina".

Sob pressão de empresários e deputados, Bolsonaro passou a defender o imunizante e anunciou a saída do general Eduardo Pazuello da Saúde.

Como parte do plano de marketing, o governo federal pretende lançar até o início de abril uma campanha nacional de vacinação em cadeia nacional de televisão e rádio.

A peça publicitária irá estimular a população a se informar sobre a imunização de sua faixa etária e deve explorar a imagem do Zé Gotinha.

Em paralelo, o presidente passou a usar máscara de proteção em público, o que vinha resistindo a fazer, e irá se vacinar no próximo mês, para quando está programada a imunização de sua faixa etária.

A ideia é que ele seja vacinado pelo novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga —que ainda não tomou posse—, e receba uma dose da AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fiocruz.

Apesar da mudança de postura, que já tem ocorrido há mais de duas semanas, as críticas ao presidente nas redes sociais não sofreram redução significativa.

A análise da Arquimedes aponta que o discurso pró-vacina teve um impacto positivo inicial, mas que logo se dissipou quando passou a ser associado a uma motivação eleitoral relacionada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Provável adversário de Bolsonaro na sucessão eleitoral de 2022, Lula defendeu a vacinação contra o coronavírus e a utilização de máscara em discurso público após decisão do ministro Edson Fachin, do STF, ter anulado condenações contra ele no âmbito da Operação Lava Jato. A medida o tornou elegível.

O estudo mostra ainda que, em um primeiro momento, a saída de Pazuello da Saúde teve um impacto positivo para a imagem do governo nas redes sociais. Antes da confirmação da mudança na pasta, as menções negativas ao general eram de 71,5%, enquanto 28,5% se posicionavam a favor dele.

Com o anúncio do nome do cardiologista Marcelo Queiroga como novo ministro da Saúde, as menções favoráveis ao médico chegaram a 41,5%.

Nos dias seguintes, no entanto, o efeito positivo se dissipou e as posições favoráveis a Queiroga caíram para 18%. Segundo a análise, a redução se deu após o novo ministro ter afirmado que foi convocado para dar continuidade ao trabalho de Pazuello.

"A base de apoio do governo no debate digital segue se isolando cada vez mais. Lava-jatistas e liberais não mais o apoiam e, mais do que isso, o responsabilizam pela situação gravíssima da pandemia e da economia", diz Bruzzi.

A análise mostra ainda que a adesão do eleitorado cativo do presidente ao discurso pró-vacina foi gradual. Assim como o presidente, que criticava inicialmente a Coronavac, os perfis bolsonaristas encampavam retórica contrária à vacina até o final de janeiro.

O estudo mostra que o termo "vachina", que se refere ao fato do imunizante ter sido desenvolvido por uma farmacêutica chinesa, foi utilizado mais de um milhão de vezes na rede social Twitter entre outubro e janeiro.

Com a evolução da vacinação em todo o país, que utilizou o imunizante produzido no Brasil pelo Instituto Butantan, houve uma queda considerável no número de referências ao termo "vachina". As menções caíram a 135 mil de fevereiro até a semana passada.

A análise mostra ainda que, além de reduzirem os ataques à Coronavac, os perfis de eleitores cativos passaram a defender recentemente a AstraZeneca, vacina produzida no Brasil pela Fiocruz. Ainda assim, as contas bolsonaristas seguem pregando o consumo de medicamentos cuja eficácia contra a doença não é comprovada cientificamente.

"Eu devo mudar meu discurso? Eu devo me tornar mais maleável? Eu devo ceder? Fazer igual a grande maioria está fazendo? Se me convencerem do contrário, faço, mas não me convenceram ainda. Devemos lutar é contra o vírus, e não contra o presidente", disse Bolsonaro nesta segunda-feira (22).

O estudo da Arquimedes também observou que uma das críticas encampadas pelo presidente conseguiu ultrapassar o núcleo duro de apoio ao governo nas redes sociais e ganhou adesão de perfis considerados moderados: a oposição a medidas restritivas por governos municipais e estaduais, que estão sendo genericamente chamadas de lockdown.

Bruzzi explica que, pela análise feita pela empresa, o apoio fora do eleitorado bolsonarista não se deve à descrença em relação ao perigo da doença, que já matou mais de 295 mil pessoas no país, mas a uma falta de alternativa financeira que assegure a manutenção da renda familiar.

"O discurso contra o lockdown já ultrapassa a base bolsonarista por uma falta de alternativa, já que a maioria das pessoas não tem poupança suficiente para um período de paralisação da atividade econômica, como a ocorrida no ano passado", observa.

Para o analista, a dificuldade de Bolsonaro em reduzir o desgaste de imagem nas redes sociais se deve pela contradição da retórica presidencial em relação à vacinação e pela falta de medidas concretas do Ministério da Saúde, que tem encontrado dificuldades em importar doses de imunizantes.

"Há uma dificuldade de compreensão sobre por que o presidente era contra a vacina e, da noite para o dia, virou a chave e agora a apoia. E há também um descrédito, porque não conseguiram fechar contratos suficientes para importar um volume de vacinas suficiente para imunizar a população", afirmou.

O estudo aponta também que, apesar da imagem negativa nas rede sociais, o presidente tem conseguido manter um crescimento estável de seu número de seguidores nos últimos meses. A análise observa, contudo, que enquanto Bolsonaro teve a adesão de 690 mil pessoas no Twitter nos últimos seis meses, Lula teve um crescimento de 930 mil.

O vaivém das redes sociais

Percentual de críticas ao ministro da Saúde no Twitter:

  • Antes do anúncio do novo ministro: Eduardo Pazuello (71,5%)
  • Anúncio do novo ministro: ​ Marcelo Queiroga (58,5%)
  • Declaração de continuidade dada por Marcelo Queiroga (82%)​

Evolução das menções à Coronavac como "vachina" (Twitter):

  • 10 de outubro - 4.332
  • 10 de novembro - 28.463
  • 10 de dezembro - 10.080
  • 10 de janeiro - 5.876
  • 10 de fevereiro - 1.859

Novos seguidores no Twitter, Instagram e Facebook, nos últimos seis meses:

  • Bolsonaro - 690 mil
  • Lula - 930 mil

Fonte: Arquimedes

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