O projeto de resolução que determina a suspensão por 119 dias do deputado estadual Fernando Cury (Cidadania) como punição por ter apalpado a deputada estadual Isa Penna (PSOL) foi protocolado nesta terça-feira (23) na Assembleia Legislativa de São Paulo, que agora irá analisar o caso em plenário.
O projeto foi publicado no Diário Oficial nesta quinta-feira (25).
O presidente da Assembleia, Carlão Pignatari (PSDB), pretende discutir com os líderes dos partidos, em reunião semanal na segunda-feira (29), a data de votação da punição —que poderia ser já na semana que vem (na terça ou na quarta) ou após a Semana Santa.
O regimento da Assembleia determina que o afastamento de um deputado deve ter o aval de maioria simples em votação no plenário. A votação será aberta, já que a Casa aboliu as votações secretas —a Assembleia tem 94 deputados.
Com a evolução da tramitação do caso, Isa e seus aliados trabalham na mobilização para que o plenário reverta a decisão do Conselho de Ética, onde a proposta de suspensão por 119 dias derrotou o projeto de afastar Cury por seis meses, e aplique a cassação ao deputado.
Articulado por aliados de Cury, o afastamento por menos de 120 dias permite que o gabinete do deputado siga em funcionamento, sem necessidade de convocar um suplente. Já a proposta de seis meses obrigaria a exoneração dos assessores. Nos dois casos, o deputado fica sem receber salário.
Isa já está decidida a questionar na Justiça caso não haja possibilidade de apresentar emendas que modifiquem o projeto, ou seja, que alterem a punição de suspensão para cassação.
A deputada conta, por exemplo, com o apoio de ativistas da campanha Por Uma Punição Exemplar (porumapunicaoexemplar.com), que busca pressionar os parlamentares por uma pena mais dura.
Na Assembleia, a deputada já conta com apoio da bancada do PSOL, de petistas, da bancada do Novo e da deputada Marina Helou (Rede) para apresentar emenda pela cassação de Cury. "O que aconteceu é inadmissível", afirma o líder do Novo, Sergio Victor, sobre o assédio.
Além da ação no Conselho de Ética, Cury é investigado pelo Ministério Público de São Paulo, após Isa acusá-lo de importunação sexual. As câmeras do plenário da Assembleia flagraram o momento em que Cury apalpa a deputada.
Normalmente, projetos de resolução podem ser emendados durante sua tramitação, mas há dúvida sobre o papel do plenário num caso inédito como esse —se apenas diz sim ou não à decisão do conselho ou se pode mudá-la.
Nos bastidores, deputados afirmam que o entendimento de Carlão é o de que não cabem emendas. Em entrevista à Folha, ele já afirmou seguir essa linha de pensamento. Questionado sobre ser possível alterar a punição por meio de emendas no plenário, Carlão afirmou que irá questionar a Procuradoria da Casa.
"Vou consultar os procuradores, mas acredito que não. O plenário só pode referendar ou não a decisão do Conselho de Ética", disse. Carlão afirmou ainda não ver esse seu entendimento como uma proteção a Cury. "O regimento não permite, vamos seguir o regimento."
Parlamentares próximos a Isa creem que os colegas favoráveis a Cury irão buscar uma votação em plenário rápida e atropelada, que não dê brecha à tentativa de aumentar a pena.
Boa parte dos deputados ainda têm dúvidas sobre o regimento permitir ou não emendas nesse caso.
Um questionamento nesse sentido foi apresentado nesta semana pelo deputado estadual Emidio de Souza (PT), aliado de Isa e relator do caso no Conselho de Ética, ao presidente da Assembleia, mas não houve resposta até agora.
O PSOL deve pleitear na reunião de líderes, na segunda-feira, que o projeto de resolução só seja levado à votação depois que a questão de ordem sobre tramitação e emendas no plenário for respondida pela Casa, o que dará a Isa a oportunidade de adaptar sua estratégia conforme o cenário.
Isa pretende questionar a tramitação na Justiça, caso as emendas sejam vetadas de imediato.
A minuta do projeto de resolução foi encaminhada pela presidente do Conselho de Ética, Maria Lúcia Amary (PSDB), à mesa diretora da Assembleia na tarde de segunda-feira (22). Havia a possibilidade de que Carlão pautasse o projeto em plenário já nesta semana, cenário desfavorável à Isa, embora a deputada sempre tenha cobrado celeridade no caso.
O projeto "decreta a perda temporária do exercício do mandato do deputado Fernando Cury, pelo prazo de 119 (cento e dezenove) dias". A justificativa fala em "necessidade de deliberação do plenário para a imposição da pena de perda temporária do exercício do mandato, na forma deliberada pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar".
O Conselho de Ética da Casa, em uma derrota para Isa, aprovou, em 5 de março, a suspensão de Cury por 119 dias —a proposta do relator Emidio era de seis meses. No último dia 11, seguindo entendimento da Procuradoria da Casa, o processo voltou ao Conselho de Ética para elaboração do projeto de resolução.
Como mostrou a Folha, a tropa de choque de deputados favoráveis a Cury no colegiado é formada por parlamentares de perfil conservador, ligados a igreja e à segurança pública, e que já tiveram embates com Isa no passado.
“O perfil destes deputados não me assusta", afirmou Isa em nota. A deputada lembrou que a Assembleia vem veiculando comerciais na TV em horário nobre. "É uma sensação de impotência, é simbólico que na noite do assédio eu votava contra o aumento de 70% da publicidade da Alesp", diz.
Segundo Isa, a eleição de Carlão para a presidência da Casa e as articulações para que ela não consiga emplacar a cassação em plenário "comprovam que o patriarcado é o sistema mais antigo de manutenção dos poderosos conservadores".
"Mas é gratificante eles saberem também que eu estava ali firme, forte, representando absolutamente tudo que eles têm medo", completa.
A revelação de que Isa foi apalpada por Cury veio a público no dia 17 de dezembro. Em discurso na tribuna da Assembleia, ela afirmou que no dia anterior foi apalpada pelo deputado durante uma sessão para votar o orçamento do estado para 2021.
Imagens gravadas pelas câmeras da Casa e exibidas na ocasião mostraram Cury se aproximando por trás e tocando o corpo dela.
Isa estava de pé, diante da mesa diretora da Casa, conversando com o presidente Cauê Macris (PSDB), quando o colega chegou sem que ela percebesse. Na hora, ela tirou a mão de Cury e se desvencilhou dele. A deputada afirmou que o colega exalava um cheiro de álcool.
O deputado falou no plenário após a exibição da gravação, negou ter cometido assédio e pediu desculpas por ter, segundo ele, abraçado a parlamentar. "Não houve, de forma alguma, da minha parte, tentativa de assédio, de importunação sexual ou qualquer outra coisa com algum outro nome semelhante a esse", afirmou.
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