PT não desistiu de frente ampla, mas não vejo como prosperar com Ciro, diz Jaques Wagner

Senador afirma que pedetista tenta isolar o PT e cita como opções, além de petistas, o governador Flávio Dino, do PC do B

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Brasília

Um dos principais líderes nacionais do PT, o senador Jaques Wagner (BA) afirma que o partido não desistiu de compor uma aliança eleitoral contra Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022, mas que não vê como prosperar com Ciro Gomes, do PDT.

Em entrevista à Folha, o petista, que assumiu a Comissão de Meio Ambiente do Senado, avalia que o grande número de militares em funções no governo revela a existência de um desvio de função e prega que o discurso ambiental é a frente ampla contra o negacionismo.

O PT insistirá em uma candidatura própria em 2022, mesmo diante do risco de uma alta rejeição favorecer Bolsonaro em um segundo turno? Assim como a nossa aprovação, que chegou a 80% na saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não é eterna, a rejeição ao PT também não é. Ela vem diminuindo por pessoas que constatam que foi um equívoco apostar em um antipetismo mesmo votando no que está acontecendo no Brasil.

Naquele segundo turno, era a tentativa dessas pessoas sonharem com a matriz dessa pergunta: "É melhor apoiar o outro, porque aí a gente mata o PT e ele desaparece em 2022". Nâo funciona assim. O PT tem raízes e contribuições. E é claro que tem erros. A gente nasceu há 41 anos com pessoas que não tinham ainda experiência em governo. E ganhamos a Presidência da República quatro vezes. Eu creio, mas não tenho bola de cristal, que ganharemos a quinta.

Em nome de uma frente ampla, o PT está disposto a abrir mão de uma cabeça de chapa? Eu nunca digo não quando estou tentando construir uma aliança. Então, prefiro dizer: 'Vamos ver quem se apresenta'. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad teve 47 milhões de votos. Eu tenho governadores do Nordeste que têm uma pontuação muito boa, particularmente três: da Bahia [Rui Costa], do Piauí [Wellington Dias] e do Ceará [Camilo Santana]. Então, tenho quadros políticos que podem ser apresentados à sociedade.

Você me diz: 'Poderia abrir mão?'. Sempre acho que poderá, vai depender da construção. Agora, se o lado de lá, particularmente um dos candidatos, critica o PT e tenta nos isolar, como depois acham que eu tenho de sair fora? Então, tudo bem, se estão isolando, mantenho a candidatura e vocês mantêm a de vocês, por isso que tem dois turnos.

O candidato do PT será Fernando Haddad? Eu acho que isso não está definido. O Lula até publicou um tuíte sobre isso. Ele diz que nós temos um programa de reconstrução do país e temos quadros políticos. Então, vamos mostrar o nosso patrimônio. É assim que se faz, como os outros estão fazendo. Toda hora vemos declarações de possíveis candidatos de outros partidos. Na minha opinião, não é hora de bater martelo sobre esse tema.

Que perfil de candidato o senhor defende? Se o Lula recuperar seu direito político, tenho de saber dele. Se ele estiver com vontade, acho que tem, dentro do PT ele seria natural. Se ele não recuperar, que eu espero que não aconteça, ou achar que é melhor ter outro nome, aí tem o Haddad. O Rui Costa, da Bahia, é um nome. E os governadores do Ceará e do Piauí também. Como há nomes em outros partidos. É óbvio que o nome do Flávio Dino [PC do B], como governador do Maranhão, é sempre um que circula. O Ciro Gomes [PDT], evidentemente, está colocado, mas ele está fazendo uma política de isolamento do PT, então, não vejo como prosperar.

Um dos nomes citados como candidato da frente ampla é o apresentador Luciano Huck. Como apresentador, eu acho até interessante o programa dele. Eu preciso conhecer as ideias dele para saber se é uma candidatura. Não está impedido, mas eu gosto muito de cada qual em seu cada qual. Um belo cantor não necessariamente será um bom político.

Como ex-ministro da Defesa, como analisa o aumento do número de militares no governo? Eu não tenho nenhum tipo de discriminação contra os militares, porque reconheço a sua boa formação. Mas também eles não foram formados para estarem em ministérios. Eles foram formados para integrarem as Forças Armadas e, em um país da nossa dimensão, garantirem a nossa soberania, independência e defesa. Então, não estou dizendo que este ou aquele não pode ser, mas, na minha opinião, há um desvio de função.

Eles, na verdade, foram treinados porque nós entendemos que um país dessa dimensão tem de ter a segurança de fronteira, marítima e aérea. O exagero nesse crescimento causa essa disfunção. Você não manda médico ser mestre de obra. Nem mestre de obra exercer a função de padeiro ou de médico.

O exemplo mais gritante é o do ministro da Saúde, que acaba enfrentando uma área que ele desconhece. Por tal, acaba tendo um desempenho ruim. Então, quem perde é o país. E, na minha opinião, perdem também as próprias Forças [Armadas], porque acaba que o mau desempenho desgasta a instituição.

A instituição sairá com a imagem abalada depois do governo Bolsonaro? Não necessariamente. Não sei como vai acabar o governo Bolsonaro. Não sei se virá ou não virá impeachment. Pelo caminho que ele está tomando, eu só vejo coisa ruim pela frente, não estou vendo condução correta na economia. Se isso acontecer, é óbvio que vai ter respingo, apesar de que os comandos das Forças [Armadas] hoje tendem a não querer essa entrada na política.

Como avaliou a postura do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas quando divulgou mensagem ao STF (Supremo Tribunal Federal) às vésperas do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018? Eu confesso que preferia não ter de comentar. Quem indicou o Villas Bôas para comandante fui eu. E quem aceitou, porque a prerrogativa é dela, foi a presidente Dilma Rousseff.

Não fiz nenhum favor, me entregaram uma lista tríplice. Ele não era o primeiro e não havia uma obrigatoriedade. Mas, na lista que veio de lá, feita pelo Alto Comando, se não me engano, ele era o terceiro. Isso significa que era possível ele assumir. E tive uma ótima relação com ele.

Eu não sei por que tomou essa atitude. E pior do que a atitude é a revelação, vou dizer assim, com prazer, para dizer que foram tutores da democracia brasileira. Eu acho descabida a primeira, a ação, e mais descabida ainda a propaganda dela.

Decepcionou-se com o hoje general da reserva? Não, no tempo que ele estava prestando serviço à presidente Dilma, sempre tive uma relação boa. Mas essas revelações realmente me mostram ou que eu me enganei ou que ele mudou.

No depoimento, o militar diz que a Comissão da Verdade foi vista como revanchismo. Nós somos aqueles países com dificuldade de encarar, ou alguns têm dificuldade em encarar, a história. Querer negar que houve tortura é, na minha opinião, uma burrice. Porque ela está aí com mortos e desaparecidos e esse foi um momento de um crime de Estado feito na conjuntura da Guerra Fria. A Guerra Fria acabou há mais de 30 anos e vamos continuar raciocinando como se o mundo fosse o da Guerra Fria? Querer transportar isso no tempo é um equívoco. Na minha opinião, não erramos em fazer a Comissão da Verdade.

A intervenção na Petrobras, com a indicação de um general para o posto, é um golpe na agenda liberal do ministro Paulo Guedes? Eu não sei qual é a combinação que o presidente tem com o Paulo Guedes. Então, tenho dificuldade em responder a essa pergunta. Só quero registrar. O acionista majoritário dessa belíssima companhia que é orgulho nacional chama-se povo brasileiro, porque ela é majoritariamente do Estado brasileiro. E, goste ou não goste, o representante dos acionistas majoritários é o presidente.

Portanto ele dizer que quer um caminho, não vejo, em si, nenhuma aberração. O que acho aberração é pegar uma empresa que é amplamente majoritária do Estado brasileiro e entender que ela não tem de respeitar nada do seu acionista majoritário. E simplesmente obedecer à chamada lei de mercado. Está errado isso. Não consigo ver nenhum crime nisso [na conduta de Bolsonaro].

A intervenção levou integrantes do mercado financeiro a comparar Bolsonaro a Dilma. Ela é muito melhor do que ele.

O Brasil tem hoje condições de fazer parte de uma frente mundial de desenvolvimento ambiental? Nós saímos de líderes para párias. Nós fomos puxadores da fila em várias conferências mundiais até pelo grau de biodiversidade que nós temos no Brasil. E praticamente, de 2019 para cá, nós estamos excluídos de todas as mesas. Hoje, nós não seremos convidados a nada, mas como eu acredito também na diplomacia parlamentar, espero que consigamos reposicionar o Brasil para poder integrar esse esforço que está, inclusive, tardio.

O discurso ambiental deve ser encampado pelo PT na próxima eleição? Não tenho dúvida. Na minha opinião, essa é a agenda central do planeta. A defesa do meio ambiente é a verdadeira frente ampla contra o negacionismo.

RAIO X

Jaques Wagner, 69

Senador pelo PT, foi deputado federal, governador da Bahia e ministro da Defesa e da Casa Civil de Dilma Rousseff e do Trabalho e das Relações Institucionais de Luiz Inácio Lula da Silva

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