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Reviravoltas em decisões do Supremo levantam discussão sobre insegurança jurídica

Anulação de condenação de Lula e novas posições sobre prisão após segunda instância são exemplos

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São Paulo

Com a inesperada decisão do ministro Edson Fachin (STF) na última segunda-feira (8) que anulou as condenações do ex-presidente Lula na Lava Jato ganhou nova força o debate sobre a insegurança jurídica que pode ser gerada por este tipo de medida.

Especialistas do direito, da ciência política e da economia ouvidos pela Folha têm análises distintas sobre a questão.

Há desde aqueles que veem nas mudanças de entendimento do STF efeitos negativos para a segurança jurídica no país até aqueles que consideram que elas são consequência de um sistema de Justiça que permite recursos e o amadurecimento de determinadas interpretações.

Vista do plenário do STF, chão amarelo, ao centro bancadas com os ministros  e ao redor convidados sentados em suas cadeiras
Sessão de abertura dos trabalhos do Judiciário no STF em 2020 - Pedro Ladeira - 3.fev.2020/Folhapress

Juliana Sakai, diretora de operações da organização Transparência Brasil, considera que essas mudanças constantes são negativas e geram percepção de impunidade, além de desperdício de recursos públicos com investigações que acabam sendo em parte ou inteiramente descartadas.

“Do ponto de vista do combate à corrupção, tem uma série de decisões que vão sendo alteradas ao longo dos anos e que dão impressão para a população de que o entendimento é tomado de acordo com o réu e com o contexto em que a gente está. Ou seja, não tem uma imparcialidade e não tem isonomia”, afirmou.

“No caso do Fachin, o que está se discutindo não é a questão da suspeição, mas da competência do Moro. E isso já foi discutido antes. O que mudou em relação à competência para as decisões anteriores, qual o argumento novo?”, questiona.

Em sua decisão, Fachin determinou que a Justiça Federal em Curitiba não deveria ser a responsável pelos processos envolvendo Lula com o argumento de que os delitos imputados ao ex-presidente não correspondem a atos que envolveram diretamente a Petrobras.

Chamou atenção que a decisão tenha sido dada apenas neste momento, pois a defesa de Lula vem fazendo esse questionamento há anos.

No entanto, o ministro argumentou que, em habeas corpus de novembro de 2020, foi a primeira vez que a defesa de Lula apresentou um pedido que reunia “condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo STF”.

Como consequência da decisão, as condenações que retiravam os direitos políticos de Lula não têm mais efeito e ele voltou a ser elegível para a próxima eleição presidencial, em 2022.

Para Irapuã Santana, doutor em direito processual pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a decisão de Fachin é bem fundamentada e bem construída, mas ele se questiona o porquê de ela ter sido dada só agora.

“Depois de tanto tempo, está mandando voltar tudo. Isso não é segurança jurídica, na verdade, é o contrário da segurança jurídica. É importante, para a gente ter um sistema jurídico eficaz e eficiente, é preciso haver esse sistema de previsibilidade."

“Está aí um dos problemas externos da decisão, porque ela mesma fala que o Supremo vai construindo a competência da Lava Jato, de acordo com o tempo. Isso é muito complicado, porque a competência, que é a designação do juiz natural, ela tem que ser prévia”, disse Santana.

Outra parcela de entrevistados vê decisões como a de Fachin como algo esperado de um sistema de Justiça que permite recursos e, em linhas gerais, apontam também que mudanças no contexto e o surgimento de novas evidências são alguns dos elementos que podem contribuir para que magistrados alterem seus posicionamentos.

Uma delas é a professora Vera Karam, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), que não vê esse tipo de mudanças de decisão como geradoras de insegurança jurídica.

Para ela, é razoável que elas ocorram com o decorrer do tempo. “Do meu ponto de vista, os juízes podem mudar de opinião, argumentos que, para eles faziam sentido, podem não fazer mais."

Ela argumenta que o Judiciário não age por iniciativa própria e que, apenas diante de um habeas corpus da defesa de Lula que tinha elementos suficientes para declarar a incompetência, isso teria sido feito.

“Há insegurança jurídica quando não se respeita os princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal, que foi a meu ver o que, desde o início, o ex-juiz Sergio Moro não respeitou."

Para Nara Pavão, professora de ciência política da UFPE e que tem como uma de suas linhas de pesquisa o impacto da Lava Jato na opinião pública, o tipo de mensagem que a decisão de Fachin transmite para a sociedade não é uniforme.

De acordo com ela, as decisões podem ter efeitos muito distintos na opinião pública. Há tanto aqueles que vão interpretar como um reforço da ideia de impunidade quanto os que interpretarão como uma correção de desvios da Lava Jato e com a ideia de eficácia do sistema judicial.

“O STF como outras instituições judiciais ele é visto de uma forma altamente politizada pela população.”

Na opinião de Luciana Gross, professora da FGV Direito SP, o que se vê agora em relação a mudanças de posição da corte não é um ponto fora da curva. “Seguir os precedentes nunca foi uma questão central nas decisões do Supremo e dos tribunais de uma forma geral no Brasil”, diz ela.

Luciana destaca a discussão sobre a prisão em segunda instância, tema sobre o qual o tribunal mudou de posição mais de uma vez.

O ex-presidente Lula, por exemplo, foi solto no início de novembro de 2019 beneficiado justamente pelo entçao novo entendimento do STF segundo o qual a prisão de condenados somente deve ocorrer após o fim de todos os recursos. O tema agora está mais uma vez em discussão no Congresso.

“A questão é que a Lava Jato foi importante politicamente, porque teve como alvo principal o ambiente político. E a gente, cada vez mais, tem consciência de que ela foi fundamental na definição das eleições de 2018 para a Presidência da República. E, naquele momento, sob a chancela do STF."

“O STF, por mais que puxasse a orelha da turma de Curitiba e principalmente do ex-juiz Sergio Moro, chancelava os seus atos.”

Outra decisão judicial que gerou questionamentos, esta do STJ (Superior Tribunal de Justiça), foi a invalidação de provas no caso das “rachadinhas”. O tribunal entendeu, em recurso do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que os pedidos de quebra de sigilo não tinham sido suficientemente fundamentados.

As quebras de sigilo foram anuladas, e a decisão colocou em risco a cadeia de provas utilizada pelos procuradores do Ministério Público do Rio de Janeiro para acusar o senador.

Na avaliação de Antonio Ramires Santoro, professor de direito processual penal da UFRJ, a decisão foi tecnicamente correta.

“Eu só lamento que o mesmo rigor que o STJ utilizou para, digamos assim, cobrar que o juiz tivesse uma argumentação mais aprofundada no caso do Flávio não seja uma constante no STJ”, afirmou ele. “Mas isso não é suficiente para dizer que há uma blindagem.”

Já o procurador de Justiça em São Paulo Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, considera que a decisão foi ruim.

“Não existe em nenhum lugar do nosso ordenamento uma especificação sobre a extensão necessária de decisões judiciais. O que existe é a imposição no sentido de que as decisões devem ser fundamentadas. Você pode ter uma fundamentação de uma decisão em duas linhas."

Para ele, há uma sensação de que as decisões de parte dos magistrados mudam a depender de quem é julgado. “Se você me perguntar: ‘esse desfecho tem relação com o fato de que o acusado é o filho do presidente da República?’ Na minha opinião, sim.”

Livianu vê riscos também em iniciativas do Legislativo, como o projeto que busca alterar a Lei de Improbidade Administrativa, vista por ele como a principal lei de defesa do patrimônio público. “Essas pretensões vão no sentido de instituir a impunidade na lei. O que é inadmissível.”

Do ponto de vista de economistas, as mudanças de posicionamentos dos tribunais acabam trazendo consequências para a economia também.

“A insegurança jurídica é uma parte fundamental do funcionamento do mercado. Ele funciona bem se as regras são claras“, afirma o professor de economia da USP Simão Silber. “Isso traz custos adicionais para a economia, porque você não tem regras estáveis, vai depender da cabeça do juiz."

Marcos Lisboa, que é presidente do Insper e colunista da Folha, concorda. “O maior problema não é o problema da lei, mas as mudanças na interpretação da lei, que ficam oscilando de uma visão para outra com muita frequência."

Mudanças já realizadas

Anulação das condenações de Lula
Com base no argumento de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar os processos do ex-presidente Lula, o ministro do STF Edson Fachin anulou todas as condenações do petista na Lava Jato e determinou que os casos fossem remetidos para o Distrito Federal. A decisão levantou questionamentos sobre o momento em que foi dada, visto que a defesa de Lula já defendia essa versão há anos.

Prisão após condenação em 2ª instância
Ao longo do tempo, o STF mudou mais de uma vez seu entendimento sobre este ponto. A última decisão ocorreu em 2019, quando a corte decidiu que uma pessoa só pode ser presa caso não haja mais recursos cabíveis, ou seja, após a ação transitar em julgado. Em 2016, quando a Lava Jato estava com alta popularidade, o tribunal tinha decidido que era possível a prisão após sentença em segunda instância.

Caso das "rachadinhas" no STJ
O STJ anulou a quebra de sigilo fiscal e bancário de Flávio Bolsonaro, que corroboravam a suspeita de “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Por maioria dos votos, os ministros da 5ª Turma consideraram que houve problemas de fundamentação na decisão judicial que determinou as quebras. A decisão coloca em risco provas contra Flávio, Fabrício Queiroz e ex-assessores.

Mudanças possivelmente a caminho

Imunidade parlamentar
Como resposta à prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, o Congresso tentou aprovar de maneira relâmpago uma PEC que ampliava a blindagem de deputados e senadores e reduzia as possibilidade de prisão em flagrante dos parlamentares. Sob críticas da opinião pública, de ministros do STF e de parte dos deputados, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuou da tramitação acelerada.

Improbidade administrativa
Está em tramitação no Congresso um projeto que afrouxa a Lei de Improbidade Administrativa, que permite punir gestores públicos. O presidente Jair Bolsonaro também defendeu que o Legislativo faça mudanças no texto. Segundo ele, algumas leis anticorrupção “engessam” prefeitos. Uma das propostas é restringir a improbidade apenas a situações em que esteja configurada a intenção de fazer mau uso do recurso público.

Suspeição de Moro
A Segunda Turma do STF vai decidir a respeito de pedido do ex-presidente Lula que questiona a imparcialidade do então juiz Sergio Moro à frente de ações contra o petista no Paraná. O que está em jogo é se Moro foi ou não parcial diante dos casos de Lula enquanto juiz da Lava Jato. Caso o entendimento seja de que Moro foi parcial, provas coletadas contra o petista nos processos comandados por Moro podem ser anuladas. O posicionamento da corte em relação ao tema sofreu grandes mudanças após o vazamento de mensagens entre a força-tarefa de Curitiba e o ex-juiz.

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