Descrição de chapéu Folhajus STF petrobras

Sem petrolão, não há crimes de Lula em tríplex e sítio, e sim possível improbidade, dizem especialistas

Eventual anulação de provas derruba hipótese de processo penal e mesmo ações civis estariam prescritas, de acordo com constitucionalistas

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São Paulo

A eventual anulação das provas que o Ministério Público alega ter obtido no Petrolão sobre supostas propinas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por meio de obras em um tríplex em Guarujá (SP) e em um sítio em Atibaia (SP) derruba a hipótese de que ele seja processado criminalmente, afirmam especialistas ouvidos pela Folha.

Para eles, desconsiderando a conexão com contratos da Petrobras ou outros setores públicos, restaria apenas a possibilidade de discussão sobre se teria ocorrido improbidade administrativa quanto a esses imóveis.

A diferença é que a improbidade é uma ilegalidade contra a administração pública na área cível, e não pode levar à prisão, como ocorre no campo penal. As improbidades podem levar a punições como multa, devolução de valores e perda dos direitos políticos.

Porém mesmo essas supostas irregularidades de Lula nessa esfera civil já estariam prescritas, ou seja, ele não poderia mais ser processado na Justiça, em razão de o prazo legal para tais apurações já ter se esgotado, de acordo com os constitucionalistas.

No início da semana passada, o ministro Edson Fachin, do STF, determinou a anulação de todas as condenações proferidas contra o ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato.

Na decisão, Fachin argumentou que os delitos imputados ao ex-presidente não correspondem a atos que envolveram diretamente a Petrobras e, por isso, a Justiça Federal de Curitiba não deveria ser a responsável pelo caso. Ele determinou que os casos sejam reiniciados pela Justiça Federal do Distrito Federal.

Assim, as condenações que retiravam os direitos políticos de Lula não têm mais efeito e ele pode se candidatar nas próximas eleições, em 2022. Lula estava enquadrado na Lei da Ficha Limpa, já que ambas as condenações pela Lava Jato haviam sido confirmadas em segunda instância.

Em ambos os casos, do tríplex e do sítio, a defesa de Lula afirma que não houve benefício pessoal pago pelas empresas ao petista, uma vez que ele nunca foi proprietário dos imóveis.

Em relação ao sítio que era frequentado pela família do ex-presidente, os advogados dizem que, em 2010, a então primeira-dama Marisa é que estava a par das obras tocadas pela construtora Odebrecht, e Lula só veio tomar conhecimento sobre elas depois que já haviam sido concluídas, após o fim de seu mandato.

Quanto ao tríplex, a princípio o casal Lula e Marisa havia adquirido o direito a um apartamento menor de 82 m² no condomínio em 2005, quando a construção era administrada pela cooperativa Bancoop.

Em 2009 a empreiteira OAS assumiu o empreendimento. Cinco anos depois, segundo o executivo da construtora Léo Pinheiro, um tríplex no mesmo prédio foi reservado e reformado para ser entregue ao ex-presidente.

Lula chegou a visitar o imóvel em 2014, mas disse em depoimento judicial que não gostou do tríplex e não quis ficar com ele. No ano seguinte, Marisa desistiu formalmente do direito a ter um imóvel no condomínio e pediu a restituição do dinheiro investido no negócio.

Na última terça-feira (9), a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), presidida pelo ministro Gilmar Mendes, retomou julgamento que pode levar à anulação de todas as investigações e processos do Petrolão conduzidos pelo ex-juiz Sergio Moro em relação a Lula. A defesa do petista acusa Moro de ter atuado de modo parcial contra o ex-presidente.

Todavia o julgamento no STF foi novamente suspenso, agora em razão de pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do ministro Kassio Nunes Marques. Com placar empatado em 2 a 2, não há data para ser reiniciado.

Tendo em vista a possibilidade de anulação das provas do Petrolão, a Folha questionou especialistas sobre qual seria o quadro jurídico que restaria em relação às obras desconsiderando os indícios de toma lá, dá cá entre o Lula e as empresas, conforme alegado pelo Ministério Público.

Segundo o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, caso não se prove a ligação entre as obras e favorecimentos por Lula, e as benfeitorias sejam consideradas como possíveis presentes ao ex-presidente, não haveria violação da lei penal, mas poderia ter ocorrido improbidade administrativa, caso recebidas durante o mandato do petista.

As reformas no sítio de Atibaia bancadas pela Odebrecht tiveram início no fim de 2010, quando Lula estava encerrando seu segundo mandato, e tiveram custo de cerca de R$ 500 mil em valores da época, segundo testemunhas do caso.

Nessa hipótese, a violação seria ao artigo 9º da Lei de Improbidade, que descreve como enriquecimento ilícito o recebimento de valores pagos por pessoas ou empresas cujos interesses possam ser atingidos por condutas das autoridades ou servidores beneficiados.

O diretor da USP ressalva, porém, que “teríamos no caso que provar que a reforma do sítio implicou enriquecimento do ex-presidente, o que pressupõe prova de propriedade do sítio”.

Formalmente, o sítio foi comprado em 2010 pelo empresário Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, amigo de Lula que atuou na fundação do PT. O ex-presidente e sua defesa sempre negaram que o ex-presidente tenha sido o proprietário de fato do imóvel.

A procuradora regional da República e especialista no estudo de improbidade Samantha Dobrowolski também vê a possibilidade de ter havido enriquecimento ilícito no caso do sítio de Atibaia.

“A empresa [Odebrecht] notoriamente mantinha contratos com o governo. Parece um tanto improvável afirmar ter havido boa-fé, dado o valor expressivo para uma doação ou presente nas condições de exercício de cargo público”, afirma ela.

“Não exprimo crítica moral, subjetiva, política. Nem preconceito. É uma constatação a partir de dados da experiência e da realidade usual, numa análise técnica, mas em tese, da situação dada”, diz a procuradora.

O professor de direito público da FGV-SP Carlos Ari Sundfeld concorda que pode ter ocorrido a ilegalidade apontada no artigo 9º da Lei de Improbidade.

De acordo com Sundfeld, a lei “não exige prova de que o agente público tenha de fato usado seu cargo para beneficiar ilicitamente quem lhe tenha dado o presente. Basta que, em função do cargo, esse benefício fosse possível”.

“Também não exige prova da origem ilícita do acréscimo patrimonial do agente público; basta que ele seja desproporcional a seus recebimentos declarados e lícitos.”

Para a professora aposentada de direito administrativo da Faculdade de Direito da USP Odete Medauar, as obras do sítio de Atibaia podem ter violado o artigo 11 da Lei de Improbidade, que trata dos princípios da moralidade e impessoalidade na administração pública.

“Em termos de princípios de moralidade, eu enquadraria como improbidade, pois acho imoral receber um presente nesse patamar. Receber um presente de R$ 500 mil não combina com uma postura de correção”, diz Odete, em referência ao valor da reforma feita pela Odebrecht.

Já o professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano entende que os casos do ex-presidente não poderiam ser enquadrados como improbidade.

Segundo o constitucionalista, para a configuração da ilegalidade seria necessária a comprovação de que Lula realizou atos administrativos concretos contra a lei.

“O ato de improbidade precisa de uma conduta concreta praticada. O que Lula e Marisa disseram é que eles não aceitaram os presentes, então não há conduta nenhuma ali. Hoje a meu ver, no direito brasileiro, receber presente não é crime nem ato de improbidade.”

As eventuais improbidades, no entanto, já estariam prescritas. Segundo os especialistas, as violações à lei prescrevem em cinco anos após a saída do cargo público ou mandato.

Como Lula deixou o mandato em 2011, o prazo quinquenal já teria se esgotado.

Procurada pela Folha, a assessoria de Lula informou que o ex-presidente não se manifestaria sobre as avaliações dos especialistas.


Lula e os indícios sobre o tríplex e o sítio

TRÍPLEX DE GUARUJÁ

Compra de unidade
Em maio de 2005 o, casal Lula e Marisa começou a pagar parcelas para a aquisição de uma unidade no condomínio à época chamado de Mar Cantábrico, em Guarujá (SP). A defesa afirma que o compromisso dava direito a uma unidade de 82 m²

Empreiteira assume o empreendimento
Em outubro de 2009, em meio à crise financeira da Bancoop, cooperativa responsável pelo empreendimento, o projeto foi assumido pela empreiteira OAS. No mês anterior, o casal parou de pagar as parcelas

Vista de Lula ao tríplex
Em fevereiro de 2014, o casal e o empresário Léo Pinheiro, da OAS, visitaram um tríplex no prédio, rebatizado de condomínio Solaris. O ex-presidente diz hoje que não gostou do local e desistiu da proposta de venda de Pinheiro

Obras no tríplex
Durante o ano de 2014 a OAS providenciou benfeitorias no apartamento, como instalação de cozinha e uma nova escada. Pinheiro disse que a reforma era para atender Lula

Visita de Marisa e do filho de Lula
Em agosto de 2014, Marisa e o filho Fábio visitaram novamente o tríplex. Lula disse em depoimento que desconhecia essa visita.

Devolução de dinheiro
Em novembro de 2015, Marisa Letícia pediu formalmente a restituição do dinheiro pago à cooperativa, alegando desistência da compra do imóvel

SÍTIO DE ATIBAIA

Compra do sítio
Em 2010 o empresário Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, amigo de Lula que atuou na fundação do PT, adquire formalmente o sítio. No mesmo ano a família de Lula passa a frequentar a propriedade rural

Obras pela Odebrecht
Segundo laudo da Polícia Federal, a empreiteira Odebrecht iniciou obras no sítio no fim de 2010, quando Lula ainda exercia o seu segundo mandato na Presidência da República

Obras pela OAS
Em depoimento judicial em novembro de 2018, o executivo da OAS Léo Pinheiro disse que em 2014 a empreiteira gastou cerca de R$ 400 mil em obras no sítio, realizando mudanças na sala, na cozinha e no lago do sítio. Segundo o testemunho, o ex-presidente Lula teria solicitado a reforma pessoalmente a Pinheiro, que disse que ele jamais perguntou como ressarciria a OAS pelos custos

Emails da OAS
Em emails obtidos pela Polícia Federal relativos a 2014, Léo Pinheiro se comunicava com o arquiteto da empreiteira OAS Paulo Gordilho, e este último se referia à propriedade como "fazenda do Lula". Dizia também que o assunto da obra deve ser tratado com "sigilo absoluto"

Busca e apreensão no sítio
Em operação da busca e apreensão realizada no sítio, PF encontrou diversos objetos pessoais de Lula e sua mulher

Depoimentos de Emílio Odebrecht
Em depoimento judicial em novembro de 2018, o executivo Emílio Odebrecht disse que o pedido para que a empreiteira bancasse as obras no sítio em 2010 partiu da então primeira-dama, Marisa Letícia, confirmando declarações que já havia dado em delação premiada

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