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Um balanço do instituto da colaboração premiada na Lava Jato do Rio de Janeiro

Em seu formato atual, modelo ajudou a revolucionar o combate ao crime organizado, em especial o de colarinho branco

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Almir Teubl Sanches

Procurador da República lotado na Força-Tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro desde 2017, mestre e doutor em teoria geral e filosofia do direito pela USP e especialista em direito público pela ESMPU

O instituto jurídico da colaboração premiada, em seu formato atual, foi criado em agosto de 2013 e ajudou a revolucionar o combate ao crime organizado, em especial o de colarinho branco. E a força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro, que se encerra neste dia 31/3, conviveu intensamente com ele, em quase 5 desses 8 anos, lidando com suas enormes possibilidades e não menores desafios.

A colaboração premiada surgiu para tentar reverter um quadro desolador. A impunidade era quase uma certeza. Dois aspectos ilustram esse cenário.

Primeiro, era muito difícil que os esquemas de colarinho branco fossem inteiramente descobertos; as investigações em geral estancavam em agentes periféricos, quase nunca alcançando os líderes da organização criminosa.

Em segundo lugar, mesmo que a investigação avançasse, era quase impossível recuperar o dinheiro ilícito.

A lei que cria a colaboração premiada remete a estes dois problemas, exigindo como um de seus resultados a identificação dos demais agentes criminosos, a revelação da estrutura hierárquica e divisão de tarefas da organização criminosa e a recuperação total ou parcial dos valores dos crimes praticados pela organização.

E a experiência da força-tarefa do Rio comprova que, se bem utilizado, o acordo de colaboração premiada é ferramenta eficaz para auxiliar nestes resultados.

Foram 55 operações deflagradas, que culminaram com 105 ações penais e 894 pessoas denunciadas, muitas das quais ocupavam as mais altas hierarquias de esquemas de corrupção e de lavagem de dinheiro, tanto do setor público, quanto do setor privado, nas mais diversas áreas.

Também com relação aos valores recuperados, os resultados são expressivos. A soma dos valores de acordos de colaboração da da força-tarefa do Rio é de quase R$ 3,9 bilhões. Valores que voltam aos cofres públicos.

Esse resultado foi alcançado apesar do cenário inicial de quase certeza da impunidade, que, naturalmente, diminui o interesse de investigados em celebrar acordos e dificulta os termos em que eles são negociados. Em um cenário de menor confiança na impunidade, há um futuro ainda mais promissor para novos acordos.

Além dos valores recuperados em acordos, a da força-tarefa do Rio requereu a condenação em reparação de mais de R$ 11,5 bilhões nas ações penais em curso, e mais de R$ 4 bilhões nas ações de improbidade já ajuizadas.

Tudo isso foi alcançado com absoluto respeito aos direitos fundamentais de colaboradores e de delatados.

Quanto aos colaboradores, os acordos sempre partiram de sua iniciativa espontânea, sempre na presença de seu defensor constituído, sendo a enorme maioria dos casos negociados com o investigado solto.

Quanto aos delatados, nunca se aceitou isoladamente narrativa de colaborador. Sempre se exigiu que a narrativa fosse confirmada por robustas provas de corroboração.

Mais do que isso, mesmo confirmada por provas, a narrativa sempre foi tomada apenas como ponto de partida, dela se desenvolvendo profunda investigação, combinando diversas técnicas de apuração, até que restassem provas evidentes dos crimes cometidos e sua autoria.

A força-tarefa do Rio sempre tratou com irresignável seriedade o interesse público que representava, talvez por isso conseguindo resultados tão expressivos. Cinco dos sete acordos maiores acordos de colaboração da história do país, com relação a pena pecuniária, foram negociados pela força-tarefa do Rio. Muitos deles os maiores, quando celebrados.

Os valores destes acordos foram de aproximadamente R$ 330 milhões, R$ 370 milhões, R$ 380 milhões, R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão. Tais sanções pecuniárias sempre foram acompanhadas de significativas penas corporais, havendo acordo que prevê cumprimento de pena privativa de liberdade de 18 anos.

Transacionar representando o interesse público não é tarefa simples. Para tanto, a da força-tarefa do Rio sempre buscou estabelecer critérios objetivos, definindo as condições dos acordos de acordo com a gravidade dos crimes cometidos, o momento em que se buscou a colaboração, a magnitude dos valores ilícitos envolvidos, a quantidade de informações e provas trazidas pelo colaborador.

Tais conquistas, que retratam a história da da força-tarefa do Rio, são méritos de todo o Ministério Público Federal, que soube usar do instrumento da colaboração premiada. E de todos os Poderes constituídos, Executivo e Legislativo que souberam criar o instituto, em 2013, e Judiciário que soube interpretá-lo posteriormente.

É nefasto qualquer discurso que, a pretexto de defender o combate à corrupção, vocifere sua sanha autoritária contra as instituições democráticas. É por meios dessas instituições que a sociedade brasileira deve zelar para que institutos jurídicos eficazes, como o da colaboração premiada, sejam preservados e fortalecidos.

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