Antes de Bolsonaro, outros presidentes fracassaram ao tentar evitar CPIs

Collor, FHC e Lula mobilizaram suas bases no Congresso contra investigação; tucano conseguiu evitar CPI da compra de votos

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São Paulo

O relógio do plenário do Senado marcava 23h52 quando a tropa de choque do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso, liderada pelo deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), chegou esbaforida para uma última tentativa de forçar a retirada de nomes de parlamentares que haviam assinado o requerimento da CPI dos Correios.

Oito minutos frenéticos depois, e após dezenas de telefonemas e inúmeras rasuras à mão em listas de assinaturas, os governistas jogaram a toalha. Não havia mais prazo para evitar a criação da comissão sobre o escândalo do mensalão.

A cena de maio de 2005 ilustra como a prática do tiro à CPI é comum entre presidentes, muito antes da tentativa de Jair Bolsonaro de impedir, ou ao menos esvaziar, a comissão criada para investigar as ações na pandemia da Covid-19.

Fernando Collor tentou o mesmo, sem sucesso, com a CPI que provocaria seu impeachment, em 1992. O tucano Fernando Henrique Cardoso se saiu melhor e exterminou a da compra de votos para a reeleição, em 1997, mas não conseguiu impedir uma sobre outro escândalo de seu governo, o caso Sivam, de 1995.

Em regra, todos os governos agem para barrar investigações no Congresso, mas na maioria dos casos não conseguem. Mais viável tem sido esvaziar a investigação até torná-la inócua.

“CPI é um tiro no peito do governo. Se o governo tiver uma couraça muito forte, ele escapa, sobrevive. Agora, se tiver em dificuldades no Congresso, como foi o caso do presidente Collor, não aguenta”, diz Aldo Rebelo, ex-presidente da Câmara dos Deputados (2005-07).

Ele era o ministro responsável pela articulação política de Lula quando estourou o escândalo do mensalão, e foi um dos escalados para tentar evitar a CPI.

“Lutamos, tentamos evitar a CPI, mas o governo estava dividido em relação a isso. Havia setores do governo e do PT que a defendiam, por incrível que pareça”, afirma Aldo.

O publicitário Duda Mendonça durante depoimento à CPI dos Correios, que investigou o mensalão, em agosto de 2005 - Lula Marques - 11.ago.2005/Folhapress

Algo parecido ocorreu com a CPI do PC, que investigou a corrupção no governo Collor, lembra seu presidente, o então deputado Benito Gama (PFL-BA).

“Para uma CPI dar certo e funcionar, é preciso que os partidos entrem nela politicamente, não apenas os deputados e senadores que a compõem”, afirma Gama. No início, diz, houve uma relutância dos principais partidos da época de viabilizar a investigação.

A pressão, para o deputado, começava em seu próprio partido, a partir de caciques como o governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, e o ministro-chefe da Secretaria de Governo de Collor, Jorge Bornhausen.

Às vésperas da instalação da CPI, ACM chamou Gama para uma conversa em que transmitiu um recado: a comissão deveria se concentrar em PC Farias, ex-tesoureiro da campanha de Collor, poupando o presidente.

“A comissão vai conseguir pegar o PC. Mas acho que só vai dar pra pegá-lo pelo Imposto de Renda e pelas coisas pequenas", disse o então governador.

“Teve muita pressão naquele momento”, recorda-se Gama. “O que ajudou a não travar a comissão foi o fato de o próprio irmão do presidente, Pedro Collor, ter denunciado os fatos. Era muito forte aquilo. Uma CPI precisa ter origem forte, se ela tem pecado original, não funciona.”

No governo FHC, a base aliada relativamente robusta, principalmente no primeiro mandato, facilitava o trabalho de abafar CPIs. Nem mesmo a da compra de votos, que tinha um deputado gravado confessando o fato, mereceu uma comissão.

Um arremedo de investigação acabou sendo feito pela Comissão de Constituição e Justiça, que não tinha poderes de quebrar sigilos, por exemplo.

“Naquele momento, a percepção era de que a gravação foi um episódio isolado, e que o presidente não tinha nada a ver com isso. Uma CPI era desnecessária”, diz Arthur Virgílio, que foi senador (PSDB-AM) e ministro da Secretaria Geral da Presidência de FHC.

O deputado federal eleito Ronivon Santiago, pivô do escândalo da compra de votos, após ser preso em Brasília em 2002, sob acusação de corrupção eleitoral - Sérgio Lima/Folhapress

Um argumento usado na época, e que é sacado de forma recorrente pelo Poder Executivo, é o efeito paralisante que uma CPI pode ter sobre a aprovação da agenda de reformas econômicas no Congresso.

“Chegaram a pedir na época uma CPI sobre o Banco Central, imagina o efeito disso numa economia sujeita à volatilidade como a nossa”, afirma Virgílio.

Outras CPIs menos impactantes os tucanos topavam, diz ele. A própria investigação sobre o Sivam ocorreu somente sete anos depois da eclosão do escândalo, e terminou com resultados pífios.

“O Fernando Henrique era muito habilidoso politicamente, na relação com o Congresso. Às vezes deixava a investigação para um momento mais calmo”, diz o ex-senador.

Diretor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Antônio Augusto de Queiroz diz que evitar CPIs é uma prioridade para todos os governos, porque o custo político delas é muito alto.

“Todo governo evita CPI, porque o custo é impagável. Vem chantagem de tudo quanto é ordem. Aumenta o poder de barganha dos parlamentares fisiológicos”, diz.

Ele afirma que hoje as CPIs competem em primazia com delações premiadas, forças tarefas do Ministério Público e operações midiáticas da Polícia Federal, que eram bem mais escassas há 15 ou 20 anos.

“As CPIs exerciam um fascínio que acabou. Como hoje é tudo muito transparente, temos as redes sociais, elas perderam muito da novidade de noticiar primeiro os fatos.”

Desde o mensalão, foram poucas as CPIs que tiveram impacto e, mesmo assim, nada remotamente comparável a como elas movimentavam o debate político em seus áureos tempos.

Entre as mais relevantes estiveram a CPI dos Caos Aéreo, de 2007, e a das Fake News, ainda em atividade, mas em banho-maria.

Isso não significa, diz Queiroz, que a da pandemia esteja destinada a ser mais uma decepção. “Quando CPI começa, você nem sempre consegue segurar, tem toda a visibilidade de mídia que ela proporciona.”

Baseado na experiência passada, convém a Bolsonaro não subestimar o poder de uma CPI, como fez Lula antes da instalação da comissão sobre o mensalão, em 2005.

“Olha para a minha cara pra você ver se eu estou preocupado com isso", disse ele, às vésperas do início da investigação que por muito pouco não destruiu seu governo.

VEJA OS NOMES DOS INDICADOS PARA A CPI DA COVID:

Ligados ao governo Bolsonaro: Ciro Nogueira (PP-PI), Jorginho Mello (PL-SC), Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos Rogério (DEM-RO)

Independentes ou de oposição: Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Omar Aziz (PSD-AM), Otto Alencar (PSD-BA), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP)​

Distribuição das vagas na CPI da Covid:

  • MDB, PP e Republicanos: 3 titulares e 2 suplentes
  • PSDB, Podemos e PSL: 2 titulares e 1 suplente
  • DEM, PL e PSC: 2 titulares e 1 suplente
  • PT e PROS: 1 titular e 1 suplente
  • PDT, Cidadania, Rede e PSB: 1 titular e 1 suplente​
  • PSD: 2 titulares e 1 suplente

Senadores suplementes: Jader Barbalho (MDB-PA), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Angelo Coronel (PSD-BA), Marcos do Val (Podemos-ES), Zequinha Marinho (PSC-PA), Rogério Carvalho (PT-SE), Alessandro Vieira (Cidadania-SE)

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