Descrição de chapéu Coronavírus

Bolsonaro poderia ter capitaneado a crise, mas há certa perseguição a ele, diz Zema, governador de Minas

Aliado próximo ao presidente aponta erros federais na pandemia, mas se esquiva de responsabilizar mandatário

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Belo Horizonte

Na mesa do gabinete, na Cidade Administrativa, sede do governo mineiro, Romeu Zema (Novo) tem enfileirados os jornais do dia, veículos nacionais e mineiros. Só consegue abrir para ler, diz ele, no fim do expediente, em casa.

No momento mais crítico da pandemia em Minas, os vídeos do governador no TikTok estão mais institucionais. Ele aparece com mais frequência agora nos stories do Instagram, onde compartilha frases que coleciona desde adolescente. “Vi que as pessoas gostaram e tenho feito diariamente”, diz.

Em março, Zema anunciou a criação da onda roxa, fase mais restritiva nos protocolos que orientam a flexibilização de atividades na pandemia —pela primeira vez, uma medida impositiva a todos os 853 municípios mineiros. Também viu seu secretário da Saúde cair por denúncias de fura-fila na vacinação dentro da pasta e se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Na última semana, Minas voltou a bater recorde de mortes, passando de 500 óbitos em um dia, e o próprio governador fez um alerta para a rede de saúde lotada em todo o estado.

Em entrevista à Folha, Zema afirma que o governo federal errou ao não centralizar a condução da pandemia, mas se esquiva de apontar responsáveis e defende Bolsonaro.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em seu gabinete durante entrevista à Folha
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em seu gabinete durante entrevista à Folha - Alexandre Rezende/Folhapress

No início de março, o senhor anunciou a criação da onda roxa. Foi uma mudança no tom de falas anteriores do senhor sobre enfrentamento à pandemia. Em abril do ano passado, o senhor disse que era preciso que o vírus viajasse um pouco. Neste ano, disse que quem sai às ruas poderia ser considerado assassino. O que mudou? O que mudou foi a pandemia. Nunca havíamos tido uma quantidade de casos, internações e óbitos tão elevada, e o colapso do sistema hospitalar. Você tem de tomar ações de acordo com a situação, não pode deixar pessoas sem atendimento médico. Está muito claro que essa nova cepa do vírus [a de Manaus], que é muito mais transmissível, veio com uma força maior que a primeira onda.

O senhor criticou várias vezes prefeitos que adotaram medidas mais rígidas de isolamento social, como foi o caso de Belo Horizonte, em falas no decorrer de 2020. Como vê essas decisões hoje? Vejo que o prefeito conhece a cidade dele melhor que eu. Cada cidade é um caso, não me cabe ficar criticando os prefeitos, mas houve casos extremos nos dois sentidos. Temos um acompanhamento diário dos 853 municípios, então fica fácil perceber o que alguns prefeitos parecem ignorar. Eu sei que eles sofrem uma pressão muito grande. Eu sei que não é fácil a vida dos prefeitos.

Em entrevista à Folha em abril de 2020, o senhor defendeu que o Brasil era um dos países que melhor estava conduzindo a pandemia no mundo. Nesta semana, o senhor afirmou: “O governo federal subestimou a periculosidade desse vírus. Deveria dar mais atenção ao inimigo. Nesse ponto houve uma deficiência, algo a mais poderia ter sido feito”. O que poderia ter sido feito? Primeiro, temos de contextualizar o Brasil no mundo. Vamos pegar mortes por milhão de habitantes e vamos ver que temos países até mais desenvolvidos, que têm mais recursos, e estão piores.

Na última quinta-feira (8), falando a jornalistas, o senhor usou esse parâmetro e disse que ficava claro que o desempenho do país não era bom. Está [ruim]. Como a nossa população é maior do que a grande maioria dos países, é de se esperar que venhamos a ter mais casos, como os EUA, que diga-se de passagem, é um país muito mais rico e, mesmo assim, teve dificuldades. Nós sabemos que, realmente, o que estamos vivenciando no Brasil poderia ter sido conduzido de uma forma melhor. Faltou uma unicidade na condução da pandemia, termos procedimentos —nós aqui temos orientação para os 853 municípios.

Faltou isso do governo federal, ele deveria ter tido um cuidado, ter chamado os governadores, os secretários de Saúde, “vamos definir um plano único para estarmos combatendo a pandemia”. Aqui em Minas, desde o início da pandemia, eu deixei a cargo da secretaria de Saúde, com especialistas.

Vejo que quem conduz um estado, um país, deve estar muito mais na posição de técnico do que de jogador, que é lateral direito, centroavante etc. Sem a centralização, governadores e prefeitos tiveram de assumir de uma forma um tanto quanto descoordenada a condução da pandemia.

Quem são os responsáveis por este algo a mais não ter sido feito? Eu vejo que é o governo federal, de um modo geral. Eu não arriscaria dizer nomes, até porque estou distante, não participei das reuniões, os nossos secretários de saúde, o ex e o atual, é que estavam. O que sempre falei é que faltou essa coordenação central. Eu me sinto incapacitado, desinformado para estar fazendo essa avaliação mais aprofundada.

O senhor é um dos governadores mais próximos a Bolsonaro, foi um dos únicos que não quis assinar cartas e notas críticas a ele sobre ações adotadas na pandemia. Como o senhor avalia o papel e a postura dele na condução da crise sanitária? Com relação às cartas, vamos deixar claro que assinei várias e não assinei várias. Muitas vezes, elas têm um cunho político e, como eu tenho contato com os ministros, é muito mais fácil se comunicar do que escrever cartas. Há um número expressivo de governadores que fazem uso desse instrumento, respeito, mas vejo que você sentar, dialogar, pode ser muito mais produtivo do que ficar escrevendo. Muitas pessoas querem mais visibilidade do que solucionar o problema.

Mas como o senhor avalia o papel e a postura de Bolsonaro na condução da crise? Ele poderia ter capitaneado essa questão de ter centralizado o combate à pandemia. Ter chamado para o governo federal, é um inimigo que não conhecemos tão bem, vamos tomar todos os cuidados e, principalmente, ter colocado um ministro da Saúde com mais autonomia para decidir.

O senhor o defendeu anteriormente de críticas, disse à Folha que não concordava com a forma como batiam nele [Bolsonaro]. O que acha das críticas atuais, que o chamam, inclusive, de genocida? Eu acho que são exageradas. Se for esse o caso, podemos ter situação semelhante em vários países, que têm taxas de óbitos maiores que o Brasil. Aqui no Brasil mesmo temos estados que têm taxas de óbitos completamente diferentes de outros, e cidades também. Não vi nenhum governador ser chamado de genocida e nenhum prefeito. Me parece que há uma certa perseguição a uma pessoa. Ficar xingando, acusando a esta altura do campeonato não vai melhorar a situação.

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, determinou que o Senado instalasse a CPI da Covid, para apurar se houve omissão do governo. O senhor acha a comissão necessária ou há interferência entre Poderes? Opinião minha, dentro do Estado já temos uma série de controles, órgãos específicos para tratar de controles, como o TCU ou TCE, o MPF, os MPs estaduais, a CGU. Será que esses órgãos já não são suficientes para fazer as apurações?

Eu questiono se não está havendo uma super-redundância em apurações. O setor público vive muito dessa questão de apontar o dedo. Temos reforma tributária, administrativa paradas, uma reforma talvez política, eleitoral, que [o Congresso] poderia aperfeiçoar, isso vai ficar congelado.

Como avalia o papel do Supremo na crise? O Brasil continua sendo esse país em que muitas vezes, por ausência de um Legislativo que legisla, o Judiciário começa a legislar. Uma deficiência leva à outra. Ainda há essas interferências indevidas que precisavam ser mais bem conduzidas, cada um assumir de fato seu papel.

As cortes em outros países trabalham em silêncio, julgam só casos expressivos. Aqui nós temos uma Constituição disfuncional, caso de um traficante de drogas vai ocupar um ministro do Supremo. Na minha opinião, ele deveria tratar só de questões constitucionais. A culpa é de um modelo que foi sendo construído nas últimas décadas. A Constituição de 1988 deixou algumas coisas difíceis de serem alteradas, que provocam tanta ineficiência.

​O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), entrou com ação no STF para que Bolsonaro explique uma fala sobre o uso de repasses do governo federal ao estado para a saúde. O senhor foi um dos governadores que não assinou nota de repúdio ao presidente depois de uma publicação em que ele listava os repasses a cada estado. Eu não sou especialista em contas públicas, então, não cabe a mim —até acho que conheço um pouco mais que o cidadão leigo, mas há diversas interpretações.

Num momento de pandemia, em que deveríamos estar unidos para combatê-la, temos visto muitas ações dessa, em que as pessoas estão querendo mostrar que fizeram mais ou que o outro fez menos e ficam nessa questão. Eu estou aqui para combater a pandemia e não para estar entrando nesse tipo de dilema. Se o presidente falou que repassou para Minas R$ 5, R$ 10 ou R$ 15 bilhões, eu sei que o governo federal ajudou.

O senhor disse que o ritmo da vacinação em Minas está lento por questões das prefeituras, mas alguns prefeitos responderam que doses são insuficientes. Como avalia o tempo que o governo levou para negociar as vacinas? Com relação às prefeituras, temos muitas eficientíssimas na vacinação, e outras em que a questão não evoluiu. Temos que lembrar que todo país do mundo hoje gostaria de ter mais vacinas do que tem. Não é exclusividade do Brasil. Talvez poderíamos estar melhor, mas mesmo que tivéssemos acertado mais no passado, seria pouco provável que estivéssemos com tudo solucionado.

O senhor disse em 2019 que o alinhamento com o governo Bolsonaro estava na pauta econômica. Isso se mantém? O governo Bolsonaro assumiu com propostas de privatização, de uma economia mais livre, acreditamos nisso, mas temos visto uma dificuldade muito grande. Sei que muita coisa depende do Congresso. Aqui em Minas, concessão de rodovias, concessão de aeroporto, só esse ano que vamos conseguir fazer. No governo federal, não é diferente. Continuo alinhado com a pauta do ministro [Paulo] Guedes, acreditamos muito em responsabilidade fiscal.

Minas demitiu em março o secretário da Saúde devido a denúncias de fura-fila na vacinação, quando o próprio secretário Carlos Eduardo Amaral e o adjunto dele, Marcelo Cabral, foram imunizados. O senhor afirmou que não sabia do caso. Foi cogitado que o senhor também fosse imunizado? Se procurar nas minhas redes sociais, vai ver um vídeo em que eu digo que quero ser vacinado, quando chegar a hora e com a vacina que estiver disponível. Se é aprovada pela Anvisa, não tenho nenhuma restrição.

Desde que o processo de vacinação começou, eu sempre disse ao secretário que íamos acompanhar o PNI [Programa Nacional de Imunização] e ele me disse que era o que estava fazendo. Nenhum secretário meu foi vacinado, exceto o de Saúde, que alega que o motivo é por ser médico e porque estava sempre dentro de hospitais.

Em BH, nas últimas semanas, veio à tona o caso de uma suposta enfermeira que teria vacinado empresários de forma ilegal. O senhor é empresário, qual sua posição na discussão sobre aquisição de vacinas por entes privados? Sou contrário. Na minha opinião, uma vacina que salva vidas deve ser exclusividade de nações que têm de ter critérios de vacinação, como foi criado aqui no Brasil. Senão, vamos cair numa situação em que vai se salvar quem tem mais dinheiro. Seria mais uma desigualdade provocada por questões financeiras.

A Polícia Militar de Minas, segundo reportagem do Estado de Minas, elaborou um protocolo sugerindo o chamado “tratamento precoce”, com uso de hidroxicloroquina e ivermectina, entre outros, que não têm eficácia científica comprovada. O senhor, como governador, apoia esse protocolo? Não sou médico. Mesma coisa que você me perguntar se eu quero revólver calibre .38 ou .40 para essa operação. Não estou apto. Profissionais de saúde é que tem que responder.

O senhor usaria esses medicamentos? Se o meu médico recomendasse, usaria.

Houve um telefonema entre o senhor e o prefeito Kalil em março, mas o senhor deu uma alfinetada nele esta semana ao falar sobre municípios não pararem de vacinar nos fins de semana [BH fez isso no fim de semana de Páscoa]. O prefeito disse algumas vezes que o senhor teria um gabinete do ódio que causou o afastamento. Como está a relação entre vocês? O nosso relacionamento é bom, civilizado, não tenho nada contra o prefeito Kalil e, na minha opinião, temos de trabalhar juntos neste momento de pandemia. Eu desconheço [gabinete de ódio]. Se tiver aqui é gabinete do amor.

Kalil é apontado como um nome para disputar o governo do estado no ano que vem. O senhor pretende concorrer à reeleição? Neste momento de pandemia, não é hora de se falar em reeleição, mas, pela velocidade das reformas que temos conseguido em Minas Gerais, eu muito provavelmente serei candidato porque quero deixar meu trabalho completo. Quatro anos eu já vi que não serão suficientes.


Em entrevista à rádio Itatiaia, João Amoêdo disse que tinha dificuldade de ver o senhor sendo candidato pelo Novo, pelo fato de o senhor entender a gestão Bolsonaro como positiva. Como está sua relação hoje com o Novo? Pensa em deixar o partido, como fez seu vice, Paulo Brant? Não penso em deixar o partido. Eu falo que os problemas do Novo são pequenos perto do que outros partidos enfrentam, como problemas de parlamentares envolvidos em escândalos. É raríssimo algum partido ter propostas e acreditar.

Então, o Novo é um partido diferenciado que está muito acima da média. Temos opiniões divergentes? Temos. Mas até com a esposa a gente tem também. Faz parte da vida, temos de ir tocando. A relação segue boa, civilizada, com algumas divergências, o que é normal e até produtivo.

O senhor já disse ser contra o impeachment do presidente. Apoiará a reeleição dele, como em 2018? Está muito longe, vamos aguardar. A política muda de um dia para o outro.

Qual a maior preocupação do governador de Minas hoje? É com a vacinação. Só vamos voltar a ter uma vida normal, a conseguir planejar melhor o futuro, na hora que equacionarmos esse problema de saúde, que é mundial.

Raio-X

Romeu Zema, 56

  • Natural de Araxá (MG)
  • Formado em administração pela Fundação Getulio Vargas
  • Dono do Grupo Zema, que tem negócios nas áreas de varejo e combustíveis, entre outras
  • Foi eleito governador em 2018, na primeira eleição que disputou
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