Com orçamento apertado, Incra mapeia parlamentares atrás de verba de emendas

Autarquia federal fez levantamento com senadores e deputados mais votados onde há projetos de assentamentos rurais

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Brasília

Com o orçamento apertado, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) tem mapeado parlamentares em busca de verba de emendas para projetos de assentamentos. Segundo a pasta, esses recursos orçamentários são importantes para não paralisar os serviços.

Para isso, a autarquia fez um levantamento com os parlamentares mais votados nas cidades em que há projetos de reforma agrária. A reportagem teve acesso ao relatório produzido pela pasta no primeiro semestre do ano passado.

Ele foi feito a pedido do diretor de Gestão Estratégica. Na época, a área era comanda por Edmilson Alves, que atualmente atua como chefe da Assessoria Especial de Relações Governamentais e Institucionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

O documento cita o nome dos três deputados eleitos e do senador mais votados em 1.868 cidades com projetos de assentamentos. Entre os mais citados estão os deputados Otto Alencar Filho (PSD-BA) e Raimundo Costa (PL-BA) e o senador Weverton (PDT-MA). Além disso, cita a quantidade de famílias beneficiadas por região.

O objetivo do levantamento seria de fazer lobby com deputados e senadores com atuação nos municípios onde existem esses assentamento, com a intenção de obter recursos para reforçar o orçamento da autarquia.

O Incra informou, em nota, que atende a quase 1 milhão de famílias beneficiárias do programa de reforma agrária, que necessitam de políticas públicas de apoio à produção e de infraestrutura.

“É de fundamental importância a ajuda de parlamentares para garantir que os serviços oferecidos pela autarquia não sejam paralisados”, disse em nota.

O Incra informou ainda que esse tipo de mapeamento faz parte da rotina de trabalho das assessorias parlamentares dos órgãos públicos que atuam junto ao Congresso Nacional.

Um levantamento realizado pela Folha mostra, entretanto, que os valores arrecadados por ano com emenda nesta gestão ainda não superaram o da anterior.

Em 2017, ano com maior arrecadação através de emendas, foram R$ 340,5 milhões destinados ao Incra. Já na gestão atual, o maior valor arrecadado foi em 2020, com R$ 136,2 milhões.

A reportagem ouviu parlamentares ligados ao tema e que tiveram o nome citado na lista. Eles disseram que está havendo pouca procura de profissionais do órgão por emenda.

O deputado Marcon (PT-RS) disse que o Incra não o tem procurado e desconhece o relatório. No entanto, direciona parte do que tem direito para assentamentos, quilombolas e indígenas.

“Destino 40% das minhas emendas para esse público. Mas não concordo que deputado fique distribuindo emenda, acredito que o nosso papel é legislar.”

Integrantes do gabinete do senador Weverton (PDT-MA) disseram que o Incra procura o parlamentar para conseguir recursos, mas a prática tem sido reduzida. “Em outros anos era comum solicitar recursos e emendas por parte do Incra, mas neste ano não recebemos”, disse.

Segundo servidores ouvidos pela reportagem, por conta do orçamento que vem reduzindo e ficando cada vez mais apertado, a busca por emenda é uma prática que ficou comum e necessária para conseguir manter não só a área de assentamentos, mas também outros trabalhos da pasta.

A previsão é que o orçamento cresça neste ano, no entanto isso não ocorrerá de forma proporcional em todas as áreas. O orçamento em 2020 foi de R$ 3,3 bilhões, já para 2021 a previsão é de R$ 3,9 bilhões.

Para a consolidação de assentamentos rurais, o orçamento passará de R$ 77 milhões em 2020 para R$ 207 milhões em 2021, apesar de a previsão inicial ter apontado que ele seria reduzido.

Já a assistência técnica e extensão rural, por exemplo, tem previsão de redução de orçamento, passando de R$ 82 milhões no ano passado para R$ 73 milhões neste ano.

Reportagem da Folha já havia mostrado que na gestão do atual governo houve, ainda, menos famílias assentadas do que em dois anos de Michel Temer. E bem menos assentamentos do que nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff.

Além disso, nunca houve orçamento tão baixo para aquisição de terras. O governo Bolsonaro destinou apenas R$ 12,2 milhões para a aquisição de terras em 2020. Em 2011, eram R$ 930 milhões, ou R$ 1,6 bilhão, quando corrigidos pela inflação.

O orçamento nesses últimos anos tem prejudicado diversas políticas do órgão. Sob Bolsonaro, os quilombos tiveram o menor orçamento em uma década.

A Constituição de 1988 assegurou aos quilombolas o direito à regularização fundiária. O processo, no entanto, tem sido moroso e somente 317 das 3.456 comunidades quilombolas reconhecidas estão regularizadas, 9% do total.

Sem mudanças normativas, a paralisação está ligada principalmente à queda acentuada do orçamento. Em 2020, o limite autorizado para a Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas foi de apenas R$ 2,9 milhões, o menor valor em pelo menos uma década.

Em artigo publicado no ano passado, a Cnasi (Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra) afirma que a autarquia completou 50 anos "em um dos piores momentos de sua história, com enorme retração de seu orçamento, abandono das ações de democratização de acesso à terra e um terço dos servidores que tinha na sua fundação".

De acordo com a entidade, os atuais gestores atuam unicamente para entregar títulos de propriedade a assentados da reforma agrária e a posseiros que ocupam terras da União, "com destaque para áreas da Amazônia Legal".

No atual governo, o Incra passou a ser subordinado ao Ministério da Agricultura, controlado pelos ruralistas e sob o abrigo do qual está a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, chefiada pelo pecuarista Nabhan Garcia, um antigo adversário do MST.

A ministra Tereza Cristina (Agricultura) e o próprio presidente do Incra, Geraldo José da Camara Ferreira de Melo Filho, são ruralistas.​

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