CPI tem de ser contraponto ao negacionismo e adotar narrativa que salve vidas, diz líder do MDB

Senador Eduardo Braga (AM) afirma que comissão deve ser didática e afirma que investigar estados sem provas é perseguição

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Brasília

Líder da maior bancada do Senado, o MDB, e membro titular da CPI da Covid, o senador Eduardo Braga (AM) afirmou que um dos principais objetivos do colegiado deveria ser criar uma narrativa positiva a respeito do enfrentamento da pandemia, contrapondo o negacionismo de Jair Bolsonaro (sem partido).

"[Seria] uma narrativa que salve vidas, porque até aqui a nossa narrativa levou a 400 mil mortos", afirmou em entrevista à Folha. "Nós podemos ser um contraponto a tudo isso."

A bancada que Braga lidera está no centro de um embate com o Palácio do Planalto, por causa da composição da CPI.

Apesar de ser alinhada com o governo Bolsonaro em votações e abrigar os dois principais líderes governistas no Congresso, o MDB tem dois independentes na comissão: ele próprio e o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (AL).

Renan ainda foi alçado a relator da CPI, mesmo sendo alvo de ofensiva política e judicial para evitá-lo no cargo.

"É um erro político grande [tentar tirá-lo]", afirmou Braga, que, por outro lado, condena rumores de que alguns estados possam ser alvo de operações da Polícia Federal, como Alagoas, governado por Renan Filho (MDB). "Se não tem fundamento nenhum [para investigar], aí tem outro nome." No caso, perseguição.

Representante de um dos estados focos da CPI, por causa do colapso na saúde do Amazonas, Braga afirmou que houve crimes por parte de autoridades locais, mas também condenou a falta de planejamento do Ministério da Saúde e a política do ex-chanceler Ernesto Araújo, que criou um obstáculo para a chegada de cilindros de oxigênio.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM)
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) - Waldemir Barreto - 12.fev.16/Agência Senado

Como o sr. vê as ações dos governistas para tirar Renan da relatoria por vias políticas e judiciais? É um erro político grande, porque o Renan é um senador da República no pleno exercício do seu mandato, sem nenhum impedimento. Foi escolhido relator da CPI. É um senador experiente, quatro vezes presidente do Senado, há 28 anos no Senado da República.

Portanto é um erro, um equívoco grande da estratégia dos aliados do governo de judicializar uma disputa para tentar tirar, não só o Renan, mas também o Jader [Barbalho (MDB-AP)], que é um outro senador experiente.

A CPI EM CINCO PONTOS

  • Foi criada após determinação do Supremo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

  • Investiga ações e omissões de Bolsonaro na pandemia e repasses federais a estados e municípios

  • Tem prazo inicial (prorrogável) de 90 dias para realizar procedimentos de investigação

  • Relatório final será encaminhado ao Ministério Público para eventuais criminalizações

  • É formada por 11 integrantes, com minoria de senadores governistas

Qual a visão do sr. sobre a acusação de suspeição por esses senadores serem pais de governadores, que serão indiretamente investigados pela CPI? Está previsto no Código de Processo que, se você se julgar impedido, outro vai te substituir. Já tem um procedimento pacificado sobre o tema.

E, no caso de Alagoas, não há nem sequer uma investigação sobre absolutamente nada do estado. Não se tem um traço, uma linha, uma informação sobre esse tema.

Alagoas não está na mira da CPI, mas senadores sugerem que o estado pode se tornar um alvo da comissão. Mas tem de ter fundamento para tal, base legal para tal. Eu não posso decidir: "Ah, vou investigar o fulano".

Se eu não tenho nenhum fundamento e nenhuma base legal para investigar, essa investigação tem outro nome. Então não é assim: "Os governistas vão decidir que vão perseguir o estado de Alagoas". Não é assim.

O outro nome é perseguição, abuso de poder? Sim, claro.

Caso Alagoas e Pará venham a ser alvo de investigação, o próprio Renan já disse que é suspeito, ele não participa. Há esse compromisso com os membros da CPI? Claro, ele já declarou.

Qual deve ser o primeiro foco da CPI? O primeiro foco é estabelecer uma cronologia dos fatos desde o início da pandemia, ouvindo cronologicamente os ministros da Saúde. E, ato contínuo, a Anvisa. Porque temos de entender a questão das vacinas, das barreiras sanitárias, do desabastecimento do oxigênio, do desabastecimento dos kits de intubação, do desabastecimento de medicamentos para o tratamento da Covid.

Temos de entender até onde se foi com a questão da compra de cloroquina, do uso de tratamento precoce inadequado, uso de fake news para aplicação de medicamentos que não têm base científica.

Qual a visão do sr. sobre as falas do ex-secretário Fabio Wajngarten, que afirmou que estava à frente da negociação para comprar vacinas da Pfizer e que não foi concluída por incompetência do Ministério da Saúde? Comprova inação do governo? A questão terá de ser avaliada e investigada. O que a gente sabe foi o que nós vimos na entrevista dada por ele.

É óbvio que é um indício, mas que não temos nenhuma comprovação até agora. Esta CPI é diferente das outras porque elas eram sobre fatos ocorridos e esta é sobre fatos ocorridos e que estão ocorrendo.

Mais uma coisa importante: essa CPI trata de uma investigação sobre perda de vidas de brasileiros que lamentavelmente e tristemente chega aos 400 mil no mês de abril. E tudo indica que teremos graves e sérios problemas.

Portanto, importa a narrativa que as pessoas vão ter a partir de agora, tanto sobre o comportamento pessoal como o coletivo, no sentido de se proteger e de usar álcool em gel, manter o distanciamento. No sentido de que não haja um discurso negacionista em torno da pandemia —porque creio que isso foi responsável por boa parte do que está acontecendo. Acho que a CPI tem um papel preponderante nisso.

Temos também de entender por que a Anvisa rejeitou o registro de algumas vacinas.

O sr. acha que a CPI vai ter uma função didática então? Vai. De liderar o processo de conduta da população. A liderança tem de ser afirmativa. Acho que nesse sentido a CPI vai contribuir muito.

Vai apresentar uma outra narrativa que não a do presidente, esse é o ponto? Acho que é apresentar uma narrativa que salve vidas, porque até aqui a nossa narrativa levou a 400 mil mortos.

Ao fim da CPI, o que vai constar do relatório? Não tenho como prever o que vai constar do relatório que vai ser escrito daqui a 90, 120, 180 dias. O que eu posso dizer é que eu defendo que, concluído um ciclo de apuração, o relator avalie termos relatórios preliminares.

Após ouvirmos o Mandetta, por exemplo, se encontrarmos um caminho de alguma solução, eu defendo que um relatório preliminar seja aprovado e que a gente encaminhe imediatamente para as providências.

Fato determinado do requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para abrir a CPI é justamente o colapso que ocorreu no sistema de saúde no seu estado. Quais foram os motivos que levaram a esse problema? Aí não é questão política, é questão policial.

Certo, mas há indícios, já houve operações. Já há até denúncia do Ministério Público Federal sobre o estado do Amazonas, que acabou de envolver o governador, vice-governador e mais 16 autoridades.

Essa denúncia envolve desvio de dinheiro público federal, compra de respirador numa loja de vinho. Isso é a ponta de um iceberg. Nisso o governo federal tem zero de responsabilidade. Ele repassou o recurso e todo o processo foi feito pelo governo estadual.

E sobre os alertas que foram repassados ao Ministério da Saúde com antecedência sobre a falta de oxigênio? Aí a minha opinião é que faltou planejamento, faltou posicionamento, articulação. A forma ali era trazer oxigênio da Venezuela e suprir o meu estado imediatamente.

Isso leva a um outro erro: o erro da diplomacia brasileira, que acabou criando problema com os nossos vizinhos, criou problema com a Índia, com a China, com o próprio Estados Unidos quando tomou partido na eleição de lá.

Saindo do Amazonas, como que o sr. vê a condução do governo federal no enfrentamento da pandemia? Houve erros? E quais foram? Para nós chegarmos a 400 mil mortos, como nós chegamos, é claro que faltou muita coisa, né? Acho que uma coisa básica é mudança de comportamento individual e coletivo.

Nós deixamos de comprar vacina quando tinha a vacina para comprar. E aí, quando fomos comprar, faltava a vacina. Com isso nós acabamos atrasando o nosso plano de vacinação.

E, de novo, a narrativa para a população aí é fundamental. Veja, tem gente que está convencida de que não deve tomar a vacina. Isso é lógico? Isso é racional?

O próprio presidente lançou suspeitas sobre a segurança da vacina. Não só ele. Ele e outras pessoas. Eu defendo é que nós sejamos um contraponto a isso. Se nós não mudarmos o nosso comportamento, de que adianta termos a CPI se daqui a 60, 90, 180 [dias] os números de mortos continuarem os mesmos?

Se a CPI adotar esse estilo que o senhor propõe para criar uma narrativa como contraponto à do presidente, como fica a relação de governo e Congresso? Não estou preocupado com isso. Eu estou preocupado em salvar vidas. Não tem a menor importância neste momento. O que tem importância nesse momento é cada um de nós fazer tudo que pudermos para salvar vidas.

E o sr. falou de ser menos politizada a CPI, mas estamos numa comissão onde a maior parte membros são pré-candidatos a governos do estado. Quem quiser partidarizar e politizar essa pandemia não terá futuro político.

O sr. é pré-candidato ao governo Amazonas? Não, eu sou pré-candidato a ajudar a salvar vidas no meu estado e aqui. É o que eu tenho buscado fazer. Acho que política nós temos de discutir no ano que vem e, se Deus quiser, sem pandemia.

Mas o sr. vai pregar uma investigação rigorosa do seu estado. Todo homem público tem de estar disposto a ser investigado.

E o governo chegou a pedir para o sr. não indicar o Renan Calheiros e o Jader na CPI? Não. Tem de ser justo. Eu não fui procurado por ninguém para influenciar na escolha disso, daquilo, daquilo outro.

Os indiquei por questão de critério de quem assinou a CPI e, segundo, quem pediu para participar da CPI.

Raio-X

Eduardo Braga, 60
É engenheiro eletricista, formado pela Universidade do Amazonas. Começou a carreira na política como vereador no Amazonas. Em seguida, foi eleito deputado federal, mas renunciou para assumir o cargo de vice-prefeito de Manaus. Foi governador do Amazonas de 2003 a 2010. Desde 2011 é senador e está no segundo mandato

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