Descrição de chapéu Palanque Bandeirante

De olho em 2022, Doria agora troca segurança e 'BolsoDoria' por saúde e campanha anti-Bolsonaro

Depois do rompimento de policiais, governador de SP pretende explorar nova marca em próxima eleição

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Enquanto a segurança pública foi uma área de destaque nas promessas do governador João Doria (PSDB) em sua campanha de 2018, quatro anos mais tarde, em 2022, a plataforma política do tucano terá a vacina, a saúde e a retomada da economia como protagonistas.

Na eleição passada, o discurso de valorização da polícia serviu ao propósito de se associar à base eleitoral de Jair Bolsonaro —foi mais uma estratégia da costura BolsoDoria.

Agora, quando o governador se vende como o principal opositor do presidente, a pauta da pandemia é a mais adequada para a tática do candidato anti-Bolsonaro.

A mudança, claro, foi imposta pela tragédia provocada pelo coronavírus no Brasil, mas Doria não poderia repetir o enredo da segurança pública nem se quisesse. As pontes com o setor, segundo policiais ouvidos pela Folha, foram implodidas.

A principal razão apontada é o aumento salarial de 5% para a categoria, quando a promessa era a de que São Paulo teria a segunda polícia mais bem paga do país até 2022.

Membros da governo já admitem que a meta não deve ser alcançada e atribuem à pandemia esse revés. Mas a gestão Doria lista uma série de iniciativas na segurança pública, como pagamento de bônus por produtividade, inauguração de Baeps (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) e compra de pistolas, drones e viaturas blindadas.

O Orçamento de 2021, no entanto, mostra que Doria cortou cerca de 40% da verba prevista para novos Baeps, Deics, delegacias da mulher 24 horas, bases comunitárias móveis e aparelhamento das polícias.

Auxiliares do governador dizem que a segurança não foi escanteada, e que Doria inovou ao manter reunião semanal com o chefe da pasta, general João Camilo Campos. ​

Doria ainda fez um relevante aceno aos policiais ao incluí-los de forma prioritária no calendário de vacinação a partir deste mês, assim como os professores.

Nada disso, no entanto, parece sensibilizar a tropa. A simpatia dos policiais com Bolsonaro ajuda a moldar a visão de que Doria traiu e usou a categoria —num contexto prévio de animosidade de funcionários públicos com gestões tucanas no estado.

Por um lado, se o figurino de amigo da polícia e aliado de Bolsonaro já não lhe cabe, Doria teve vitórias incontestes na área da ciência e da saúde —ponto crucial para diferenciá-lo do negacionismo bolsonarista.

O governador é reconhecido nacionalmente por ter viabilizado a Coronavac, a primeira vacina distribuída em larga escala no país. No fim de março, também anunciou a fase de testes da Butanvac, imunizante que será produzido pelo Instituto Butantan em território nacional.

O vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM), diz que a marca da gestão será "o governo que viabilizou a vacinação dos brasileiros". "O estado é modelo no enfrentamento da pandemia", completa, mencionando o Plano SP e o comitê de contingenciamento.

Para Garcia, que pretende concorrer ao governo do estado, o foco da campanha em 2022 deve ser emprego e renda.

Se a pauta da segurança pública agrada a uma base militante sectária, a defesa da vacina e o combate à pandemia têm caráter de "frente ampla", tanto que as conquistas do Butantan foram comemoradas da esquerda à direita.

Doria capitaliza o tema —posou na foto da primeira vacina, acompanha as entregas de lotes, viajou pelo estado durante a vacinação, deu entrevistas a veículos estrangeiros, trabalha pelo protagonismo da frente de governadores e ainda fustiga Bolsonaro em entrevistas e redes sociais. "Grande dia", tuitou a respeito da Butanvac.

Está em curso a metamorfose do João trabalhador, de 2016, para o João vacinador, de 2022. Pelo Twitter, o governador responde a detratores "vou te vacinar também", além de assumir e explorar o xingamento bolsonarista "calça apertada".

Aliados afirmam que o tucano é visto como a figura pública mais empenhada no combate da pandemia, principal defensor da vida, da ciência, da democracia e da vacina, e que esse ativo atinge os quatro cantos do país.

Tucanos veem ainda liderança de Doria em ações de restrições e uso de máscara nos demais estados.

Doria, que mira o Palácio do Planalto desde antes de se tornar governador, tem na nacionalização de seu nome um dos entraves para a candidatura à Presidência da República, problema que a vacina ajuda a solucionar.

O tucano, porém, já admite também concorrer à reeleição, num cenário em que seu campo político tem congestionamento de nomes e está esmagado pela polarização entre Bolsonaro (sem partido) e Lula (PT).

Além da vacina em si, o governo Doria lista outras conquistas no campo da saúde, como ampliação dos leitos de UTI de 3.500 para 9.000 (até o fim de março), o investimento de R$ 1,6 bilhão do caixa do estado, a distribuição de 4.000 respiradores comprados ou doados, a construção da nova fábrica do Butantan com verba da iniciativa privada e a entrega dos hospitais Estadual de Serrana e Regional do Litoral Norte e da AME de Campinas.

​A gestão da pandemia pelo tucano, contudo, também foi alvo de críticas —não só pela base negacionista do presidente, que promove manifestações rotineiras contra Doria, mas também por especialistas.

Quem analisa o comportamento de Doria lembra que ele cedeu a pressões do comércio, dos prefeitos, das escolas e das igrejas em ocasiões diversas, deixando de ouvir seu conselho de médicos e especialistas. Proporcionalmente, São Paulo é o 10º estado com mais mortes no país.

O discurso de defesa da ciência ficou comprometido com o corte feito pelo tucano de R$ 454,7 milhões no orçamento da Fapesp, que acabou sendo revertido após pressão da opinião pública.

Com a pandemia, a gestão Doria cortou recursos para abertura de unidades de saúde prometidas e chegou a improvisar com leitos de campanha em locais onde hospitais estão para ser entregues.

Mas o maior estrago de imagem para o governador se deu no anúncio equivocado das vacinas. Na Coronavac, alardeou eficácia de forma picotada, e o número global só veio depois: 50,38%. Já a Butanvac foi propagandeada como 100% brasileira, mas teve tecnologia importada dos EUA.

Em ambos os episódios, aliados e detratores de Doria avaliaram que sua já conhecida obsessão por marketing e a instrumentalização política da pandemia conseguiram estragar um anúncio positivo e ainda deu munição para ​os sabotadores da vacina.

Por outro lado, as ações de Doria também deixaram claro que o Planalto está a reboque de São Paulo na vacinação.

"Se não tivéssemos o empenho do governador, o Brasil provavelmente não teria começado sua vacinação efetiva", afirma Francisco Balestrin, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo.

"Se isso será suficiente para ele se candidatar, é outra história, não sei dizer. Mas a aposta na saúde foi correta e na contramão do 'mainstream' político."

O médico lembra, todavia, atitudes de Doria que "constrangeram o SUS no momento mais terrível", como aumento do ICMS para produtos hospitalares e o corte de 12% em repasses de convênios a Santas Casas, hospitais filantrópicos e outras entidades da saúde.

"Foi a surpresa negativa. Mas a vacina é espetacular, um legado nacional, um presente que o governador e os cientistas deram ao Brasil", completa.

O infectologista Marcos Boulos, do comitê que aconselha Doria, problematiza o legado, já que será preciso investimento em recursos humanos para manter a ampliação do sistema de saúde.

O médico avalia que Doria enfrentará resistência ao capitalizar com a pandemia, pois São Paulo também viveu colapso na saúde e já que o principal mérito da vacina é do Butantan.

"Doria vai usar isso, mas a vacina aconteceria independentemente do governo. O Butantan tem sua vida própria, e seus recursos vêm do Ministério da Saúde", diz. ​

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que é médico, diz que Doria e os demais governadores tiveram postura mais responsável, mas que isso e a vacina são "insuficientes para ele se afirmar como alternativa a Bolsonaro".

O petista diz que é preciso ter um posicionamento mais amplo, de enfrentamento do desemprego e do desmonte da política externa.

Se Doria enfrenta críticas na sua nova zona de conforto, no seu reduto anterior, o da segurança pública, os policiais se consolidam como força de oposição. Um coronel da PM afirma de forma reservada que a base política do governador na tropa "é abaixo de zero", que seu grau de aceitação é pior do que o de tucanos anteriores e que ele "não angariou nenhum adepto e não vai ter nenhum voto".

Os deputados estaduais Coronel Telhada (PP) e Major Mecca (PSL) afirmam que Doria não pode mais se escorar na bandeira da segurança pública, pois o sentimento da tropa é de desgosto, insatisfação, repulsa e que o tucano tem uma imagem terrível e a credibilidade afetada.

Eles criticam o remanejamento de policiais para abertura de novos batalhões e dizem que a entrega de equipamentos é apenas obrigação.

A questão do salário foi fatal. "​Era um pacto, e Doria rompeu", diz Mecca. "Se ele vier falar em segurança em 2022, fica mais do que provado que é um cara de pau. A 'big apple' das mentiras foi o salário, foi a maior mentira depois de dizer que era bolsonarista", afirma Telhada.

"Doria quer ser o Robin Hood da vacinação, mas sabemos que ele está usando a pandemia como campanha política", completa o coronel.


Doria e a Saúde

PONTOS BAIXOS

  • Anúncio errático das vacinas, omitindo eficácia da Coronavac e, depois, omitindo parceria com os EUA na Butanvac
  • Corte de R$ 454,7 milhões da Fapesp, medida que foi revogada após pressão
  • São Paulo é o 10º estado em número de mortes na pandemia
  • Aumento no ICMS de produtos hospitalares
  • Corte de 12% nos convênios de saúde para Santas Casas, hospitais filantrópicos e outras entidades
  • Suspensão do planejamento de novas unidades AMEs e Rede Lucy Montoro por causa da pandemia (está prevista a inauguração até 2022 de duas unidades da Rede Lucy Montoro, de Taubaté e Diadema)
  • Uso de dois futuros hospitais (Bebedouro e Bauru) como hospital de campanha

PONTOS ALTOS

  • Vacina do Butatan liderando a campanha nacional de imunização
  • Aumento dos leitos de UTI de 3,5 mil para 9 mil no fim de março
  • Aquisição de 4 mil respiradores por meio de compras e doações
  • Nova fábrica do Instituto Butantan, a ser inaugurada em setembro
  • Inauguração do AME (Ambulatório Médico de Especialidades) de Campinas (Taubaté e Avaré devem ser inaugurados até 2022)
  • Reforma de 36 UBSs e inauguração de 41 novas
  • Entrega dos novos hospitais Estadual de Serrana e Regional do Litoral Norte (Hospital Pérola Byington e Hospital Regional de Barueri devem ser entregues até 2022), além de 28 hospitais em reforma

Doria e a Segurança Pública

PONTOS BAIXOS

  • Promessa de que SP teria a segunda polícia mais bem paga do país, enquanto aumento dado até agora é de apenas 5%
  • Pagamento de bônus visto como forma de maquiar promessa não cumprida sobre melhores salários
  • Cortes de até 45% no orçamento de 2021 para ações como novos Baeps, novos Deics, reformas de unidades das polícias e compra de equipamentos
  • Críticas a Bolsonaro, já que é grande o alinhamento ideológico de policiais com o presidente; enquanto Doria é visto como traidor por se aproveitar de aliança eleitoral e depois fazer oposição
  • Desgaste do funcionalismo público com o PSDB
  • Visão dos policiais de que Doria usa a pandemia para fazer política e receio de que sejam obrigados a prender pessoas que descumpram restrições

PONTOS ALTOS

  • Inclusão de policiais no programa de vacinação
  • Efetivação de 10.025 policiais (mais 11.300 podem ser efetivados até o final de 2022)
  • Criação de 9 Baeps (há 14 no total, que atendem 98% das cidades do estado, e meta é chegar a 22)
  • Aumento de 50% bônus por produtividade e pagamento de R$ 232,4 milhões a 143.521 policiais
  • Criação de 9 delegacias 24 horas (há 10 no total, mas promessa de campanha é que delegacias em geral seriam 24h)
  • Criação 12 Deics regionais (promessa de campanha eram 10)
  • Entrega de equipamentos: 105 drones, 55.900 pistolas semiautomáticas, 1.300 fuzis, 3 mil câmeras de colete e 175 viaturas blindadas
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.