Lula está de alma lavada com decisão, diz presidente do PT; defesa vê retorno de credibilidade da Justiça

Gleisi Hoffmann afirmou que haverá 'eleições livres' em 2022; no Congresso, opositores criticaram e aliados do petista defenderam STF

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São Paulo e Brasília

A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e a defesa do ex-presidente Lula classificaram como histórica a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quinta-feira (15) que manteve as anulações das condenações do petista na Lava Jato e o liberou para disputar as eleições de 2022.

"Ele está feliz com a decisão, diria que está de alma lavada", afirmou à Folha a deputada federal pelo Paraná. "Ele foi quem resistiu, quem lutou por isso desde o início. Sempre lembro de ele dizer que não trocava jamais sua dignidade pela liberdade", completou Gleisi.

Em nota, os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska T. Z. Martins afirmaram se tratar de "mais uma decisão da suprema corte que restabelece a segurança jurídica e a credibilidade do sistema de Justiça do nosso país".

"A incompetência da Justiça Federal de Curitiba é afirmada por nós, advogados do ex-presidente Lula, desde a primeira manifestação escrita protocolada em Curitiba, em 2016, e foi sustentada em todas as instâncias do Poder Judiciário até chegar ao Supremo Tribunal Federal", disse a defesa.

No julgamento, o plenário da corte confirmou a decisão do ministro Edson Fachin de que as ações contra Lula não tratavam apenas da Petrobras e que a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, cujo titular era o ex-juiz Sergio Moro, dizia respeito somente a processos com vinculação direta com a estatal.

A presidente do PT, no entanto, evitou relacionar o resultado com o lançamento da pré-candidatura de Lula à Presidência, algo que os petistas dão como certo nos bastidores. "Não discutimos a candidatura ainda. Nem ele discutiu isso com as lideranças e as instâncias partidárias", afirmou Gleisi.

"Uma coisa a decisão de hoje [quinta] deixa clara: que teremos eleições livres em 2022, o que não tivemos em 2018. Se o Lula quiser ou não quiser, será uma decisão dele. Ninguém estará o tolhendo", completou ela.

Na mesma linha de Gleisi, outros dirigentes e parlamentares do PT consideram que o julgamento confirmou a tese defendida pelo partido de que Lula é inocente —os processos, no entanto, serão remetidos para a Justiça Federal e poderão ainda resultar em condenações.

"A partir deste momento se abre uma oportunidade para se colocar no lugar todas as coisas que estão fora do lugar", disse Gleisi. Segundo ela, o reconhecimento de que o ex-juiz Sergio Moro não tinha competência para julgar o petista era a demanda prioritária da defesa desde o início.

"As sentenças contra o presidente foram anuladas de lavada no plenário, e Lula está livre para exercer sua cidadania, sua liberdade e seus direitos políticos", escreveu em uma rede social o secretário nacional de comunicação do PT, Jilmar Tatto.

"Não há paz sem justiça. Moro incompetente; Moro parcial", afirmou o ex-prefeito Fernando Haddad, que disputou a Presidência em 2018 e era tido como o principal nome do PT para o próximo pleito até a decisão favorável ao ex-presidente, no mês passado.

Para a ex-presidente Dilma Rousseff, o STF "fez história" ao reconhecer que a vara "comandada pelo juiz suspeito Sergio Moro" era incompetente para julgar Lula. Segundo a petista, a decisão "anula as sentenças injustas contra Lula" e é "uma importante vitória da justiça e da democracia".

LAVA JATO

O procurador Deltan Dallagnol, que comandou a força-tarefa da Lava Jato, afirmou que a decisão do STF "expõe uma face de um sistema de justiça criminal disfuncional".

Segundo ele, se o caso de Lula tivesse tramitado em Brasília, teria sido anulado também. "O desenho do sistema brasileiro o torna um jogo de perde-perde para a sociedade", escreveu em rede social.

"Se correr o bicho pega; se ficar o bicho come. Não havia como desenvolver um processo que não fosse anulado, o que favorece a prescrição e a impunidade —o sistema de justiça é extremamente irracional, para a frustração de quem busca justiça no país da corrupção", disse Deltan.

O procurador afirmou que, em casos complexos, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, "os fatos são praticados usualmente em diferentes lugares" e que "isso permite construir argumentos que justificam a competência de diferentes locais ou mesmo diferentes ramos de Justiça".

"O apego a argumentos técnicos sobre competência territorial, que sempre podem ser formulados em diferentes direções, gira a roda de um sistema irracional que favorece a impunidade e desfavorece a Justiça", completou.

CONGRESSO

No Congresso, a decisão do STF foi fortemente criticada por adversários do petista, que expressaram insatisfação com a possível candidatura de Lula, mas defendida como “vitória da democracia” e reparação de uma “injustiça histórica” por aliados políticos.

Adversários do petista enxergaram uma antecipação do cenário das eleições de 2022 e uma reprise do que aconteceu em 2018, além de apontarem uma derrota para o combate à corrupção.

"A decisão, de certa forma, já era esperada, mas nem por isso concordamos", criticou o líder do Novo na Câmara, deputado Vinicius Poit (SP). "Esse cenário não vai ajudar o país a sair da crise, momento que demanda foco e união", .

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) considerou a votação previsível. “Lula tá de volta ao jogo. Para interromper o caos no país, precisamos e teremos uma terceira via. Nem Lula, nem Bolsonaro, nunca mais”, escreveu em uma rede social.

O líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), também mencionou a construção de uma alternativa aos dois políticos. "A decisão do STF reforça a necessidade dos partidos de centro, entre eles o PSDB, construírem uma candidatura viável para que o eleitor possa optar por uma via diferente dos extremos radicais, que pacifique o país e que valorize o diálogo na construção de um Brasil melhor", disse.

Para o líder do Cidadania na Casa, Alex Manente (SP), a decisão “é um sinal de casuísmo político da corte”. “Em vez de cumprirem a sua função de manter a segurança jurídica no Brasil, [os ministros] afastam qualquer sinal de recuperação no combate à corrupção e impunidade”, disse.

Na oposição, no entanto, houve comemorações ao placar que favoreceu o ex-presidente. O líder do PSB na Câmara, Danilo Cabral (PE), afirma que cada julgamento que anula decisão de instâncias inferiores consolida uma narrativa de que Lula foi vítima de uma injustiça.

“Juridicamente, ratifica sua condição de elegível. Politicamente, não há dúvida que isso fortalece sua liderança”, afirmou.

Vice-líder da minoria na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirma que a decisão comprova “claramente a violação do processo democrático de 2018 e a possibilidade real de a luta política se dar com o presidente Lula dentro dela”.

“Obviamente, essa opção não é uma discussão que está posta neste momento, mas é fundamental que saibamos que democraticamente o ex-presidente Lula está apto a exercer seus direitos políticos”, afirmou.

Na mesma linha, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) vê reparação de injustiça praticada contra o petista. “Prevaleceu a Justiça. Está mais que provado que Lula foi vítima de um conluio que atuou no sentido de inviabilizá-lo politicamente”, disse.

​Para Rogério Carvalho, vice-líder do PT no Senado e terceiro secretário da Mesa, o STF ratifica que houve perseguição política a Lula. “A Lava Jato é culpada e ameaçou a nossa democracia. O povo brasileiro tem agora o direito de votar na esperança para reconstruir o Brasil”, disse o senador.

A reabilitação eleitoral de Lula embolou o cenário para 2022 e resultou em movimentações de forças que se contrapõem ao petista e ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tentará a reeleição.

O ex-presidente, no entanto, tem evitado se colocar como postulante e defendido que o partido concentre esforços na oposição a Bolsonaro e na defesa de medidas que considera urgentes, como a viabilização das vacinas contra a Covid-19 e o combate à crise econômica e ao desemprego.

Nos próximos dias, Lula deve iniciar uma série de viagens pelo Brasil para encontros com líderes políticos e representantes da sociedade, no que é considerado um movimento para pavimentar sua campanha para tentar um retorno ao Palácio do Planalto.

Em sua live semanal, nesta quinta, Bolsonaro se contrapôs a uma eventual candidatura de Lula, sugerindo que a volta do rival ao governo trará retrocessos.

"Se o Lula voltar pelo voto direto, pelo voto auditável, tudo bem. Agora, veja qual vai ser o futuro do Brasil com o tipo de gente que ele vai trazer para dentro da Presidência", disse o presidente na transmissão via internet.

Pesquisa Datafolha feita em março mostrou que, para a maioria dos brasileiros, a condenação de Lula no caso do tríplex de Guarujá foi justa, e o ministro Edson Fachin agiu mal ao anular esta e outra sentença contra o petista, tornando o ex-presidente elegível.

Para 57% dos entrevistados, a condenação dada pelo então juiz Moro foi justa. O ex-magistrado o sentenciou a 9 anos e 6 meses de cadeia, pena revisada na segunda instância para 12 anos e 1 mês, e reduzida a 8 anos e 10 meses ao ser confirmada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O petista ficou 580 dias preso, sendo solto no fim de 2019 quando o Supremo mudou o entendimento sobre execução de penas a partir da condenação em segunda instância. Segundo o Datafolha, uma parcela de 38% considera que a condenação foi injusta.

Fachin, ao anular as condenações do petista, agiu mal para 51% dos ouvidos pelo instituto, enquanto 42% acreditam que fez o certo. Sobre a eligibilidade de Lula, há divisão entre os brasileiros, dentro do limite da margem de erro da pesquisa. Não querem que ele concorra 51%, enquanto 47% desejam.

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