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Momento político é preocupante para debate sobre substituição da Lei de Segurança Nacional

Debate requer participação da comunidade jurídica, para uma redação técnica, e da sociedade civil, que deve estar vigilante

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Theo Dias

Advogado criminal e conselheiro do Instituto Sou da Paz

O presidente da República não gosta de democracia, ainda que tenha dela se valido para chegar ao poder.

Da caserna ao Planalto, seu percurso é marcado pela exaltação à ditadura, à tortura, à homofobia, ao machismo, ao fetichismo armamentista. Incoerência não é qualidade atribuível ao capitão, ao deputado, ao presidente. Seus eleitores podem ter arrependimento, não surpresa.

Está em curso um retrocesso autoritário no país, “crônica de uma morte anunciada”.

O presidente questiona a urna eletrônica, ignora a função constitucional das Forças Armadas e da Polícia Federal, despreza a diplomacia, estimula insubordinação de policiais militares, legisla por decreto, atenta contra regras básicas de civilidade política e respeito institucional.

Entre tantos fios desencapados, inicia-se debate em torno de uma lei de defesa do estado de direito para substituir a Lei de Segurança Nacional, que desperta de sono profundo com propósitos distintos.

Fazendo jus a sua gênese, tem sido instrumento de intimidação contra críticos do governo. Mas a lei da ditadura converte-se também em coringa para autodefesa do STF contra “minions” bolsonaristas. Contradição jurídica premida por circunstâncias políticas.

O uso do direito penal na contenção do extremismo político é frequente nas democracias.

Sob impacto da experiência totalitária, a teoria constitucional alemã construiu o conceito de “democracia combativa” para definir um sistema jurídico que orienta o poder coercitivo estatal contra os chamados “inimigos da Constituição”.

Assim, em decisão controvertida, o partido de extrema direita AfD (Alternativ für Deutschland) foi incluído como alvo de vigilância do serviço de inteligência e o governo encaminhou ao parlamento projeto de Lei de Combate ao Extremismo de Direita e à Criminalidade de Ódio, com foco na internet.

Se não há polêmica sobre a legitimidade da sanção penal em casos de violência política, espionagem ou fraudes eleitorais, complexa é a regulamentação das manifestações discursivas (ainda que ofensivas, de mau gosto, ultrajantes) contra instituições, agentes públicos, grupos sociais, pelos conflitos com a liberdade de expressão.

Entraves nas esferas públicas para reivindicação de direitos, manifestação de críticas ao poder e de ideias, ainda que radicais, mascaram a complexidade social, criando terreno fértil para que conflitos venham à tona nas formas de violência e intolerância.

Quanto mais plurais forem os canais de comunicação política, mais favoráveis as condições de enfrentamento pacífico e transparente dos conflitos sociais.

A existência do dissenso, diz Norberto Bobbio, é a “prova de fogo” do sistema democrático: “uma sociedade que não admite dissenso é uma sociedade morta ou destinada a morrer”.

Mas, apesar de pressupor e garantir o dissenso, democracia não é uma organização política baseada no dissenso. O jogo democrático depende da aceitação de regras que viabilizem a mediação política do dissenso.

Qual deve ser o papel do direito penal nessa complexa equação capaz de garantir o justo equilíbrio entre dissenso e consenso?

O momento político é preocupante para o debate que se inicia na Câmara.

O principal projeto em discussão é relatado pela deputada Margarete Coelho, que inclui título de “Crimes contra o Estado Democrático de Direito” no Código Penal, inspirado em projeto de comissão presidida por Luiz Vicente Cernichiaro (STJ), integrada por Luís Roberto Barroso (STF), encaminhada ao Congresso em 2002 pelo ex-Ministro da Justiça Miguel Reale Jr.

O Congresso não tem cheque em branco. A arquitetura institucional do estado de direito é concebida para que nenhuma instância de Poder tenha domínio absoluto sobre os processos de elaboração e aplicação da lei.

O STF tem oportunidade de fixar balizas constitucionais ao legislador, julgando ADPFs que tratam da constitucionalidade (parcial ou integral) da LSN.

O debate requer participação da comunidade jurídica, para que a redação da nova lei seja técnica, e da sociedade civil, que deve estar vigilante ao risco de se engessar a democracia a pretexto de defendê-la, ainda mais quando se recorre ao sistema penal.

A LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

Entenda as origens, o seu uso atual e as propostas para modificá-la ou revogá-la

A LEI

Tendo sua última versão editada no estertores do regime militar (1964-1985), em 1983, é uma herança do período ditatorial, sendo um desdobramento de legislações anteriores, mais duras, usadas contra opositores políticos.

O QUE HÁ NELA

Com 35 artigos, estabelece, em suma, crimes contra a "a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a federação e o Estado de Direito e a pessoa dos chefes dos Poderes da União".

Traz termos genéricos, como incitação à subversão da ordem política ou social" e artigos anacrônicos, como pena de até 4 anos de prisão para quem imputar fato ofensivo à reputação dos presidentes da República, do Supremo, da Câmara e do Senado.

EXEMPLOS DE APLICAÇÃO NOS DIAS DE HOJE

  • O procurador-geral da República, Augusto Aras, usou a lei para pedir ao STF a abertura de inquérito para apurar atos antidemocráticos promovidos por bolsonaristas, com o apoio do presidente da República

  • O Ministério da Defesa usou a lei em representação contra o ministro do STF Gilmar Mendes, que havia declarado que o Exército estava "se associando a um genocídio" na gestão da pandemia

  • O ministro da Justiça, André Mendonça, usou a lei para embasar pedidos de investigação contra jornalistas, entre eles, o colunista da Folha Hélio Schwartsman, pelo texto "Por que torço para que Bolsonaro morra", publicado após o presidente anunciar que havia contraído a Covid-19

  • O ministro Alexandre de Moraes (STF) usou a lei para embasar a prisão do bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ).

​PROPOSTAS DE MUDANÇA OU REVOGAÇÃO

Há em tramitação na Câmara 37 projetos de lei que alteram ou revogam a lei, entre elas a de substituição por uma Lei de defesa do Estado democrático de Direito em que seria punido, entre outras ações, a apologia de fato criminoso ou de autor de crime perpetrado pelo regime militar (1964-1985)

AÇÕES QUESTIONANDO A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI

  • ADPF 797 (PTB) pede que a lei em sua íntegra seja declarada não compatível com a Constituição
  • ADPF 815 (PSDB) pede que a lei seja suspensa na íntegra, e que o Supremo determine ao Congresso Nacional que edite uma lei de defesa do Estado Democrático de Direito em prazo a ser fixado, sob pena de suspensão da eficácia da atual legislação
  • ADFP 799 (PSB) e ADPF 816 (PT PSOL e PCdoB) pedem que apenas parte da lei seja declarada não compatível com a Constituição
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