Qualquer pauta que atenda ao fanatismo não pode andar no Congresso, diz Freixo

Novo líder da minoria na Câmara, deputado do PSOL afirma que centrão tenta o impossível ao buscar inserir governo Bolsonaro na política comum

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Brasília

Recém-escolhido líder da minoria na Câmara dos Deputados, Marcelo Freixo (PSOL-RJ) diz que seu papel será o de reunir partidos que discordam dos “absurdos do governo" para barrar pautas que atendam ao "fanatismo" de Jair Bolsonaro.

O líder da minoria representa o partido ou bloco cuja posição diverge do entendimento da maioria.

Na avaliação dele, foi “duro” e “verdadeiro” o recado dado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quando cobrou do Executivo reação no combate à pandemia e sinalizou que o Congresso tem “remédios amargos”, sendo alguns “fatais”.

O deputado também disse que o centrão está “tentando o impossível” ao buscar inserir o governo Bolsonaro na política comum. Além disso, criticou a troca no comando do Ministério da Defesa e a renúncia conjunta dos comandantes das Forças Armadas —vista como uma tentativa do presidente de aumentar a interferência sobre as Forças.

“É preciso que as instituições reajam às manifestações fanáticas de um lado e que fiquem atentas às negociatas de espaço por outro”, disse, em referência à política de “toma lá, dá cá” do centrão.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), novo líder da minoria na Câmara, discursa na tribuna do plenário
O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), novo líder da minoria na Câmara, discursa na tribuna do plenário - Pedro Ladeira - 1º.fev.19/Folhapress

Como o sr. pretende conduzir a minoria na Câmara? Eu acho que a gente tem que garantir a voz de quem pensa diferente, de quem é oposição. Não permitir que votem coisas que são prejudiciais ao povo. Acho que a liderança da minoria vai ter esse papel de dialogar muito com a sociedade civil. Talvez não sejamos minoria no que pensamos fora do Congresso.

Em que sentido? Vou dar um exemplo concreto. Em plena pandemia, onde a gente tem 3.600 pessoas morrendo por dia, passamos de 300 mil mortos, a base bolsonarista no Congresso Nacional quer discutir lei de terrorismo para, na verdade, aumentar o poder autoritário e impedir que a sociedade se manifeste contra o governo. Tenho certeza absoluta de que a esmagadora da sociedade é contra essa pauta.

Como a minoria conseguiria barrar esse tipo de discussão? A gente precisa entender a Casa. Você tem um conjunto de partidos que não está visto dentro da minoria, mas que também não é bolsonarista e não concorda com os absurdos do governo Bolsonaro. Ampliar esse debate da minoria para um conjunto de partidos e parlamentares que são movidos pelo bom senso pode nos colocar com mais força ali dentro.

Eu tenho certeza absoluta de que o Cidadania, o PSDB e outros partidos, mesmo dentro do centrão... Eu acho que a gente consegue ter mais força do que os votos em si da minoria.

Além de segurança, a minoria conseguiria unir partidos para barrar outras pautas conservadoras? A gente pode chegar a 4.000 pessoas mortas por dia. O esforço do Congresso é de fazer com que as famílias brasileiras sofram menos. Não tem cabimento o prefeito de Araraquara, que faz um lockdown e consegue não ter nenhuma pessoa morta depois de tanta tragédia, ser ameaçado.

Cabe ao Congresso fortalecer as críticas corretas. Qualquer pauta que atenda ao fanatismo, qualquer pauta que atenda a uma seita política que hoje é defendida pelo presidente da República, ela não pode andar dentro do Congresso Nacional. Esse atraso é um atraso civilizatório. Isso no Congresso não pode prosperar.

A gente está num momento muito grave, o momento mais grave da história da saúde do Brasil, o momento mais grave da economia. Então tem que ser muito duro nesse sentido de não ter nenhuma possibilidade de avanço de pautas...eu não chamo nem de pautas de costumes, eu chamo de pautas anticivilizatórias, pautas do retrocesso.

Nesse aceno a centro, centro-direita, se falou bastante sobre a formação de uma frente ampla para 2022. É um primeiro passo? Sem dúvida alguma. A democracia brasileira precisava ser aperfeiçoada. A gente teve 2013, que foi um ano muito importante, onde o nosso sistema de representatividade foi muito questionado. Faltou capacidade de dar resposta a 2013. No lugar de a gente aperfeiçoar, a gente teve uma ruptura democrática, que foi a eleição de Bolsonaro, que nunca defendeu a democracia.

Então quando a gente olhar para a liderança da minoria hoje e olhar para 2022, o que a gente tem que fazer é com que as forças políticas progressistas, responsáveis e comprometidas com a democracia brasileira possam agir juntas no Congresso, nas ruas e nas eleições de 2022.

É uma frente que tem um programa e que tem como cimento que vai dar liga a essas forças a defesa da democracia. Porque de um lado vão estar aqueles que não têm compromisso com a democracia e com a vida. Do outro lado tem que ter quem está comprometido com a democracia e com a vida. Alianças que em tempos normais poderiam não acontecer vão precisar acontecer para que se derrote esse atraso civilizatório que é o governo Bolsonaro.

Essa frente ampla seria possível no primeiro turno já? Seria uma terceira via em relação a Lula e Bolsonaro? Não, nem estou falando de terceira via. Eu acho que de um lado está Bolsonaro, os fanáticos e aqueles que são responsáveis pela morte e pela fome. Do outro lado estão todos os outros, quem está com a política e tem compromisso com a democracia. E é essa frente ampla que tem que ser criada.

Eu acho que a gente precisa, com muita clareza, fazer com que esse espaço da minoria seja um espaço de grande convivência e de articulação que nos facilite em 2022 termos uma frente ampla para derrotar Bolsonaro. O eixo central dessa frente ampla é a garantia da Constituição de 1988. O Bolsonaro é um serial killer da Constituição de 1988, ele mata a Constituição todos os dias.

O senhor citou o presidente Lula. Não seria um risco reeditar 2018? Eu acho que o Lula, quando governou, governou de forma muito ampla. Eu não tenho a menor dúvida de que, mantendo-se seus direitos, e acho que isso é irreversível, ele vá fazer a mesma coisa. Acho que cabe tanto ao Lula chamar o conjunto da sociedade para debater quanto o conjunto da sociedade também chamar o Lula, chamar o Ciro [Gomes], chamar todas essas forças para dizer qual o país que a gente tem que construir para derrotar o que está do lado de lá.

Acho que se você pegar Luciano Huck, Lula, Ciro, centro, que são os nomes que estão colocados aí...[João] Doria. Tem diferença entre esse campo? Tem bastante diferença. Mas as diferenças que existem entre esses projetos são muito menores em comparação com a diferença que existe com Bolsonaro.
Esse amadurecimento é que é muito importante entre nós.

Eu quero a democracia para poder divergir dos outros. O que eu não quero é uma coisa que ameaça a possibilidade de eu ter o direito de divergir. Porque é isso que Bolsonaro representa. E aí acho que as alianças que puderem ser feitas no primeiro turno são ótimas, e o que não puder se faz no segundo. A democracia só existe para que a gente possa ter diferença. Bolsonaro não convive com a diferença. Ele elimina a diferença, como todo bom autoritário, como todo bom ditador.

Recentemente, o Congresso subiu o tom contra o governo federal pela condução da pandemia. Como o sr. viu a advertência? Eu tenho muito diálogo com o Arthur Lira. Quem conhece o Arthur sabe que ele tem uma personalidade forte e sabe que não é bolsonarista.

Acho que o Arthur tem uma estratégia de poder que o aproximou do governo Bolsonaro. Eu sempre disse que a eleição do Congresso tinha feito o Arthur se aproximar do governo, não o governo se aproximar da Câmara. Mas o recado dado pelo Arthur foi muito duro, muito forte e quem conhece sabe que foi verdadeiro. Aquilo não era um jogo.

O Arthur ali não estava criando dificuldade para vender facilidade. O Arthur dá um recado claro e um caminho que acha ser inevitável, o caminho da ruptura com esse Congresso. Porque o Bolsonaro não consegue governar sem os fanáticos, é o resultado desses fanáticos.

Então quando o centrão, que tem como liderança o Arthur, faz um esforço para tentar ter o governo Bolsonaro na política comum, na política normal, ele na verdade está pregando o impossível. Isso não vai acontecer. E no fundo eles sabem disso. Então acho que é uma questão de tempo para aquele discurso do Arthur se tornar realidade e acontecer.

E essa realidade seria a partir de que ação? Abertura de uma CPI? Vai depender do tamanho da crise e para onde essa crise vai caminhar. E o tamanho dessa crise é que vai dar a velocidade dessa ruptura. Hoje eu acho que o impeachment não está no horizonte. Mas dependendo do que aconteça, pode vir a ser uma realidade.

Eu acho que não falta crime cometido por Bolsonaro. Não falta razão para votar o impeachment. Mas, olhando para correlação de forças para voto que se precisa dentro do Congresso, evidentemente que não está na ordem do dia. Isso pode mudar diante da crise que eu considero inevitável que vá ocorrer entre governo e Congresso. Já CPI é direito de minoria. CPI não é desejo de maioria. Então se você tem as assinaturas, você tem que fazer valer.

Como o senhor vê a crise envolvendo a Defesa e as Forças Armadas? Mostra que Bolsonaro não tem nenhuma condição de governabilidade. O que resta de tentativa de governabilidade é encaixar o centrão em alguns cargos. Mas isso vai gerando crise atrás de crise. O centrão está na cadeira e no sofá esperando quais cargos vai ocupar, porque o governo Bolsonaro é um equilíbrio muito torto entre o centrão com suas práticas e o fanatismo do outro. Esse equilíbrio não é possível. Então é um governo sempre em queda e tentando, nessa queda, levar junto com ele a democracia brasileira. É preciso que as instituições reajam às manifestações fanáticas de um lado e que fiquem atentas às negociatas de espaço por outro.

Pensa em concorrer a governador em 2022? A gente precisa ter um projeto político para o Rio. Todos os partidos progressistas me procuraram para que eu colocasse o meu nome para 2022. O próprio [prefeito] Eduardo Paes, o próprio [ex-presidente da Câmara] Rodrigo Maia. Tem uma construção de um diálogo amplo para a gente criar uma força democrática no Rio de Janeiro. Eu estou colocando meu nome à disposição desse debate.

Raio-X

Marcelo Freixo, 53
Está em seu primeiro mandato como deputado federal pelo PSOL-RJ. Foi deputado estadual no Rio e concorreu a prefeito do Rio de Janeiro em 2016. É formado em história pela UFF (Universidade Federal Fluminense)

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