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Supremo ignora crise com CPI da Covid e deixa saída política a quem deve construí-la

Não era um caso juridicamente difícil, e restou ao STF fazer o que lhe compete: preservar a Constituição

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Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP

Desde a decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, que atendeu a pedido de senadores para ver instalada CPI sobre os atos do governo federal durante a pandemia, muito se cogitou que a corte construiria uma saída política para a crise que se instalara entre Presidência da República, Congresso e Supremo Tribunal Federal, modulando a decisão, seja para desobrigar sua instalação imediata, seja para acomodar mais investigados.

A crise entre os Poderes foi criada pelo presidente Jair Bolsonaro que, ao se rebelar contra a decisão judicial, reagiu conspirando pedidos de impeachment de ministros do Supremo e inspirando senadores de sua base a inviabilizarem a CPI através da ampliação total de seu objeto.

A saída política, entretanto, ficou para quem deve construi-la: o sistema político. Ao requerimento de abertura da CPI da Covid, foi adicionado outro, incluindo no objeto de fiscalização o repasse de verbas federais.

A ideia original do presidente Bolsonaro, de investigar todos os governadores e prefeitos, foi rejeitada.

Afinal, além da Constituição exigir objeto determinado —o que claramente afasta uma investigação sobre todos os entes federativos do país—, o próprio regimento interno do Senado impede investigação de atos dos estados, do Poder Judiciário ou da Câmara dos Deputados, que contam com suas próprias instâncias de fiscalização.

Com isso, restou ao STF fazer o que lhe compete: preservar a Constituição. Não era um caso juridicamente difícil, pois não há dúvidas ou divergências na interpretação do texto constitucional que se refere às Comissões Parlamentares de Inquérito.

Reiterada jurisprudência afirma tratar-se de um direito das minorias, da oposição, de fiscalizar o governo corrente. Para que esse direito possa ser exercido, a Constituição exige três elementos: apoio de um terço de senadores, objeto determinado e um prazo certo.

Presentes tais condições, não há possibilidade de uma avaliação de conveniência ou oportunidade a ser feita pela mesa diretora, pelo presidente ou mesmo pelo plenário do Senado. Estas instâncias representam a maioria e, por isso, não podem obstaculizar o exercício do direito de minorias políticas.

Nada de novo ou extravagante. Há precedentes do Supremo, em casos relativos à CPI dos Correios, à CPI da Petrobras, à CPI do Apagão Aéreo, entre outros, sobre ampliação indevida do objeto de CPI pela maioria, sobre resistência em instalar a CPI por parte do presidente de uma das Casas Legislativas, ou até sobre submissão dos requerimentos de CPI a comissões e plenário.

Em todas elas o Supremo foi coerente, uníssono em estabelecer a CPI como direito de minorias.

Não há, portanto, qualquer reparo a ser feito na decisão do plenário do Supremo que corroborou a decisão monocrática de Barroso. De maneira bastante rápida, a maioria dos ministros aderiu ao voto de Barroso.

O único debate da sessão se deu em relação a aspectos processuais sobre a necessidade ou não de referendar medidas liminares proferidas em mandado de segurança, monocráticas, pelo plenário do Supremo.

Esse debate gerou o único voto vencido, proferido pelo ministro Marco Aurélio. A decisão de Barroso, seguida pela maioria dos magistrados, afirma que o presidente do Senado não pode decidir se e quando a comissão será instalada: deverá ser instalada e prontamente.

O Senado Federal poderá decidir, entretanto, como a CPI funcionará: se de maneira virtual, isto é, por teleconferência; de maneira presencial, ou semipresencial.

Se o Senado usar a sua prerrogativa de decidir como deve ser a CPI para, a pretexto de realizá-la presencialmente após finda a pandemia, adiar indefinidamente o seu início, haverá uma burla à decisão do Supremo, podendo suscitar novos recursos ao tribunal.

As Comissões Parlamentares de Inquérito sempre foram bastante judicializadas no STF, não só em relação às suas condições de instalação, mas também sobre os seus poderes de investigação.

A Constituição determina que as CPIs terão os poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, exceto aquelas medidas indicadas pela própria Constituição como sujeitas à reserva judicial, isto é, aquelas que exigem prévia decisão judicial para sua realização, como aplicação de medidas cautelares, prisões preventivas ou a possibilidade de interceptação telefônica.

Há, também nesses pontos, uma vasta jurisprudência do Supremo, indicando os limites e os poderes das CPIs para investigação. Qualquer extravagância ou tentativas de impedir produção de provas poderão ser novamente levadas ao STF.

A CPI da Covid terá muitos fatos a serem apurados: graves falhas estruturais no sistema de saúde, erros logísticos na compra de medicamentos e no suprimento de oxigênio (fatos estes que motivaram o requerimento original da comissão).

Também incentivos a tratamentos ineficazes para Covid-19 e prejudiciais à saúde, campanhas contra medidas de distanciamento social, equívocos na condução da política externa e ineficiência na aquisição de vacinas deverão estar na agenda de investigações, apenas para mencionar os fatos mais conhecidos.

Não há dúvidas de que a CPI da Covid já é a mais relevante de nossa história. Suas conclusões, consubstanciadas em relatório, poderão servir de base para ações de responsabilização, seja no âmbito civil, seja no criminal. Um elemento a mais em uma montanha de indícios e provas que só não é maior que a de vítimas.

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