Temer liderava impeachment 3 meses antes do processo, diz Eduardo Cunha em livro; leia relatos

Ex-presidente da Câmara, deputado cassado narra bastidores, propostas de acordo e articulação de políticos

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Brasília

No fim de agosto de 2015, Michel Temer saiu de uma reunião em seu gabinete e disse que a possibilidade de impeachment de Dilma Rousseff era impensável. Agora, o deputado cassado Eduardo Cunha diz que o vice-presidente já liderava, nos bastidores, as articulações pelo afastamento da petista.

Presidente da Câmara à época, Cunha descreve a atuação de Temer e a negociação de cargos para o novo governo com partidos do centrão, antes mesmo da abertura do processo, no começo de dezembro daquele ano.

Os relatos estão em "Tchau, Querida: O Diário do Impeachment", livro que o deputado cassado escreveu com a filha Danielle Cunha e que será lançado no sábado (17). O texto traz sua versão sobre o processo.

Preso desde outubro de 2016, ele se defende de acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, pelas quais já foi condenado em três processos. Em março de 2020, Cunha obteve direito à prisão domiciliar.

Em trechos a que a Folha teve acesso, ele cita uma suposta oferta de Dilma para ajudá-lo em processos no STF (Supremo Tribunal Federal), acusa o governo de tentar incriminá-lo, relata um desabafo que teria ouvido de Luiz Inácio Lula da Silva e diz que recebeu uma proposta para gravar Temer às escondidas.

Dilma Rousseff e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em cerimônia do Dia do Exército, em abril de 2015 - Pedro Ladeira/Folhapress

O PAPEL DE TEMER

Cunha cita o fim de agosto de 2015 como marco da entrada de Temer nas negociações do impeachment. Para o deputado cassado, Temer se tornou "líder do processo" quando deixou o posto de articulador político do governo, no dia 24 daquele mês.

Em nome do vice, o então presidente da Câmara discutia cargos no futuro governo antes do início do processo. "Temer se colocou como presidente, fazendo campanha para uma eleição congressual, em que todos sabiam o que ganhariam antes de votar. Nada foi de graça", escreve.

Cunha conta ainda que discutiu o impeachment ainda em agosto com dirigentes do PP e do PL —partidos do centrão que faziam parte da base aliada de Dilma. Eles só deixariam o governo no ano seguinte.

Temer nega envolvimento no processo e diz que só vai se manifestar depois de ler o livro.

PROPOSTA PARA GRAVAR O PRESIDENTE

Com Temer já no poder, Cunha teria recebido uma proposta da PGR (Procuradoria-Geral da República) para gravar o então presidente, sem que ele soubesse.

Cunha já estava afastado da presidência da Câmara. O objetivo, segundo ele, era incriminar Temer “para que parassem com as acusações contra mim”. Ele diz que não aceitou a proposta: "Tenho caráter e jamais me submeteria a isso."

IMPEACHMENT COMO RETALIAÇÃO

Cunha diz que o impeachment não foi uma retaliação ao PT. No livro, porém, ele afirma que se afastou de Dilma após o avanço de investigações contra ele.

Para Cunha, os passos do procurador-geral Rodrigo Janot eram uma dobradinha com o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O objetivo seria fragilizá-lo.

Em março de 2015, quando Janot abre inquérito contra Cunha, ele telefona para Temer, avisa que subirá o tom contra o governo e diz que está "babando de ódio".

O deputado cassado também afirma que decidiu anunciar seu rompimento com o governo, em julho daquele ano, depois de saber que a PGR (Procuradoria-Geral da República) havia colhido um depoimento que o incriminava. "Todo mundo ia atirar. E todo mundo iria morrer", escreve.

Cardozo diz que Cunha "não tem a menor credibilidade para fazer acusações" e que usava seu poder político para travar investigações. Janot respondeu: "Não dialogo com bandido! Não li o livro e nem lerei!".

A RELAÇÃO COM DILMA E RELATOS SOBRE UM ACORDO

Cunha afirma que o governo fez uma série de propostas para se aproximar dele e evitar o processo de impeachment.

Em 2015, Cardozo teria sugerido que ele indicasse um ministro para o STF em troca do engavetamento da PEC da Bengala —que tirou de Dilma o poder de nomear novos integrantes para a corte. O ex-ministro da Justiça nega.

O deputado cassado detalha ainda uma declaração que já havia feito à Folha em 2016. Cunha diz que, em setembro de 2015, Dilma indicou que poderia acionar cinco ministros do STF para ajudá-lo, mas afirma que aquilo não se concretizou.

A assessoria de Dilma respondeu que Cunha "é um notório mentiroso" e que se refere à ex-presidente com "insinuações e fofocas". A petista acrescenta que a mídia age como "cúmplice dele" e que o deputado cassado não deve integrar a lista de best-sellers, e sim a “lata de lixo da história”.

CONVERSAS COM LULA

Num encontro em março de 2015, segundo o deputado cassado, Lula "lamentou a postura de Dilma" na eleição para a presidência da Câmara, quando o PT foi derrotado. Cunha afirma que o petista defendeu mais espaço para o PMDB no governo e, mais tarde, sugeriu a nomeação de Temer para o Ministério da Justiça.

O petista teria criticado ainda a possível nomeação de Edson Fachin para o STF. Ele acabaria escolhido por Dilma no mês seguinte.

Em março de 2016, às vésperas da votação do impeachment na Câmara, os dois se encontraram na casa do empresário Joesley Batista em São Paulo. De acordo com Cunha, o petista teria oferecido os votos do PT para salvá-lo no Conselho de Ética e prometido conversar com Dilma para reverter no STF o envio de investigações de Cunha para Curitiba.

"Contendo o choro, Lula disse que o maior erro que ele havia cometido na vida foi ter permitido que Dilma se candidatasse à reeleição", acrescenta.

A equipe de Lula afirmou que o ex-presidente "não leu o livro, não vai ler ou comentar".

OS MILITARES E A POLÍTICA

Cunha relata uma viagem que fez à Amazônia, em agosto de 2015, a convite do general Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército.

De acordo com Cunha, o comandante contou que teria um jantar com Michel Temer "para estreitar relações e, ao mesmo tempo, conhecer suas ideias". Àquela época, o impeachment já estaria no radar do vice-presidente.

Cunha atribui ao general uma preocupação com "a confusão política" do período e diz que Villas Bôas "se revoltou" com um boato de que Lula poderia assumir o Ministério da Defesa.

Para Cunha, Villas Bôas demonstrou que os militares que trabalhavam com Dilma eram "fontes de informações para os comandantes". "Ele demonstrava conhecer a rotina do palácio com uma desenvoltura que não seria possível sem fontes internas. [...] Dilma não sabia, mas era vigiada o tempo todo dentro do palácio", afirma.

AÉCIO E O IMPEACHMENT

O deputado cassado descreve a atuação de Aécio Neves (PSDB) antes do impeachment. O tucano preferia que a chapa Dilma-Temer fosse cassada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), para que ele pudesse participar de uma nova eleição.

Em abril de 2015, segundo o livro, Aécio avisou que entraria com um pedido de afastamento de Dilma, mas pediu que Cunha não o aceitasse –"somente que demorasse para rejeitá-lo, para que ele fizesse a exploração política do fato".

Depois, Aécio mudou de postura. Num jantar com Temer, passou a trabalhar para que Armínio Fraga fosse o ministro da Fazenda do novo governo. Cunha diz ter atuado para barrar esse nome e emplacar Henrique Meirelles no cargo, a pedido de Joesley Batista.

Cunha afirma ainda que o tucano recebia informações de aliados na PGR sobre as investigações da Lava Jato. Ele diz que, numa conversa, Aécio teria repassado informações sobre um delator que havia mudado seu depoimento para incriminar Cunha.

A resposta de Aécio é curta: "São fantasias que não merecem sequer comentários".

CONSELHO DE ÉTICA E A DEPUTADA TIA ERON

​O deputado cassado acusa integrantes do Conselho de Ética da Câmara de tentativa de extorsão para livrá-lo do processo de perda do mandato.

Ele cita o então presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PL-BA) e o primeiro relator do processo, Fausto Pinato (PP-SP). Os políticos dizem que Cunha mente.

Cunha também faz uma revelação sobre a deputada Tia Eron (Republicanos-BA), autora do voto decisivo no Conselho pela cassação.

"Eu a escolhi após conversa prévia em que ela assumiu o compromisso de votar em mim. mas esse foi um dos maiores erros da minha vida. Ela traiu o compromisso", escreve.

Tchau, Querida: O Diário do Impeachment

  • Preço R$ 99,00 impresso e R$ 69,00 e-book (808 págs.)
  • Autor Eduardo Cunha e Danielle Cunha
  • Editora Matrix
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