Busca de 'Biden brasileiro' para 2022 envolve estilo de campanha e programa econômico

Aliados de Lula, Tasso, Pacheco e Temer estimulam comparação com o americano que derrotou Trump

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São Paulo

Se Jair Bolsonaro é uma versão tropical de Donald Trump, então a derrota do presidente brasileiro na próxima eleição passa por encontrar (ou construir) um equivalente de Joe Biden no Brasil. O raciocínio passou a nortear políticos e estrategistas que discutem a formatação de candidaturas para 2022.

A corrida em busca de uma versão nacional do político que assumiu em janeiro o governo dos Estados Unidos pregando a reunificação nacional e o fim dos extremismos ganhou corpo nas últimas semanas em setores da centro-direita e da esquerda que querem brecar a reeleição de Bolsonaro (sem partido).

Na fila para ser o Biden brasileiro aparecem hoje: Lula (PT), que deve ser candidato se mantiver seus direitos políticos; Tasso Jereissati (PSDB), que ainda é dúvida no jogo eleitoral; Rodrigo Pacheco (DEM), que diz recusar a candidatura; e Michel Temer (MDB), que não chega a ser nem balão de ensaio.

Em montagem, o ex-presidente Lula, o senador Tasso Jereissati, o ex-presidente Michel Temer e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
Em montagem, o ex-presidente Lula, o senador Tasso Jereissati, o ex-presidente Michel Temer e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco - Marlene Bergamo/Folhapress, Jane de Araújo/Agência Senado, Mathilde Missioneiro/Folhapress e Pedro Gontijo/Senado Federal

É claro que a diferença entre os sistemas políticos americano (bipartidário) e brasileiro (com 33 legendas) desencoraja uma comparação rígida, mas a caçada ao menos vem arrancando risadas e repercutido em memes. O movimento enseja também um debate sobre políticas de governo para a economia.

Talvez o único aspecto de Biden capaz de contemplar todo o quarteto local seja a experiência, já que o grupo reúne dois ex-presidentes e dois senadores —Pacheco é o atual presidente do Senado, e Tasso, que tem mandato no Senado até 2023, já foi governador do Ceará por três vezes.

No recorte etário, Pacheco, com 44 anos, é reprovado na disputa com Tasso (72), Lula (75) e Temer (80), que se aproximam dos 77 anos de Biden na data da eleição. No quesito Kamala Harris, uma figura feminina e politicamente forte como candidata a vice, nenhum dos quatro tem cartas na manga.

Para se consagrar candidato, Biden uniu correntes progressistas e moderadas do seu Partido Democrata. Por aqui, Tasso, Temer e Pacheco compõem o campo que quer repetir a façanha e convergir forças políticas para o centro —tarefa mais complexa, já que o xadrez envolve partidos diferentes.

A imagem de um político conciliador, comedido e experiente é um ativo almejado não só pelos que estão na corrida eleitoral e se espelham na popularidade do presidente dos EUA, mas também por atores que dizem querer apoiar um postulante avesso à conflagração instaurada pela direita bolsonarista.

No PSDB, a campanha informal de Tasso foi lançada pelo presidente da legenda, Bruno Araújo, e é inflada por militantes, sobretudo a ala da juventude, que é comandada por uma sobrinha do senador, Júlia Jereissati. Vêm do grupo vídeos e memes que abraçam a comparação do cearense a Biden.

O perfil do Twitter "Presidentasso" descreveu o tucano como "Brazilian Biden", pegando onda no meme que replicou a imagem de divulgação da nova música da cantora Anitta. Segundo membros do PSDB, as ações são espontâneas, sem participação de marqueteiros.

Integrantes da sigla relatam que o mote ganhou fôlego, curiosamente, pelas mãos de um detrator, o deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP). O aliado de Bolsonaro tuitou, em 15 de abril, que um dos objetivos da CPI da Covid era dar visibilidade a Tasso "para tentar fazer dele o 'Biden brasileiro'".

Se tiver mesmo vocação para Biden, Tasso poderá prová-la apaziguando o clima em seu partido, que organiza prévias para definir o candidato. Os demais concorrentes são os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.

​No entorno de Temer, a analogia é vista com simpatia, ao mesmo tempo em que o ex-presidente nega a intenção de concorrer. Diante das especulações sobre campanha, o emedebista brincou em março que a única candidatura a que se dispunha era à aplicação da segunda dose da vacina contra a Covid-19.

"Vejo no presidente Temer a mesma serenidade, experiência, tempo de vida semelhante", diz o ex-deputado federal Carlos Marun (MDB-MS), um dos maiores entusiastas da volta de Temer. "Ele pode ser um Biden brasileiro, um pacificador, depois de oito anos de grandes conflitos no país."

O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, por sua vez, aposta as fichas em Pacheco como "sugestão de Biden". Afirma que o mineiro "é moderado, preparado, é presidente do Senado, tem bom diálogo com a esquerda, tem independência em relação ao governo, mas está ajudando, é solidário".

Kassab ressalta que não está lançando a campanha do senador do DEM, mas que ele teria espaço no PSD para concorrer à Presidência. Questionado sobre a idade de Pacheco ser um empecilho para o perfil, o dirigente afirma que "ele tem experiência" e, como Biden, "é alto, magro, discreto e gosta de ouvir".

No PT, a associação de Lula a Biden começa a aparecer em duas chaves: a de campanha eleitoral e a de plano de governo. As falas giram em torno do estilo agregador que o ex-presidente vem buscando apresentar desde sua reabilitação eleitoral, com acenos à centro-direita e ao empresariado.

Na opinião do ex-ministro Tarso Genro (PT-RS), no entanto, a proximidade maior entre o brasileiro e o americano se dá na maneira de governar, com uma política econômica que considera o Estado peça fundamental nos investimentos, vê a iniciativa privada como parceira e estimula programas de renda.

"Acho que a campanha deve se apropriar de algumas mensagens formuladas pelo Biden, inclusive a de resgatar as funções públicas do Estado. A essência do Biden é recuperar o Estado como indutor de um certo tipo de desenvolvimento, oferecendo marcos seguros para empresas públicas e privadas", diz.

Tarso, porém, faz ressalvas quanto à comparação, distinguindo os dois países em diversos aspectos. Nos primeiros cem dias, o governo do democrata propôs três pacotes de trilhões de dólares para investimentos em educação, saúde, infraestrutura e recuperação da economia.

"A única pessoa com credibilidade e capacidade de propor um projeto de unidade nacional em defesa da recuperação econômica do país é o presidente Lula", diz o ex-governador gaúcho, acrescentando que outros candidatos podem "até falar que estão aderindo às ideias do Biden", mas deixariam dúvidas.

Articulador de uma coalizão de centro e direita contra a polarização entre Lula e Bolsonaro, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) diz que a agenda econômica dos próximos anos deverá recorrer a todas as ferramentas.

"Não se consegue recuperação somente com o Estado nem somente com a iniciativa privada", afirma ele, que orbita em torno de pré-candidatos como Doria, Leite, Ciro Gomes (PDT), João Amoêdo (Novo), Luciano Huck e Sergio Moro (ambos sem partido).

Para Kassab, medidas de reaquecimento como as adotadas por Biden nos EUA —que marcaram, segundo analistas, uma guinada ao nacional-desenvolvimentismo cultuado por setores da esquerda— poderiam, sim, ser adotadas por um eventual candidato do PSD.

"Essa pandemia mostrou que a tese do Estado mínimo está eliminada ou suspensa. É fundamental um Estado forte na saúde, na educação, na defesa. Pacheco defende essa ideia e a renda mínima. Eu tenho essa posição e sou de centro", diz.

Marun, na mesma linha, diz que não há como o país sair da crise agravada pela pandemia sem reforçar a presença do Estado. "Independentemente de uma postura liberal, vamos ter que ter uma visão social também", afirma o aliado de Temer.

Procurado pela Folha, Pacheco negou ser aspirante ao Planalto e não comentou a questão Biden. "Não considero nem minimamente essa possibilidade de candidatura. A missão de presidente do Senado nesta difícil quadra do Brasil me impõe outro foco", disse. Tasso, Temer e Lula não se manifestaram.

Para a professora de relações internacionais da USP e coordenadora do Observatório Eleitoral das Américas​, Janina Onuki, a busca de um Biden local é estratégia do marketing político para "se apropriar da imagem de uma pessoa conciliadora, mas sobretudo alguém que venceu a direita e o Trump".

Onuki afirma, porém, que a polarização no país deixa pouco espaço para o discurso de centro, além de dificultar a união de partidos diferentes. "O próprio sistema eleitoral induz a uma dispersão de votos no primeiro turno", diz.

Na avaliação da professora, a situação de Lula é diferente, já que seu governo estimulou o papel do Estado, como agora faz Biden. "Lula se coloca como o único capaz de derrotar Bolsonaro e, para ele, faz sentido a comparação com seu histórico de políticas. Mas o Brasil é muito diferente dos EUA. Estamos em crise e não temos a capacidade de endividamento deles", aponta.

Brian Winter, jornalista e analista político americano do Council of the Americas, também ressalta expectativas e frustrações que comparações com Biden podem gerar em relação às políticas econômicas americanas, já que no Brasil, analisa ele, há pouco espaço fiscal.

"A ironia é que o debate sobre Biden no Brasil está defasado, porque o apontam como símbolo de moderação, mas na prática ele não é", afirma o especialista, para quem a campanha de Biden teve esse tom, mas seu governo adota uma postura transformadora e mais à esquerda no país.​

De qualquer forma, Winter também vê Biden como um atrativo eleitoral. "Biden é experiente, discreto, sem graça na aparência e no comportamento. Isso tem apelo depois de um presidente como Bolsonaro. Certa faixa da população quer tranquilidade, não quer que a política apareça no seu dia a dia."​

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