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Ciro muda programa, busca direita e promete ser 'menos professor e mais pregador'

Ex-ministro prepara quarta campanha presidencial com metamorfose no discurso e nas prioridades

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São Paulo

Na primeira vez em que se candidatou a presidente, em 1998, Ciro Gomes, então no PPS, aparecia na TV magrelo, com terno sobrando na manga e tufo de cabelo disfarçando a calvície nascente.

Prometia ser de novo a babá do Plano Real, como já havia feito como ministro da Fazenda em 1994. “Peguei a criança chorando e a entreguei limpinha e bem cheirosa. Não tenho culpa se virou um moleque cheio de espinhas e manchas pelo corpo”, disse. Teve 11% e terminou em terceiro lugar.

Quatro anos depois, em sua segunda tentativa, Ciro procurou se reinventar como um político versátil, capaz de unir numa mesma coligação um símbolo do coronelismo (Antônio Carlos Magalhães), um economista liberal da Escola de Chicago (José Scheinkman) e um comunista histórico (Oscar Niemeyer). Ficou em quarto lugar, com 12%.

Em 2018, na terceira tentativa, agora no PDT, vestiu seu figurino mais esquerdista, prometendo um plano de renegociação de dívidas de quem estivesse com o nome sujo na praça. Teve 12,5%, e novamente ficou fora do segundo turno.

As guinadas ao longo dos anos foram muitas, mas nada que se compare à atual metamorfose do ex-ministro e ex-governador do Ceará para preparar sua quarta –e, para muitos aliados, última— tentativa de ser presidente, no ano que vem.

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O ex-governador Ciro Gomes (PDT), que deve disputar sua quarta candidatura presidencial, durante palestra em 2019 - Lucas Lacaz Ruiz - 17.out.2019/Folhapress

O novo Ciro é um pacote que inclui política, economia e comunicação. Apresenta-se como um político de centro, mas que acena à direita, critica duramente o “lulopetismo” e busca amenizar o discurso intervencionista.

Igualmente importante, que tenta diminuir o “cirês”, uma forma de comunicação com longos monólogos, em que números são recitados em profusão. E que busca mudar a imagem de sujeito esquentado e ocasionalmente grosseiro.

“Ser longo, quase chato, foi importante para formar essa imensa legião de militantes que são capazes de reproduzir os valores básicos do meu projeto. Mas a hora chegou em que a gente muda de ser um professor para ser um pregador”, disse Ciro à Folha.

O comando da transformação está a cargo do publicitário João Santana, que ajudou a eleger os petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e agora trabalha para o PDT. Em curtos vídeos na internet, ele retrata um Ciro mais sorridente e quase meigo, segurando rosas, símbolo do partido.

Para Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, “é importante atualizar e modernizar a imagem do Ciro”.

O desafio nesse processo, afirma ele, é não diluir demais a imagem consolidada do candidato. “Queremos manter a autenticidade, a indignação do Ciro, isso não pode mudar. O que tem de cuidar é ele ser um pouco mais comedido se provocado, não tão ácido”.

A pesquisa Datafolha divulgada na semana passada mostrou Ciro com apenas 6%, distante de Lula (41%) e Jair Bolsonaro (23%).

Aliados do ex-ministro procuraram não se abalar, dizendo que há espaço para uma candidatura de centro e tempo para que seja construída. E que hoje não há ninguém mais bem posicionado que o ex-ministro para isso.

Para Lupi, o retorno de Lula ao cenário eleitoral e a forte presença de Bolsonaro na direita empurraram os demais candidatos para o centro. Ciro, segundo ele, tem conversado com o DEM, o PSD e até o Cidadania, antigo PPS, do qual saiu brigado em 2005.

“Qualquer candidato que queira aglutinar o campo do centro vai ter que estar aberto ao diálogo, a uma visão mais ampla. Não poderá estar limitado a guetos e nem preso e rejeições”, diz o presidente do DEM, ACM Neto, para quem Ciro é uma opção de coligação.

Da mesma forma, Roberto Freire, do Cidadania, diz que as rusgas ficaram no passado. “Não tivemos atritos, tivemos divergência concreta, objetiva. A gente não saiu criticando, esculhambando”, afirma Freire, cuja primeira opção para a Presidência, filiar o apresentador Luciano Huck, parece hoje distante.

Para Freire, Ciro se posicionar no centro faz sentido. “A posição dele nunca foi extremada de esquerda”, diz.

Comunicação mais leve e alianças mais amplas não bastam numa campanha difícil como deverá a ser a de 2022, dizem aliados do candidato. É preciso um novo programa de governo.

Como a Folha mostrou, Ciro recrutou para seu time o ex-presidente do BNDES Paulo Rabello de Castro, um liberal com bom trânsito no mercado.

Seu núcleo duro sempre foi formado por economistas da escola keynesiana, que privilegia o Estado como indutor da atividade produtiva.

Um dos principais é Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas, que coordenou seu plano de governo em 2018. Para 2022, ele acredita que a tônica deve ser o pragmatismo, com algumas atualizações programáticas.

“O Ciro é absolutamente racional, inteligente e pragmático. Para ele o que interessa não é a cor do gato”, diz, citando frase atribuída ao líder chinês Deng Xiaoping (“não importa a cor do gato, mas que cace o rato”).

Em termos concretos: “Tem coisas que estão no receituário mais desenvolvimentista e vão funcionar melhor, e coisas no receituário liberal que podem ser mais adequadas”, afirma Marconi.

Uma prioridade da campanha é ter um discurso para a nova classe de informais e uberizados do mercado de trabalho, que Ciro chamou de “desassistidos” no primeiro vídeo que Santana fez para ele.

É um tema que ajuda diferenciar o candidato de Lula, algo fundamental para o pedetista conseguir um espaço político próprio. “O mundo do trabalho está em convulsão, e não tem ninguém falando sobre isso com centralidade. O PT só fala pelas corporações”, afirma Ciro.

Para Marconi, é preciso reconhecer a existência de novas formas de trabalho, e a velha CLT deixou de ser tabu —o que não deixa de ser significativo para um partido que tem a palavra “trabalhista” no nome e se considera herdeiro de Getulio Vargas. Mas sem que isso seja confundido com precarização, afirma o economista.

“A gente entende que a reforma trabalhista chegou num ponto de flexibilidade muito acentuada. Mas não precisa também voltar para a CLT, ela pode ser atualizada, desde que de forma consensuada entre trabalhadores e empresários”, diz Marconi.

Outros pontos centrais na plataforma econômica do candidato para o ano que vem serão o estímulo às exportações e uma reforma que inclua tributação progressiva e impostos sobre grandes fortunas e heranças, bandeiras clássicas da esquerda.

Mas também há acenos liberais, como a defesa da capitalização na reforma da Previdência, embora apenas a partir de determinada faixa de renda.

Quanto às privatizações, devem ser analisadas caso a caso, mas descartando a venda de empresas “estratégicas” como Petrobras e bancos públicos. “É um programa progressista”, resume Marconi “mas que cabe numa plataforma de partidos de centro”.

Com a inesperada reentrada de Lula na corrida eleitoral, o petista passou a ser alvo de Ciro e de seus aliados, com ênfase quase tão grande quanto a desferida contra Bolsonaro.

“Como dizia o [Leonel] Brizola, o PT cacareja para a esquerda, mas bota ovo para a direita. O que precisamos é de alguém que junte a centro esquerda, o centro e a centro direita, porque o Brasil é um país de centro”, diz Antonio Neto, sindicalista e presidente do PDT-SP.

A linha de ataque dos ciristas é que o petista, embora tenha promovido avanços sociais, manteve uma moldura econômica parecida com a de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que financiou o desenvolvimento com capital externo, e não poupança interna.

“Lula financiou um ciclo de nacional-consumismo insustentável, que já tinha sido visto no Brasil com FHC. E deu na tragédia do governo Dilma”, afirma Ciro. “Cada vez que você expande o consumo, explode a importação e destrói a indústria nacional.”

No primeiro mandato de Lula (2003-06), Ciro foi ministro da Integração Nacional, responsável por uma das principais obras do governo, a transposição do rio São Francisco.

Essa proximidade no passado não impede o pedetista de hoje fazer uma relação direta entre o lulismo e o bolsonarismo.

“Não existiria o bolsonarismo fascista, boçal e genocida, se não fossem as profundas contradições do lulopetismo, basicamente na economia, no mundo social e na debacle moral do país”, afirma.

Para ele, a anulação das condenações do ex-presidente não significa inocência. “Que o Lula não teve o devido processo legal eu sempre denunciei, mas vai dizer que o Lula é inocente, como estão mentindo de novo?”, diz o candidato, mostrando que a conversão ao “Cirinho Paz e Amor” não tirou totalmente sua verve.

“Foi Cirinho Paz e Amor que disse que o Lula deu muito mais para os ricos do que para os pobres?”, diz ele, fazendo piada com a nova imagem.

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