Conheça a bússola da CPI da Covid, com mentiras, perguntas sem respostas e cerco a Bolsonaro

Comissão do Senado encerrou o que vem sendo considerada uma primeira fase de depoimentos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Prestes a completar um mês de atividades, a CPI da Covid no Senado encerrou o que vem sendo considerada uma primeira fase de depoimentos, ouvindo os principais personagens que pertencem ou pertenceram ao primeiro escalão do governo do presidente Jair Bolsonaro.

O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), chegou a pedir na quinta-feira (20) para que o relator Renan Calheiros (MDB-AL) concluísse um texto parcial da apuração, englobando esses primeiros 30 dias.
Nesse período, foram ouvidos o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e os ex-ocupantes da pasta Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, o presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, entre outros.

As falas que mais atraíram os holofotes, no entanto, foram dos ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e do ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten.
Recheadas de polêmicas, mentiras e tentativas de proteger Bolsonaro, esses três personagens podem voltar em breve aos bancos da CPI.

Os membros independentes e oposicionistas afirmam que já há provas para culpar Bolsonaro pelo crime sanitário, por suas ações e omissões no enfrentamento da pandemia. Agora vão focar para tentar comprovar a existência do crime contra a vida.

Dentre as principais descobertas até o momento, segundo esse grupo, estão a existência de um “ministério paralelo” para aconselhar o presidente, as iniciativas para ampliar o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid e a resistência deliberada para comprar a vacina da Pfizer.

Perguntas sem resposta até o momento

O que motivou a demora em fechar contratos para a aquisição de vacinas e quem seriam os culpados?

Quais foram os problemas encontrados pelo governo nas cinco ofertas da Pfizer?

Por que o governo não conseguiu agir para conter a falta de oxigênio em Manaus?

Por que o atraso na campanha de vacinação?

Por que o governo insistiu em medicamentos não comprovados para a Covid?

Por que não houve controle em relação aos leitos disponíveis de UTI?

Por que faltaram medicamentos de sedação a pacientes graves?

Por que o governo comprou testes sem conseguir dar vazão e qual foi o prejuízo financeiro disso?

De quem foi a culpa por deixar parte dos testes vencer?

Por quais crimes Bolsonaro pode ser responsabilizado?

De quem foi a ordem de distribuir cloroquina?

Houve gabinete paralelo da Saúde?

Por que Carlos Bolsonaro participou das negociações da vacina com a Pfizer?

Quais as responsabilidades de quem apoiou a tese de imunidade de rebanho?

Mentiras e contradições contadas nos depoimentos

1. FABIO WAJNGARTEN
Ex-secretário de Comunicação da Presidência

Licença Disse que “ficou fora” acometido da Covid, ao ser questionado ‌sobre‌ ‌uma‌ ‌campanha‌ ‌feita‌ ‌pela‌ ‌ Secom‌ ‌(Secretaria de Comunicação da Presidência) por R$ 600‌ ‌mil,‌ ‌em‌ ‌março‌ ‌de 2020.‌ No entanto, em vídeo com o‌ ‌deputado‌ ‌Eduardo‌ ‌Bolsonaro (PSL-SP) disse que estava trabalhando‌ ‌normalmente e aprovando‌ ‌campanhas

Campanhas Disse que teve ‌campanhas‌ ‌informativas e ‌educativas para a Covid, mas de‌ acordo‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌TCU‌ ‌(Tribunal‌ ‌de‌ ‌Contas‌ ‌da‌ ‌União),‌ ‌‌o‌ ‌governo‌ ‌federal‌ ‌gastou‌ ‌a‌ ‌maior‌ ‌parte‌ ‌dos‌ ‌recursos‌ ‌na‌ ‌divulgação‌ ‌de‌ ‌medidas‌ ‌econômicas,‌ ‌e‌ ‌não‌ ‌em‌ ‌informações‌ ‌sobre‌ ‌prevenção‌ ‌da‌ ‌‌doença

Brasil não pode parar Disse que não se recordava do vídeo contra o isolamento e que ele circulou‌ ‌de‌ ‌“forma‌ ‌orgânica”. ‌A campanha com‌ ‌a‌ ‌hashtag‌ ‌#OBrasilNãoPodeParar‌, porém, foi divulgada ‌em‌ ‌pelo‌ ‌menos‌ ‌dois‌ ‌perfis‌ ‌oficiais‌ ‌do‌ ‌governo

Fala sobre Pazuello À‌ ‌revista‌ ‌Veja ‌Wajngarten‌ ‌afirmou ‌que‌ ‌o‌ ‌acordo‌ ‌para‌ ‌a‌ ‌compra‌ ‌da‌ ‌vacina‌ ‌da‌ ‌Pfizer‌ ‌não‌ ‌teria‌ ‌avançado‌ ‌por‌ ‌“incompetência”‌ ‌e‌ ‌“ineficiência” da ‌equipe‌ ‌que‌ ‌gerenciava‌ ‌o‌ Ministério‌ ‌da‌ ‌Saúde”.‌ ‌Na‌ ‌época,‌ ‌a pasta era comandada‌ ‌por ‌Pazuello.‌ ‌ Na CPI, ele ‌se‌ ‌esquivou‌ ‌de‌ ‌responder‌ ‌a‌ ‌questões‌ ‌sobre‌ ‌o‌ ‌general

Pfizer O‌ ‌ex-secretário‌ ‌afirmou‌ ‌que‌ ‌entrou‌ ‌nas‌ ‌discussões‌ ‌a‌ ‌respeito‌ ‌da‌ ‌aquisição‌ ‌de‌ ‌vacinas a‌ ‌pedido‌ ‌do‌ ‌dono‌ ‌de‌ ‌um‌ ‌veículo‌ ‌de‌ ‌comunicação.‌ ‌No‌ ‌entanto,‌ ‌posteriormente,‌ ‌Wajngarten‌ ‌disse ‌que‌ ‌nunca‌ ‌participou‌ ‌das‌ ‌discussões‌ ‌e‌ ‌que‌ ‌não‌ ‌negociou‌ ‌com‌ ‌a‌ ‌empresa

Aval de Bolsonaro O publicitário​ ‌afirmou ‌que‌ ‌foi‌ ‌em‌ ‌busca‌ ‌de‌ ‌várias‌ ‌pessoas‌ ‌para‌ ‌conseguir‌ ‌mobilizar‌ ‌a‌ ‌compra‌ ‌de vacina‌s ‌da‌ ‌Pfizer, mas ‌que‌ ‌não‌ ‌tinha‌ ‌aval‌ ‌do‌ ‌presidente‌ Jair Bolsonaro ‌para‌ ‌isso.‌ À‌ ‌revista‌ ‌Veja ‌Wajngarten‌ ‌afirmou ‌que‌ ‌o‌ ‌governo‌ ‌não‌ ‌pode‌ ‌ser‌ ‌acusado‌ ‌de‌ ‌inoperância‌ ‌e‌ ‌que‌ ‌agiu‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌aval‌ ‌do‌ ‌presidente

2. ERNESTO ARAÚJO 
Ex-ministro das Relações Exteriores

China Ernesto disse que jamais promoveu nenhum atrito com a China, antes ou durante a pandemia. Em março de 2019, ele afirmou que o Brasil não iria “vender sua alma” para exportar minério de ferro e soja, que tem na China o maior comprador. Ele também disse que o embaixador Yang Wanming “feria a boa prática diplomática” e em 22 de abril de 2020 publicou em seu blog artigo intitulado “Chegou o Comunavírus”, expressando críticas ao Partido Comunista Chinês

Covax Facility Disse que o governo manifestou, desde junho de 2020, a intenção de aderir ao consórcio de vacinas Covax Facility. Documento de agosto de 2020 entregue à CPI relata que o governo atrasou sua entrada citando internamente receios com o custo da medida

3. EDUARDO PAZUELLO
Ex-ministro da Saúde

Coronavac O general disse que não recebeu ordem de Bolsonaro relacionada à compra da vacina chinesa Coronavac. A fala de Pazuello contraria vídeos públicos do próprio presidente, que havia mandado cancelar acordo de intenção de compra

Pfizer Pazuello afirmou que não se reuniu com funcionários da Pfizer para negociar vacinas porque “ministro não pode receber as empresas”. Ele esteve, porém, com o empresário Carlos Wizard, principal defensor da vacinação privada, e com empresários em São Paulo para pedir ajuda na compra de equipamentos e de estruturas para o combate à Covid-19

TCU O ex-ministro disse que o TCU (Tribunal de Contas da União) deu parecer contrário a proposta da Pfizer para o fornecimento de 8,5 milhões de doses no primeiro semestre de 2021. Em nota, o órgão disse que “em nenhum momento seus ministros se posicionaram de forma contrária à contratação da empresa”

Manaus O general disse que só foi informado na noite de 10 de janeiro deste ano sobre a iminência da falta de oxigênio em Manaus. Mas ele admitiu em 18 de janeiro que soube da possibilidade no dia 8

TrateCov Afirmou que a plataforma não foi distribuída aos médicos, mas ela ficou disponível para profissionais em Manaus

Organograma de responsabilidades

Jair Bolsonaro 
Técnicos e integrantes do grupo majoritário da CPI, formado por senadores independentes e oposicionistas, acreditam que já há elementos que levam à incriminação do presidente Jair Bolsonaro por crime sanitário contra a saúde pública. Em seu relatório final, a comissão pode pedir ao MPF (Ministério Público Federal) o indiciamento do mandatário por ilícitos que entendem que ele cometeu na gestão da pandemia. Os senadores acreditam que os depoimentos prestados até o momento no âmbito da comissão confirmaram que Bolsonaro e seus comandados tinham real consciência do impacto da pandemia e que deveriam ter agido para minimizar os efeitos à população, incluindo uma mudança na conduta do próprio presidente

Eduardo Pazuello 
Possível omissão na compra de oxigênio e no planejamento hospitalar, que resultou no colapso do sistema público de Manaus; incentivo ao uso da hidroxicloroquina, medicamento sem comprovação científica; atraso e obstrução para a compra de vacinas contra a Covid-19

Ernesto Araújo
Possível omissão ou obstrução nas relações com outros países e organizações internacionais, que resultaram em dificuldades para comprar vacinas, insumos e medicamentos. Senadores também querem apurar possível resistência a comprar oxigênio para Manaus da Venezuela, por questões ideológicas

Fabio Wajngarten 
Falhas
nas campanhas de comunicação, que não teriam informado corretamente a população sobre a importância de medidas para evitar a propagação da pandemia, contratação de influenciadores para difundir a hidroxicloroquina e, mais recentemente, seu papel na negociação para a compra de vacinas da Pfizer

Paulo Guedes
Ministro da Economia
Possível obstrução na liberação de recursos para o enfrentamento à pandemia, em especial para a compra de vacinas; atraso na implementação de programas, como o auxílio emergencial e suspensão de contrato de trabalho e redução de jornadas e salários, que poderiam ter contribuído com isolamento social

Fernando Azevedo e Silva
Ex-ministro da Defesa
Participação do Exército na compra e fabricação de hidroxicloroquina, medicamento sem comprovação de eficácia contra a Covid-19

Próximos passos

O grupo independente e oposicionista considera ter duas tarefas. A primeira é avançar em inconsistências e mentiras do depoimento de Pazuello, por meio da oitiva de seus assessores diretos no período em que esteve à frente da Saúde. Na próxima semana, serão ouvidos o ex-secretário-executivo Élcio Franco, atualmente na Casa Civil, e a secretária de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, Mayra Pinheiro, que passou a ser chamada de ‘capitã cloroquina’.

Alguns membros da CPI pressionam pela realização de acareações, que estão sendo tratadas com cautela pelo comando da comissão. Em seguida, esse grupo majoritário pretende buscar provar o crime contra a vida, promovido pela gestão Bolsonaro. Vai ser ouvida a médica Jurema Werneck, diretora-executiva da ONG Anistia Internacional.

Em paralelo, governistas pretendem pressionar para investigar repasses a estados e municípios

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.