CPI da Covid tem atrito com convocação de governadores, e maioria quer adiar depoimentos

Com clima tenso, comissão aprovou chamada de 9 gestores estaduais e novas falas de Pazuello e Queiroga

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Brasília

A convocação de nove governadores para depor na CPI da Covid provocou atrito no grupo majoritário da comissão do Senado, que agora quer postergar ou no mínimo diluir os depoimentos dos gestores estaduais o máximo possível.

Reservadamente, os senadores avaliam que a oitiva de governadores vai desvirtuar o rumo atual das investigações e tirar o foco do presidente Jair Bolsonaro, beneficiando o mandatário.

A maioria dos integrantes da CPI é formada por senadores independentes ou de oposição —só 4 dos 11 titulares são governistas. As divergências a respeito da convocação ficaram explícitas nesta quarta-feira (26) em bate-boca durante a reunião em que foram aprovados os requerimentos.

A CPI da Covid aprovou nesta quarta a convocação novamente do ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) e do atual ocupante da pasta, Marcelo Queiroga, que já haviam prestado depoimento.

Dos governadores foram convocados Wilson Lima (PSC-AM), Helder Barbalho (MDB-PA), Ibaneis Rocha (MDB-DF), Mauro Carlesse (PSL-TO), Carlos Moises (PSL-SC), Antonio Oliverio Garcia de Almeida (sem partido-RR), Waldez Góes (PDT-AP), Wellington Dias (PT-PI) e Marcos José Rocha dos Santos (PSL-RO). Também foi chamado o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC).

Em uma derrota para o governo Bolsonaro, ainda foram convocados o assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, e o ex-assessor especial Arthur Weintraub —irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub.

As convocações foram definidas em reunião secreta dos membros da comissão, realizada pouco antes da sessão em que os requerimentos foram apreciados.

Governadores convocados pela CPI da Covid

  • Wilson Lima (AM)

  • Helder Barbalho (PA)

  • Ibaneis Rocha (DF)

  • Mauro Carlesse (TO)

  • Carlos Moises (SC)

  • Antonio Oliverio Garcia de Almeida (RR)

  • Waldez Góes (AP)

  • Wellington Dias (PI)

  • Marcos José Rocha dos Santos (RO)

Os governistas foram pegos de surpresa no encontro com o anúncio do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), de que havia decidido chamar governadores. Embora sempre fosse um pleito dos aliados de Bolsonaro na comissão, a ideia enfrentava resistência do próprio Aziz.

Segundo alguns participantes da reunião, a sugestão foi aceita por unanimidade. No entanto, mais tarde, na hora da votação aberta, alguns senadores apresentaram votos contrários, como o petista Humberto Costa (PE).

"Nós fizemos um acordo, senador Humberto. Vossa Excelência agora tem de cumprir o acordo aqui, por favor", disse o presidente da comissão.

Para não haver uma convocação indiscriminada de governadores, todos os membros da comissão teriam acatado uma sugestão de Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que propôs delimitar aos estados em que houve apuração da Polícia Federal ou Ministério Público Federal para apurar irregularidades com recursos destinados para o enfrentamento da Covid.

Com isso, ficou de fora o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que disse, em rede social, que pode comparecer se for chamado. "Podem me chamar na CPI que vou. Quem não deve não teme", afirmou, em resposta a uma postagem do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

No caso específico da convocação de Helder Barbalho, filho do suplente da CPI Jader Barbalho (MDB-PA), houve oposição do relator Renan Calheiros (MDB-AL), de Eduardo Braga (MDB-AM) e de Humberto Costa.

A CPI EM CINCO PONTOS

  • Foi criada após determinação do Supremo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

  • Investiga ações e omissões de Bolsonaro na pandemia e repasses federais a estados e municípios

  • Tem prazo inicial (prorrogável) de 90 dias para realizar procedimentos de investigação

  • Relatório final será encaminhado ao Ministério Público para eventuais criminalizações

  • É formada por 11 integrantes, com minoria de senadores governistas

Embora as convocações tenham passado, a própria cúpula da CPI avalia que não é possível agora alterar o rumo das investigações, que têm focado nas omissões e crimes cometidos pelo governo federal.

Ou seja, os depoimentos não devem ser marcados para o curto prazo ou serão espaçados. Cabe a Aziz definir o momento em que cada um será chamado.

Nos bastidores, a avaliação dos senadores é que caso haja oitiva em sequência de governadores, a CPI ficará praticamente inviabilizada. Bolsonaro tem defendido que o escopo de investigação do colegiado inclua os estados que receberam recursos federais de combate da Covid.

Originalmente, a CPI instalada em abril tem um prazo de 90 dias para realizar procedimentos de investigação e elaborar um relatório final, mas ele ainda pode ser prorrogado por igual período.

Embora resistisse a ouvir governadores, o presidente da CPI passou a ser pressionado para chamar à comissão o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), como defendeu o seu conterrâneo, Eduardo Braga.

Para senadores, com a intenção de diluir o mal-estar de chamar Lima, Aziz decidiu convocar todos os gestores.

Antes da reunião secreta desta quarta, o assunto havia sido debatido em ao menos duas reuniões no início desta semana. Nos encontros com o grupo majoritário da comissão, Aziz comunicou os colegas da decisão e ouviu relatos de divergência.

Renan, relator da CPI, e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente, disseram a Aziz ser contra. Houve, porém, um entendimento de que era preciso casar as vontades de Aziz com a desses senadores.

Também foi feita a avaliação de que chamar os governadores seria uma forma de matar o argumento de governistas, de que o objetivo da CPI é tão somente investigar Bolsonaro e não buscar erros cometidos na pandemia. Ou seja, convocá-los poderia amainar as críticas de parcialidade da comissão.

Além disso, alguns membros do grupo majoritário consideram que a convocação de governadores é um movimento estratégico. Apostam que o STF (Supremo Tribunal Federal) vai conceder a todos os habeas corpus que forem pedidos pelos gestores estaduais.

A aposta se dá na jurisprudência existente na alta corte, que já decidiu em 2012 a favor do ex-governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB) para que não comparecesse para depor na CPI do Cachoeira. O pedido inicial se baseava na argumentação de que uma comissão do Congresso não teria competência para convocar um governador.

Outra parte do grupo majoritário, por sua vez, argumenta que não seria bom para a relação entre Senado e Supremo empurrar para o Judiciário a decisão, em mais uma divergência dentro do grupo.

Randolfe, em movimento que foi visto por muitos como destinado a enterrar a convocação dos governadores, apresentou requerimento para convocar o presidente Jair Bolsonaro.

O requerimento gerou discussão com governistas. Marcos Rogério (DEM-RO) considerou a iniciativa uma piada e disse que era uma "afronta ao princípio da separação dos Poderes".

Em outro momento quente da sessão, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) questionou o fato de não serem votados requerimentos para a convocação de prefeitos, além de outros governadores.

Aziz então afirmou que Girão também estava desvirtuando o que havia sido acordado e disparou contra o colega. "Olha, senador Eduardo Girão, Vossa Excelência é um oportunista, e oportunista pequeno. Estava lá, escutou o que nós acordamos", disse o presidente da comissão.

"Vossa Excelência, que não entende patavina de saúde, quer impor a cloroquina na cabeça da população. Repito: é um oportunista", afirmou.

Os senadores do grupo majoritário, por outro lado, concordaram com a convocação de autoridades que podem contribuir na investigação do governo Bolsonaro. Como era esperado, foram aprovados os requerimentos para ouvir novamente Queiroga, que irritou integrantes da comissão ao fugir das perguntas, repetindo que não faria "juízo de valor".

Em relação a Pazuello, a comissão pretende ouvi-lo novamente por causa da série de mentiras, na avaliação deles, que foram ditas em seus dois dias de depoimento.

A pressão para chamá-lo novamente também aumentou após o ex-ministro, que é general da ativa do Exército, subir em palanque político com Bolsonaro em ato no domingo (23) no Rio de Janeiro.

A presença de Pazuello no local, sem máscara de proteção contra a Covid, motivou a abertura de procedimento disciplinar na instituição —que proíbe manifestações políticas de militares em atividade.

O relator Renan Calheiros havia apresentado no segundo dia de depoimento de Pazuello à CPI uma lista de 14 mentiras que haviam sido ditas pelo militar.

Quando compareceu da primeira vez, na quarta e quinta-feira, respectivamente 19 e 20 de maio, Pazuello estava munido de um habeas corpus que garantia o direito ao silêncio em determinadas perguntas.

O general respondeu a todos os questionamentos, mas os senadores consideram que o instrumento jurídico proporcionou uma blindagem extra.

Além disso, houve contradição entre as informações prestadas por Pazuello e a fala de Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde.

À comissão ela disse que o ministro ficou sabendo da falta de oxigênio em Manaus no dia 8 de janeiro, enquanto Pazuello havia afirmado que isso se deu no dia 10. Também houve divergência em relação à plataforma TrateCov.

Os senadores disseram acreditar que os dois têm papel relevante no chamado "ministério paralelo", centro de aconselhamento ao presidente sobre a pandemia fora da estrutura do Ministério da Saúde e que propagaria a hidroxicloroquina.

Nesta quarta, também foram convocados Aírton Cascavel, atual secretário de Saúde de Roraima e ex-homem forte de Pazuello no ministério; o empresário bilionário Carlos Wizard, que atuava como conselheiro do ex-ministro; e Luana Araújo, que chegou a ser anunciada como secretária especial de Enfrentamento da Covid, mas saiu após dez dias, antes da nomeação oficial.

PRÓXIMOS DEPOIMENTOS

Governadores

  • Wilson Lima (AM)
  • Helder Barbalho (PA)
  • Ibaneis Rocha (DF)
  • Mauro Carlesse (TO)
  • Carlos Moises (SC)
  • Antonio Oliverio Garcia de Almeida (RR)
  • Waldez Góes (AP)
  • Wellington Dias (PI)
  • Marcos José Rocha dos Santos (RO)
  • Wilson Witzel‚ ex-governador do Rio

Aliados do governo e assessores

  • Filipe Martins assessor internacional da Presidência (atuaria em uma espécie de "ministério paralelo" da crise da Covid)
  • Carlos Wizard empresário que atuava como conselheiro de Eduardo Pazuello na Saúde
  • Arthur Weintraub ex-assessor especial da Presidência
  • Marcos Arnaud conhecido como Marquinhos Show, que era responsável pela comunicação de Pazuello
  • Aírton Cascavel atual secretário de Saúde de Roraima e ex-homem forte de Pazuello no ministério
  • Luana Araújo que chegou a ser anunciada como secretária especial de Enfrentamento à Covid, mas saiu após 10 dias

Reconvocados

  • Eduardo Pazuello ex-ministro da Saúde, que prestou depoimento nos últimas dias 19 e 20
  • Marcelo Queiroga atual ministro da Saúde, que prestou depoimento no último dia 6

Entenda a CPI

  • Foi criada após determinação do Supremo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG)
  • Investiga ações e omissões de Bolsonaro na pandemia e repasses federais a estados e municípios
  • Iniciada em 29 de abril, tem prazo inicial (prorrogável) de 90 dias para realizar procedimentos de investigação
  • Relatório final será encaminhado ao Ministério Público para eventuais criminalizações
  • É formada por 11 integrantes, com minoria de senadores governistas -- Jorginho Mello (PL-SC), Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos Rogério (DEM-RO) e Ciro Nogueira (PP-PI). Completam a comissão Humberto Costa (PT-PE); Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente; Renan Calheiros (MDB-AL), relator; Otto Alencar (PSD-BA), Omar Aziz (PSD-AM), presidente; Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Braga (MDB-AM)
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