Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Esquerda calcula riscos de novos atos contra Bolsonaro na pandemia e faz esforço por unidade no calendário

Movimentos decidem se convocam novas manifestações enquanto discutem adesão popular e outras formas de protesto frente a possível 3ª onda

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São Paulo

Setores da esquerda que convocaram as manifestações pelo impeachment de Jair Bolsonaro no último sábado (29) querem chegar a um consenso sobre o calendário de atos e novas estratégias de mobilização, enquanto buscam manter a união do campo que foi às ruas contra o presidente.

A avaliação colhida pela Folha com porta-vozes de movimentos sociais e partidos nesta segunda-feira (31) é a de que os protestos, que concentraram milhares de pessoas em 210 cidades do Brasil e em 14 países, foram bem-sucedidos e escaparam das armadilhas por ocorrerem na pandemia.

Os principais impasses discutidos ao longo da semana envolvem o agendamento imediato de novos atos, diante da expectativa de repique de casos de Covid-19 e da iminente marca de 500 mil mortos pela doença, e o ânimo das pessoas para voltarem às ruas em intervalos mais curtos.

O assunto deve ser deliberado em reuniões pelas frentes Povo sem Medo, Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos, que agrupam centenas de entidades e puxaram as marchas de sábado, com o mote de "fora, Bolsonaro" e pautas como vacina, auxílio emergencial de R$ 600 e fim da violência policial.

Parte dos grupos integra a campanha nacional Fora, Bolsonaro. Legendas como PT, PSOL, PC do B e UP apoiaram a articulação e chamaram seus filiados.

Apesar do ceticismo sobre o andamento do impeachment do presidente —que faz uma gestão aprovada por 24% dos brasileiros, segundo o Datafolha, e está blindado no Congresso graças à aliança com o centrão—, líderes oposicionistas viram os atos como um primeiro impulso para o afastamento.

O apoio à CPI da Covid, em curso no Senado para apurar os erros do governo na gestão da crise de saúde, também foi estampado em cartazes e falas. Há expectativa de que os trabalhos da comissão possam contribuir para a responsabilização de Bolsonaro e sua eventual deposição.

De acordo com pesquisa do Datafolha em maio, 49% dos brasileiros apoiam o impeachment —em março, o percentual era de 46% (uma oscilação dentro da margem de erro da pesquisa).

A realização de novos protestos continua sem o aval de grupos que outrora estavam à frente de manifestações da esquerda, como a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que discordam do incentivo a aglomerações nesta fase.

Embora a tendência hoje seja a de aproveitar a temperatura favorável e marcar uma nova mobilização para junho, como defende nos bastidores parte dos líderes sociais, começam a circular sugestões de formatos que respeitariam o distanciamento social, como carreatas e mutirões virtuais.

Um dos temores expostos em conversas internas é o de baixa adesão a uma eventual nova mobilização nas próximas semanas. Se o volume de participantes e de cidades envolvidas for menor, o Palácio do Planalto será municiado com um argumento fatal para desqualificar a articulação dos detratores.

Divergências nos fóruns de organizadores têm sido tratadas com cautela, em um esforço para repetir um alinhamento de data e discurso, tido como fundamental para o resultado do dia 29.

"Alguns acham que tem que aproveitar o calor do momento", afirma Raimundo Bonfim, que coordena a CMP (Central de Movimentos Populares) e integra a frente Brasil Popular. "Nós, da CMP, defendemos que se avalie com cuidado e calma, considerando uma possível terceira onda da pandemia."

Apesar das dúvidas quanto a uma convocação para os próximos dias, Bonfim diz que acompanhará a decisão do conjunto das organizações. "O que fizemos foi histórico, simbólico, mas talvez não haja disposição de todo fim de semana ou a cada 15 dias as pessoas irem às ruas. Não é agir pela emoção."

Opinião diferente tem Josué Rocha, da direção da frente Povo sem Medo e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). "Acho que devemos manter a estratégia de atos de rua, mas é claro que é um movimento que depende de construção coletiva, de consulta às bases."

Os argumentos usados para defender a manutenção são os de que praticamente a totalidade dos manifestantes usou máscara o tempo todo e buscou um comportamento seguro em relação à difusão do vírus. Apesar disso, houve registros de aglomerações, o que contraria as recomendações.

"Não é um momento simples para convocar manifestações", reconhece Rocha. "Elas estão sendo o nosso último recurso, por considerarmos que Bolsonaro no poder contribui para a perpetuação do vírus. Pudemos mostrar que é possível ocupar a rua e defender o uso de máscara."

A narrativa difundida desde a semana passada pelos mobilizadores era a de que os atos contrários a Bolsonaro se diferenciam dos pró-governo pelo incentivo à proteção. No fim de semana, bolsonaristas criticaram os oposicionistas pela aparente contradição com o que vinham pregando.

"Não vejo contradição em chamar grandes mobilizações tomando os devidos cuidados", diz Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos e da Uneafro.

"Os mais pobres não tiveram direito ao privilégio do isolamento. Temos um governo que nos obriga a ir para a rua. A mobilização é fundamental para gerar um clima na sociedade que possa vir a derrubar o governo. Só a CPI sozinha não basta. O povo é um elemento crucial", diz o ativista.

Para a presidente estadual da UP em São Paulo, Vivian Mendes, o retorno às ruas deve se dar "o quanto antes", preservando as orientações que funcionaram.

"Infelizmente, a pandemia é um elemento que não está sob nosso controle. Como temos um governo irresponsável, é dificil fazer uma previsão realista. O que temos sob nosso controle é como nos preparamos para isso [protestar]. A nossa posição é por fazer mais atos organizados e seguros", diz.

A dirigente partidária relata que "existem avaliações diferentes na esquerda sobre o que precisa ser feito", mas os passos serão decididos em conjunto. "A gente não quer fazer nada sozinho. Entendo que as pessoas temam que haja cisão. O objetivo é envolver o máximo de sujeitos políticos", afirma.

A adoção de formas alternativas de mobilização também está na pauta, com prós e contras. A reedição de carreatas pró-impeachment como as ocorridas em janeiro e fevereiro é considerada problemática por dificultar a participação da população mais pobre e que não possui carro.

"Todas as possibilidades estarão na mesa", diz Bonfim. "O [protesto do] fim de semana foi pensado justamente como um passo adiante em relação às carreatas, que excluem a periferia. Por outro lado, elas possibilitam a participação dos setores médios. Não podemos descartá-las."

Para Belchior, outras formas de reivindicação podem ser conciliadas com a ocupação das ruas. "Manifestações a distância, pela internet, atos simbólicos, tudo isso é válido e se soma dentro de uma teia. O importante é explicitar o desejo da maioria da população em relação ao governo."

A série de protestos contra Bolsonaro no dia 29 foi considerada a mais expressiva e capilarizada desde o início da pandemia, em março de 2020. A ideia de promover atos, desde então, virou um tabu porque poderia contrariar a política do "fique em casa" e emular as iniciativas das hostes bolsonaristas.

Em documento sobre a mobilização de sábado divulgado pelo MST, a "baixa participação da base da classe trabalhadora e dos camponeses nas capitais" foi apontada como um fator crítico. A avaliação foi a de que a classe média e a militância urbana engajada formaram os maiores contingentes.

O comando dos sem-terra, que não endossou institucionalmente os protestos, defendeu a necessidade de contemplar "uma composição social com maior participação popular" e afirmou que a esquerda deveria "fomentar a organização mais orgânica da juventude, para além de atos esporádicos".

Para o MST, as passeatas não podem ser banalizadas em meio à pandemia e deveriam ser encaradas como "ações extraordinárias".

Os riscos relacionados à Covid também são usados por movimentos mais à direita, como o VPR (Vem pra Rua) e o MBL (Movimento Brasil Livre), para continuarem distantes das convocações. Os dois grupos catalisaram, sobretudo na capital paulista, manifestações pela saída de Dilma Rousseff (PT) em 2015 e 2016.

Também favoráveis ao impeachment de Bolsonaro, VPR e MBL dizem que seus integrantes resistem à ideia de se aglomerarem, ainda que no momento concordem com o campo ideológico oposto na luta pelo afastamento do presidente.

Na esquerda, o discurso é o de que, embora seja esse setor o responsável por organizar as marchas, a participação é espontânea e aberta a quem chegar. Partidos como o PT do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é pré-candidato ao Planalto em 2022, dizem que apenas apoiam os atos convocados por movimentos da sociedade.

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