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Esvaziada, Curitiba perde 20 ações da Lava Jato em dois anos, incluindo caso Lula

Com decisões de tribunais, Vara Federal tem debandada de casos envolvendo políticos e empresários

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São Paulo

A sequência de decisões contrárias à Lava Jato em diferentes instâncias do Judiciário tirou da Vara Federal de Curitiba nos últimos dois anos ao menos 20 ações que já tinham sido abertas contra investigados na operação.

Esses processos foram redistribuídos principalmente para juízes de São Paulo e Distrito Federal, considerados competentes para julgar os casos que tinham sido apurados inicialmente no Paraná.

Entre os beneficiados dessas decisões, além do ex-presidente Lula, que teve sentenças anuladas por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) em março, estão ex-congressistas, como os emedebistas Romero Jucá e Edison Lobão, o ex-operador do PSDB Paulo Preto e empresários.

Já excluindo as duas dezenas de casos retirados do Paraná, há outras 55 ações relacionadas à Lava Jato ainda em andamento no estado, incluindo processos desmembrados.

O esvaziamento de Curitiba teve como um dos marcos o julgamento no Supremo, em março de 2019, que estabeleceu que casos de corrupção com elos com financiamento eleitoral deveriam tramitar na Justiça Eleitoral, e não na Federal, como ocorria até então.

A medida repercutiu fortemente na Lava Jato e provocou, por exemplo, a retirada do Paraná de processos do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e dos ex-deputados federais pelo PP José Otávio Germano (RS) e Mário Negromonte (BA).

As discussões acerca da atribuição das autoridades paranaenses sobre esses processos e investigações invariavelmente também envolvem o grau de ligação desses casos com os desvios na Petrobras.

O Supremo havia decidido em 2015 que a Vara Federal do Paraná à época comandada por Sergio Moro tinha atribuição de julgar casos relacionados à estatal de petróleo.

Advogados dos acusados passaram a questionar, então, a permanência dos casos em Curitiba argumentando que os fatos não envolviam diretamente a empresa e abordavam suspeitas ocorridas em outros estados, em uma usurpação da competência.

Em relação a Lula, o Supremo decidiu anular a tramitação porque considerou que as acusações não abordavam apenas a Petrobras, mas várias organizações estatais.

No ano passado, os ministros da corte Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski também decidiram que suspeitas envolvendo a Transpetro (subsidiária da Petrobras para o transporte de combustíveis) não deveriam ser julgadas no Paraná.

Eles entenderam que os supostos crimes ocorreram em Brasília, onde deveria acontecer também o julgamento. Gilmar escreveu à época: "Nenhum órgão jurisdicional pode arvorar-se como juízo universal de todo e qualquer crime relacionado ao desvio de verbas para fins político-partidários."

Essa medida teve consequências em um bloco de processos relacionados à subsidiária da Petrobras, que se tornou um dos focos da Lava Jato a partir da delação firmada em 2016 por um de seus ex-dirigentes, o ex-senador Sérgio Machado.

O juiz Luiz Antonio Bonat, que ocupa o posto que anteriormente foi de Moro, já despachou recentemente o envio para o DF ao menos nove ações abertas relacionadas à Transpetro. Além de políticos, uma delas envolve os irmãos sócios da companhia aérea Avianca —um deles também foi dono de estaleiro.

Mesmo discordando dos argumentos, o magistrado paranaense se viu obrigado a seguir o precedente da decisão da mais alta corte do país.

A ordem do STF sobre a Transpetro também deve provocar reviravolta em casos já sentenciados. Ao menos três suspeitos de irregularidades na empresa, julgados no Paraná, já estão com condenações confirmadas até em segunda instância.

Procuradores reclamam que a debandada de casos acaba protelando a conclusão dos processos, principalmente quando envolvem investigações ainda em andamento.

A 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela operação, é especializada em crimes financeiros, e o titular se dedica apenas a casos ligados à Lava Jato, o que dinamizou suas respostas ao longo dos anos da operação.

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Além do Supremo, também houve decisões do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) determinando o envio para outros estados de processos da operação.

Ação que tinha sido aberta contra o empresário Walter Faria, da Cervejaria Petrópolis, foi enviada para São Paulo porque os juizes da corte regional consideraram que não havia elo com desvios na Petrobras. Esse caso havia partido da delação de executivos da empreiteira Odebrecht.

A falta de ligação com a Petrobras também motivou decisão semelhante dos juízes no caso do operador Paulo Preto.

O TRF, que havia se alinhado com a maior parte das decisões de Curitiba nos primeiros anos da operação, também decidiu pela retirada de casos do Paraná de investigações que ainda não haviam virado ação penal, como fases da Lava Jato sobre a hidrelétrica de Belo Monte (PA) e a respeito de negócios de um dos filhos de Lula.

Além do envio para outros estados, também houve medidas que bloquearam a tramitação de processos.

O ministro do Tribunal de Contas da União Vital do Rego foi beneficiado por decisão do Supremo que mandou trancar ação penal na qual se tornou réu em 2020. A medida também afetou processo contra o ex-presidente da Câmara dos Deputados Marco Maia (PT-RS).

Vital do Rego foi alvo de investigação na 73ª fase da Lava Jato a respeito de sua atuação em uma CPI sobre a Petrobras, na época em que era senador pelo PMDB da Paraíba.

Em julgamento no mês passado, Gilmar Mendes afirmou que a investigação havia se baseado apenas "em conjecturas e ilações", que não tinham como sustentar o prosseguimento das investigações.

Também em abril, após a decisão do STF que confirmou a anulação das sentenças de Lula no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol, que chefiou a força-tarefa da Lava Jato no Paraná até o ano passado, afirmou que a competência territorial, como tem sido tratada, abre brechas para anulações e cria insegurança jurídica.

"Em casos complexos, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, os fatos são praticados usualmente em diferentes lugares. Isso permite construir argumentos que justificam a competência de diferentes locais ou mesmo diferentes ramos de Justiça."

Em entrevista à Folha em março, o juiz João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4, disse que não acreditava que a sequência de decisões desse tipo na Justiça iria reduzir substancialmente o volume de casos em Curitiba.

"Petrobras é competência da 13ª Vara Federal. Outros fatos investigados, ainda que descobertos por colaboração ou encontro fortuito de provas [em uma operação], devem ser encaminhados para outras localidades", afirmou ele, na ocasião.

Sem os casos redistribuídos, a Vara Federal da Lava Jato em Curitiba está com poucas ações abertas envolvendo nomes conhecidos da política nacional, como costumava ocorrer. Um dos que ainda possuem processos pendentes é o ex-ministro petista José Dirceu.

Na lista, também há vários processos remanescentes de fases dos primeiros anos da operação, envolvendo operadores financeiros, ex-diretores da Petrobras e a Odebrecht.

O principal caso ainda não sentenciado aborda corrupção na construção da sede da estatal na Bahia, conhecida como Torre Pituba, e que envolve mais de 40 réus.

PRINCIPAIS DERROTAS DA LAVA JATO

PRISÃO SÓ COM TRÂNSITO EM JULGADO

Por 6 votos a 5, em 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que uma pessoa só pode começar a cumprir pena após o trânsito em julgado do processo (quando não cabem mais recursos, e a ação é finalizada).

Desde 2016, a corte considerava que um condenado podia ser preso (salvo as outras hipóteses de prisão cautelar previstas na lei) após sentença em segunda instância.

O entendimento anterior do Supremo levou à prisão figuras como o ex-presidente Lula (PT), condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Após a revisão, o petista deixou a prisão e poderá aguardar o fim do processo em liberdade.

DELATORES VERSUS DELATADOS

Em outubro de 2019, o Supremo decidiu que, em um processo com réus delatores e delatados, os delatados têm o direito de falar por último —​em termos técnicos, devem oferecer suas alegações finais depois dos réus delatores. Esse foi o mesmo entendimento da Segunda Turma do tribunal em julgamento de agosto que anulou pela primeira vez uma condenação do ex-juiz Sergio Moro no âmbito da Lava Jato.

CRIME ELEITORAL E CRIME COMUM

Em março de 2019, o Supremo decidiu que crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro, quando associados a crimes eleitorais, como caixa dois, devem ser julgados pela Justiça Eleitoral.

O resultado foi uma derrota para os procuradores da Lava Jato, que defendiam a separação do processo (a parte referente a crimes eleitorais caberia à Justiça Eleitoral e o restante seria julgado pela Justiça comum).

Para membros da Procuradoria, a decisão do STF prejudica a Lava Jato, uma vez que muitos dos processos ligados à operação envolvem a combinação entre caixa dois e corrupção.

FUNDO ANTICORRUPÇÃO 

Também em 2019, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu, a pedido da Procuradoria-Geral, o acordo que previa a criação de uma fundação com parte dos R$ 2,5 bilhões recuperados da Petrobras, pagos graças a um acordo da estatal com o governo americano. A ideia inicial da força-tarefa era que a entidade de direito privado, a ser criada em processo coordenado pela Procuradoria em Curitiba, financiasse projetos anticorrupção.

Moraes também determinou o bloqueio dos valores sob tutela da Justiça Federal do Paraná e condicionou qualquer movimentação a autorização do Supremo. Em setembro, o ministro homologou acordo que definiu que os recursos serão usados na educação e em defesa da Amazônia.

CASO TELEGRAM

A série de reportagens do site The Intercept Brasil e de outros veículos, como a Folha, em 2019, mostrou proximidade entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol em medidas da investigação, o que despertou críticas de ministros do Supremo e até de políticos que costumavam defender a operação.

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