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CPI da Covid Congresso Nacional

Mandetta leva à CPI omissões de Bolsonaro, mas tenta escapar de nós de sua gestão

Carta de ex-ministro é fator inédito; em depoimento, busca driblar críticas a política de testagem e lentidão na ampliação de leitos de UTI

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Brasília

No primeiro depoimento da CPI da Covid no Senado, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta apresentou elementos que deixam expressas, mais uma vez, omissões do presidente Jair Bolsonaro diante de alertas sobre a gravidade da pandemia.

Ao mesmo tempo, no entanto, Mandetta buscou escapar de possíveis críticas à sua gestão, como não ter atingido metas iniciais de ampliar leitos de UTI e não ter implementado, na contramão de recomendações internacionais, uma política de testagem mais ampla ainda em curto prazo.

Nos últimos meses, o ex-ministro, que se tornou um dos principais adversários de Bolsonaro após sua saída do cargo, já havia revelado projeções feitas pela pasta e apresentadas ao Palácio do Planalto sobre os impactos da pandemia, as quais apontavam até 180 mil mortes pela Covid em 2020. O ano terminou com 194 mil mortes —hoje, são 408 mil.

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta durante depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (4) em Brasília
O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta durante depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (4) em Brasília - Jefferson Rudy/Agência Senado

Repetidas em CPI, no entanto, podem ganhar novo peso declarações que apontam que o presidente foi "alertado sistematicamente" em frente a outros ministros e ignorou as previsões. "Ir por esse caminho foi uma decisão dele", frisou o ex-ministro.

Um dos principais trunfos de Mandetta no depoimento foi a apresentação de uma carta inédita entregue a Bolsonaro em 28 de março de 2020 –fator inesperado considerando a série de entrevistas dadas pelo ex-ministro nos últimos meses e o livro que publicou.

No documento, o então titular da Saúde cita ao presidente um histórico das medidas adotadas até aquele momento e afirma que as primeiras orientações e recomendações da pasta "não receberam apoio do governo federal".

Ainda que tenha ocorrido em um contexto em que Mandetta já enfrentava divergências com o chefe, o que pode indicar a busca por uma blindagem prévia, a carta reforça que não faltaram tentativas de alerta.

Embora não tenha havido espaço dado pela CPI para leitura da carta num primeiro momento, o longo tempo de sessão garantiu ao ex-ministro espaço para citar trechos e apontar outros fatos que indicam responsabilidades do governo.

Entre eles, a reunião à qual foi chamado no Planalto em que foi apresentada proposta de alterar a bula da cloroquina por decreto —o que contraria regras básicas da Anvisa— e falta de resposta a tentativas de obter apoio em negociações com a China por equipamentos.

Se por um lado cita esses e outros pontos, Mandetta, porém, driblou em parte críticas mais diretas a Bolsonaro, atribuindo o negacionismo do presidente a um possível “assessoramento paralelo”.​

Neste sentido, o ex-ministro reservou tom político mais duro a outros integrantes do governo, caso do ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem chamou de "desonesto intelectualmente" e "pequeno para estar onde está", citando, por exemplo, críticas de Guedes a ele por não comprar vacinas –em um momento em que, na verdade, pesquisas ainda eram iniciais.

No depoimento, Mandetta também buscou escapar de possíveis nós da sua gestão, como não ter atingido meta, firmada ainda no fim de janeiro do ano passado, de ampliar em 2.000 o total de leitos de UTI à época ou incentivado uma política ampla de testagem.

O ex-ministro não respondeu, por exemplo, a uma menção inicial em pergunta do senador Humberto Costa (PT-PE) sobre declaração feita por ele em março de 2020 de que a recomendação de ampliar a testagem seria "desperdício de recursos".

Mais tarde, em outra pergunta sobre o tema que citava recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde), disse que seria "inexequível" testar "100% da população do mundo" —uma distorção na orientação da entidade, que direcionava a medida a pessoas com sintomas.

Mandetta então apontou que a pasta tinha elaborado um plano específico para testagem. Ele, no entanto, deixou o cargo sem que a medida tivesse sido implementada.

Já a dificuldade de ampliar o total de leitos de UTI foi justificada pela concorrência internacional por equipamentos, o que levou a uma negociação para produção de 15 mil respiradores no país.

O ex-ministro não citou, porém, atrasos que ocorreram na sequência de sua saída na entrega desse volume, o qual também passou por mudanças por um de seus sucessores, o general Eduardo Pazuello.

Logo no início do depoimento, Mandetta também atribuiu uma dificuldade inicial na definição de medidas a uma demora da OMS em reconhecer o coronavírus como pandemia.

Neste contexto, Mandetta diz que o Brasil já havia questionado a entidade em diferentes momentos por desconfiar de uma situação mais grave —o que soa, em parte, contraditório diante de outras respostas em que ele atribuiu a recomendações da OMS decisões como a de não ter recomendado uma medida específica para o Carnaval do ano passado.

Apesar desses pontos, Mandetta ganhou força ao citar, logo no início do depoimento, uma lista de ações adotadas pelo Ministério da Saúde, o que torna visível que houve, ainda que com falhas, um planejamento rápido de medidas que podem ter ajudado nos dias iniciais da crise, como a contratação de médicos extras e editais para compra de equipamentos de proteção individual.

A CPI EM CINCO PONTOS

  • Foi criada após determinação do Supremo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

  • Investiga ações e omissões de Bolsonaro na pandemia e repasses federais a estados e municípios

  • Tem prazo inicial (prorrogável) de 90 dias para realizar procedimentos de investigação

  • Relatório final será encaminhado ao Ministério Público para eventuais criminalizações

  • É formada por 11 integrantes, com minoria de senadores governistas

Mandetta também buscou se afastar do governo Bolsonaro dizendo que houve desinteresse do presidente e de parte dos ministros, como Guedes, no diálogo com a Saúde em meio ao agravamento da pandemia.

Na prática, as declarações ajudam a dificultar a tentativa de parte dos senadores governistas em atribuir ao ex-ministro responsabilidades na crise, já que ele joga no colo do governo uma lista de equívocos e omissões.

Fica a dúvida, porém, se os pontos apontados podem levar a novos desdobramentos na comissão que investiga falhas no enfrentamento à pandemia.

"De mim, 410 mil vidas me separam do presidente até hoje", diz Mandetta. De fato, ele não mentiu: o ex-ministro deixou o cargo quando o país somava 1.933 mortes pela Covid.

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