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Eleições 2022

O comunista com FHC e Lula

Vladimir Marques não sabe bem se é vermelho ou cristão, sabe que apoia a Frente Ampla

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Juca Kfouri

Jornalista, colunista da Folha e autor de 'Confesso que Perdi'; é formado em ciências sociais pela USP

Vladimir Marques votou em Roberto Freire, então do PCB, em 1989, e em Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, em 1994. E em Lula, do PT, em 2002.

Devoto da ideia de “a cada um de acordo com suas necessidades, de cada um de acordo com suas possibilidades”, embora ateu fica confuso quando lhe dizem que a máxima é cristã, porque regime algum na história da humanidade a exerceu na prática com democracia.

Neste Brasil em que formadores de opiniões se dizem “liberais” ou “democratas radicais” —e são capazes de fazer listas para boicotar “comunistas” como Luiza Trajano ou Delfim Netto ou, ainda, apoiar presidente que idolatra torturadores—, Marques tem dúvida sobre que aspas cabem melhor nele.

Apesar disso, viu luz no fim do túnel quando soube do encontro entre os ex-presidentes FHC e Lula, antigos companheiros na luta pela redemocratização brasileira e adversários desde a volta das eleições diretas no país.

Não foram poucas as estocadas de um no outro, e do outro no um, enquanto tucanos e petistas disputaram o Palácio do Planalto.

Verdade que, Marques observa, nenhum dos dois jamais fez o elogio da tortura, nem se recusou a comprar vacinas, ou fez piadas com quase 500 mil mortes.

Divergiram, e divergem, sobre privatizações, papel do Estado e outras questões importantes. Jamais sobre processos civilizatórios, como o genocida que os destrói —e infelicita a maioria dos brasileiros.

Marques entendeu, diferentemente dos que ainda não se arrependeram para valer do voto em 2018, o sentido do encontro dos dois mais longevos presidentes eleitos de nossa história.

Ele sabe não ter havido rendição alguma de FHC, apenas sua redenção em relação ao mutismo de 2018, o mínimo exigido de um estadista.

Um verdadeiro liberal jamais teria cometido a hilária “lista do Constantino”, ou um democrata radical nunca seria cúmplice de fã de Brilhante Ustra, além de babar ovo para o que há de pior na extrema direita tupiniquim.

Ao contrário, até um conservador, como Winston Churchill, sempre citado pelos hipócritas como exemplo, diria sobre o inominável o que disse um dia sobre o belzebu: “Se Hitler invadisse o inferno, eu faria ao menos uma referência favorável ao demônio no Parlamento”.

Desnecessário dizer que Lula não só está longe de ser o diabo como foi quem deixou a Presidência da República com quase 90% de aprovação, um espanto.

Quando Vladimir Marques, perplexo diante da situação causada pelo surto de histeria coletiva que assolou o Patropi, vê tantas biografias irremediavelmente enterradas, ele, embora adepto de soluções à esquerda do Partido dos Trabalhadores, deixa de ter dúvidas.

Diz que contra o terrorista posto para fora do Exército por planejar explodir o aqueduto de Gandu para o Rio de Janeiro ficar sem água, votaria até em João Amoêdo, o presidente do Novo cujas ideias são todas opostas às dele, mas sem as mãos sujas de sangue, sem práticas fascistas, até onde se sabe distante das milícias.

Marques já viveu bastante e ainda procura manter o bom humor: “Vi tanta barbaridade cometida para afastar o risco do comunismo no Brasil que, se dá próxima vez em que o PT vencer, não implantar o regime, eu nunca mais votarei nele”, diz, sorridente.

Por enquanto, Marques se satisfaz em ser a favor de uma frente ampla, tão ampla, até doer.

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