Obras eleitorais de Márcio França viram elefante branco e alvo de investigação em SP

Gestão Doria suspendeu construção de creches; empresas dizem que pagamentos pararam de ser feitos

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São Paulo

Obras de creches contratadas a um custo de quase R$ 30 milhões em meio ao período eleitoral de 2018 pelo governo do então candidato à reeleição Márcio França (PSB) viraram um elefante branco em São Paulo.

Sob a justificativa de descumprimento das obras no ano seguinte, a gestão João Doria (PSDB) rescindiu os contratos e o serviço não foi retomado. O caso parou no Ministério Público paulista, que apura eventual improbidade na construção de uma das creches. O restante é alvo de pedidos de investigação.

O caso remete às vésperas das eleições, quando França disputava a reeleição. De 25 de setembro a 10 de outubro de 2018, a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), ligada à Secretaria de Educação, firmou contrato para a construção de creches-escola no interior do estado.

A entrega estava prevista para 2019, mas em ao menos 13 municípios nunca houve conclusão. Dessas cidades, somente Araraquara é de médio porte. O restante tem menos de 20 mil habitantes.

Segundo dados do governo, foram repassados efetivamente por meio de convênios R$ 5 milhões para o início das obras dessas creches. Mas elas foram paralisadas entre março e outubro de 2019, e os contratos rescindidos pela atual gestão. A questão é alvo de trocas de acusações.

O governo atual diz que houve descumprimento da execução pelas empresas contratadas e aplicou multas e sanções a elas. França diz que Doria tem interrompido obras porque são frutos da sua gestão. Já as empresas dizem que pararam de receber pagamentos.

O primeiro turno nas eleições de 2018 aconteceu em 7 de outubro, e o segundo turno em 28 de outubro, quando França e Doria disputaram voto a voto o governo do estado. Os dois podem voltar a se enfrentar nas eleições de 2022.

Nenhuma das construções chegou a ser feita até a metade —uma delas tem apenas 3% de conclusão. A mais avançada tem 43%. Os locais têm sido tomados pela vegetação.

“Os processos serão recontratados para retomada das obras. Dez deles já estão aptos para nova contratação, um está com processo administrativo em andamento por recurso da contratada e dois estão em reelaboração processual”, diz a FDE, em nota.

A forma de contratação tem sido motivo de questionamentos. Em 2018, duas empresas ganharam essas licitações para as 13 creches. Uma delas é a Deconstri Construtora Ltda., a outra é a TKS Construtora e Comércio. A TKS tem como sócia uma filha de representante da Deconstri.

Os sócios de uma empresa também se responsabilizam pelas dívidas da outra. Para parte dessas obras, as empresas participaram das mesmas concorrências públicas. É o caso das creches de Lavínia, Itaberá e Santa Clara D’Oeste.

As obras tocadas por essas empresas não aconteceriam necessariamente em cidades próximas. A Deconstri, por exemplo, teria que construir uma creche em Jacupiranga, perto da divisa com o Paraná, e em Marabá Paulista, que é perto de Mato Grosso do Sul. As cidades ficam a 824 km de distância uma da outra.

Ambas as construtoras ficam localizadas em Várzea Paulista, distante 637 km de Marabá Paulista e 253 km de Jacupiranga.

A paralisação dessas obras acabou virando pedido de apuração no Ministério Público de São Paulo pelo deputado estadual Danilo Balas (PSL), que entrou com duas representações a respeito dos casos.

Uma das representações, sobre a obra da Deconstri em Itaporanga (a 367 km da capital), virou inquérito civil aberto pelo promotor Silvio Marques, da área de Patrimônio Público. Ele apura eventual improbidade administrativa.

Nesse caso, o investimento do estado seria de R$ 1,8 milhão, e a prefeitura, segundo divulgação dela própria, cederia o terreno. A construção começou em dezembro de 2018 e teria capacidade para atender 130 crianças.

Foram repassados por meio desse convênio R$ 458 mil pelo governo. Em visita feita ao local em fevereiro, Danilo Balas registrou que havia apenas construção parcial dos muros da creche e vegetação alta tomando conta da obra.

Procurada, a Secretaria de Educação de São Paulo afirma em nota que a FDE rescindiu os contratos por descumprimento das obras, com aplicação das penalidades cabíveis e publicação no portal e-sanções.

“Os processos rescindidos tiveram as garantias já acionadas com a seguradora, conforme previsão contratual (5% do contrato). As empresas foram notificadas da aplicação de multas, com a inclusão no Cadin e prazo de 120 dias após acionamento da seguradora, para que os valores sejam cobrados em seguida”, diz a entidade.

A FDE diz que “não haverá prejuízo aos cofres públicos” porque o estado “só paga aquilo que foi realizado pela empresa que venceu o processo licitatório e atestado pela fiscalização da FDE".

“No processo de rescisão, é considerado o percentual de execução das obras para definir quanto deve ser devidamente pago às construtoras e quanto deve ser ressarcido ao governo”. A multa, de caráter punitivo, pode chegar a 20% do descumprimento das obras.

O deputado estadual Danilo Balas (PSL-SP)
O deputado estadual Danilo Balas (PSL-SP) - Agência Alesp

Também procurado, Márcio França afirmou por meio de nota que é favorável, sempre, “a toda apuração idônea sobre contratos públicos”.

“O governo Alckmin programou e anunciou a construção de cerca de 1.000 creches em municípios do Estado de São Paulo”, disse ele, que era vice de Alckmin, do PSDB, e assumiu a gestão estadual quando o tucano deixou o cargo para concorrer à Presidência da República, em abril de 2018.

Segundo França, a contratação das obras é de total responsabilidade da Secretaria de Educação, por meio da FDE. Ele diz ainda que as contas da Secretaria de Educação foram auditadas e aprovadas pelo Tribunal de Contas de São Paulo e pela Assembleia Legislativa.

“Mas, independentemente dessas aprovações, o governo João Doria suspendeu centenas de obras por todo o estado, apenas porque foram autorizadas pelo governo Alckmin/França.”

Ao Ministério Público a defesa da Deconstri disse que, no caso de Itaporanga, houve problemas relativos a atrasos em pagamentos e demora injustificada para a aprovação das medições e a glosa de serviços executados. "Ocorreu também a verificação de falhas na elaboração dos projetos, sendo necessários para a execução da obra serviços que não foram previstos", diz a defesa.

"Inúmeras notificações foram enviadas à fiscalização, e foi realizada até mesmo uma reunião com o presidente da FDE na tentativa de solucionar os problemas de fluxo de pagamento e aprovação das medições, porém sem sucesso", acrescentou.

Por telefone, Denival Ferreira Soares, sócio da Deconstri, afirmou que presta serviço à FDE há mais de 15 anos e que esses problemas prejudicaram a execução das obras. “[Como] Você executa uma obra e você fica um ano sem receber? Isso tudo aí levou à pré-falência a empresa”, disse. A TKS não se manifestou.

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