Alteração no Código de Processo Penal sobre prisão em 2ª instância deve gerar nova discussão no Supremo

Eventual aval de execução antecipada da pena é vista como inconstitucional por especialistas, mas elogiada por procuradores

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Mogi das Cruzes (SP)

A proposta de prisão após condenação em segunda instância voltou a ganhar força na Câmara dos Deputados, dessa vez com o substitutivo apresentado em abril na comissão especial que analisa o novo CPP (Código de Processo Penal).

O texto apresentado pelo deputado João Campos (Republicanos-GO), relator do projeto, retira da lei o trecho do artigo 283 que previa que ninguém poderia ser preso antes do trânsito em julgado do processo, que ocorre quando se esgotam os recursos.

O novo texto do Código de Processo Penal em discussão na Câmara traz ainda outro artigo que autoriza a execução da pena após decisão colegiada, o que ocorre na segunda instância recursal.

Foi o questionamento sobre a constitucionalidade do artigo 283 que fez com que o STF (Supremo Tribunal Federal) voltasse a discutir o tema no final de 2019, proibindo a prisão imediata após condenação em segunda instância. O ex-presidente Lula foi um dos réus beneficiados pela mudança, tendo sido libertado após 580 dias presos em Curitiba.

O julgamento sobre o tema no Supremo teve placar de 6 votos a 5. Marco Aurélio, Ricard o Lewandoski, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli votaram contra a prisão após segunda instância. Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia foram a favor.

O tema é marcado por idas e vindas na corte. Em 2010, o STF se manifestou pela primeira vez sobre o tema, determinando que a prisão só fosse executada após o julgamento dos recursos nas cortes superiores. Já em 2016, a corte voltou a julgar o tema, e permitiu a prisão após condenação em segunda instância.

Entre apoiadores e críticos das alterações apresentadas no substitutivo do novo CPP —ainda sujeito a mudanças—, a avaliação é de que se os dispositivos forem aprovados, o Supremo voltará a ser acionado para decidir sobre a questão.

“Um novo Código de Processo Penal com essa redação nasce sob o signo da interdição. O STF declarou que é proibido a prisão antes do trânsito em julgado. A Constituição não mudou, portanto segue a proibição”, diz Mauricio Dieter, professor do departamento de direito penal e criminologia da USP.

A professora de direito penal da FGV, Raquel Scalcon, concorda sobre inconstitucionalidade e, assim como Dieter, avalia que se o Congresso aprovar a mudança, será necessário pedir a suspensão dos artigos que tratam do tema para evitar prisões ilegais.

“Deveria se ingressar com uma Adin e pedir cautelarmente a suspensão da vigência desse dispositivo enquanto se discute, porque isso pode gerar um grande prejuízo de direitos fundamentais e me parece que estamos diante de uma norma inconstitucional”, diz.

O procurador e ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), João Robalinho, concorda que o tema deve ser alvo de questionamentos na corte, mas avalia que as ações não devem ter sucesso em suspender a mudança.

Segundo ele, a tese de que a prisão em segunda instância era um tema de natureza constitucional foi debatida pelo STF nos julgamentos de 2010 e 2016.

Como no julgamento atual a maioria dos ministros se manifestou sobre a interpretação do Código de Processo Penal, a alteração seria possível por meio da mudança na lei.

“O que foi discutido agora é que é constitucional cumprir a pena a partir da prisão em segunda instância, mas que o Código de Processo Penal exige que você tenha o trânsito em julgado para começar a executar uma pena”, diz.

Janice Agostinho Ascari, procuradora e ex-coordenadora da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, também aprova a mudança, por deixar o texto do Código de Processo Penal mais claro em relação ao tema.

Ascari discorda da interpretação feita atualmente sobre o texto constitucional, que prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

“A mudança prática vai depender dos tribunais, porque se eles continuarem a interpretar que ‘ninguém será considerado culpado’ é igual a ‘ninguém será preso’, então a polêmica vai continuar”, afirma.

O procurador-chefe do MPF (Ministério Público Federal) do Pará, Alan Mansur, afirma que a mudança é importante, mas que seria mais seguro se fosse feita por meio de emenda constitucional. Ele avalia que, caso a mudança no CPP aconteça, ela deve ser aplicada.

“Surgindo a lei, cabe ao Ministério Público e à Justiça aplicar de imediato, não obstante as discussões que vão surgir a partir da primeira condenação”, diz.

Os três procuradores avaliam que a prisão em segunda instância não fere o princípio da presunção de inocência, uma vez que a defesa ainda pode acionar as instâncias superiores, por meio de recursos e habeas corpus. Com a proibição atual, eles afirmam que o único efeito é a impunidade, principalmente em casos de corrupção.

“Não há justificativa nenhuma para o Brasil ser o único país do mundo que leva essa presunção de inocência até a última instância. Esse é um dado que o Código de Processo Penal fez muito bem de avançar”, diz Robalinho.

Dieter afirma que o problema do trânsito em julgado no país está relacionado à falta de critérios claros para os recursos especiais extraordinários, julgados pelo STF, e para os recursos especiais, julgados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

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Scalcon acrescenta que já houve uma flexibilização do Código de Processo Penal, feita pelo pacote anticrime, que afirma que os recursos apresentados em condenações do Tribunal do Júri acima de 15 anos de reclusão não terão efeito suspensivo, o que significa que não impedem que a prisão seja executada.

Rafael Serra Oliveira, advogado criminalista e doutor em processo penal pela USP, diretor do IBBCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), diz que a mudança para autorizar a prisão em segunda instância também fazia parte das “10 medidas contra a corrupção”, sugeridas pelo Ministério Público Federal, e foi rejeitada.

Ele avalia que a alteração no CPP só seria possível com a mudança do texto constitucional.

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre o tema que tramita na Câmara avançou pouco desde o início da pandemia. O relator, deputado Fábio Trad (PSD-MS), apresentou um subsitutivo para o texto original em setembro.

Originalmente, as mudanças seriam feitas apenas nos artigos 102 e 105, que tratam das competências do STF e do STJ. Trad acrescentou alteraçõs nos artigos 111, que trata do TST (Tribunal Superior do Trabalho), e 121, que dispõe sobre TSE (Tribunal Superior Eleitoral), determinando que recursos apresentados pelos tribunais não interferem no trânsito em julgado.

Pelo texto do relator, a emenda constitucional só valerá para processos iniciados após a promulgação da PEC, mesmo que o fato gerador da ação tenha ocorrido antes.

Na Câmara, a PEC precisa do aval de ao menos 308 deputados, em duas votações. No Senado, são necessários pelo menos 49 votos, também em dois turnos.

Apesar das mudanças serem apresentadas em outros dispositivos constitucionais, Scalcon (FGV) avalia que somente com uma nova Constituição seria possível fazer a alteração, uma vez que o direito afetado está previsto no artigo 5ª, considerado cláusula pétrea da carta.

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