Apesar de emails, dono de empresa nega negociação com governo Bolsonaro após relato de propina

Dono da Davati Medical Supply diz que não houve pedido para aumentar preço da vacina, mas emails confirmam negociação

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São Paulo e Brasília

O empresário Herman Cardenas, dono da Davati Medical Supply, empresa que propôs a venda de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca para o Ministério da Saúde, disse à Folha que não houve pedido para aumentar o preço do produto nem ocorreram negociações com o governo do Brasil.

“Não houve negociações ou contratos com o governo do Brasil”, disse Cardenas em resposta a email.

Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da Davati, afirmou em entrevista à Folha que recebeu de Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do ministério, pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Emails obtidos pela Folha, porém, mostram que o ministério negociou oficialmente a venda com os representantes da Davati. As mensagens da negociação foram trocadas entre Dias, Herman Cardenas e Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador dela.

“A palavra negociações implica que dois lados estão ou estiveram conversando com interesse de chegar a um acordo. Nós simplesmente oferecemos um orçamento, que não foi nem aceito ou reconhecido. Portanto não houve negociações com o governo, só uma proposta, que não foi aceita.”

Frasco do imunizante Covaxin na mão do ministro da Saúde da Índia, Harsh Vardhan
Frasco do imunizante Covaxin na mão do ministro da Saúde da Índia, Harsh Vardhan - Adnan Abidi-25.jun.2021/Reuters

Emails obtidos pela Folha mostram que houve, sim, resposta positiva do ministério, ao contrário do que afirma Cardenas.

“Prezados, este ministério manifesta total interesse na aquisição das vacinas desde que atendidos todos os requisitos exigidos. Para tanto, gostaríamos de verificar a possibilidade de agendar uma reunião hoje, às 15h., no departamento de Logística em Saúde”, diz email enviado pelo departamento de logística a Cardenas no dia 26 de fevereiro.

Em outro email, Dias pede a Cardenas que, como discutido na primeira reunião, “precisamos de uma carta do representante ou algum documento que mostre a Davati Medical como representante da AstraZeneca. Depois disso, podemos ir em frente, uma vez que essa proposta comercial parece boa diante de outras recebidas até agora.”

Em outro email, Cardenas envia até um modelo de carta de intenções que deveria ser preenchida pelo ministério, para fazer o pedido à AstraZeneca, além de uma lista de procedimentos a serem adotados.

Um dos emails foi trocado às 8h50 do dia 26 de fevereiro deste ano, por meio do endereço funcional de Dias, "roberto.dias@saude.gov.br", e "dlog@saude.gov.br" —"dlog" é como o departamento de logística é chamado.

Na conversa, Cardenas informa da oferta de 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca, citando Luiz Paulo Dominguetti Pereira como representante da empresa. "Fico no aguardo para ajudar a obter vacinas para seu país", diz.

Em nota enviada à Folha, a AstraZeneca afirmou que “não disponibiliza a vacina por meio do mercado privado ou trabalha com qualquer intermediário no Brasil. Todos os convênios são realizados diretamente via Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e Governo Federal.”

Segundo Dominguetti, Dias cobrou a propina em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro.

Cardenas nega o pedido de propina. “Nunca houve pedido para aumentar o preço, uma vez que nosso representante sabe que a Davati nunca teria aceitado”, disse o empresário por email. Cardenas afirmou que não iria dar entrevista.

Em nota, a Davati reconheceu que tentou vender as doses ao Brasil, mas que não é uma distribuidora autorizada da AstraZeneca. “Embora não estejamos distribuindo nenhuma vacina contra Covid-19 como linha de produto atual, fomos procurados por alguns clientes pelo mundo para localizar vacinas contra Covid-19", disse a empresa.

A Davati Medical Supply foi aberta em junho de 2020 e funciona no mesmo endereço que uma incorporadora imobiliária e uma representante de produtos de construção em Austin, no estado americano do Texas.

De acordo com estimativas de uma empresa de dados corporativos, a Davati faturou USS 266 mil (R$ 1,3 milhão) e tem três funcionários, sendo classificada como uma "pequena empresa".

Cardenas descreve-se como um “visionário, pioneiro e empreendedor em série”, que “fundou e administrou múltiplas empresas em sua carreira".

A Davati, cujo site foi retirado do ar, envolveu-se em um imbroglio no Canadá em março deste ano. Segundo o jornal Saskatoon Star Phoenix, a empresa teria oferecido 6 milhões de doses da vacina da AstraZeneca a um custo de US$ 21 milhões.

A AstraZeneca, no entanto, afirmou que não há “venda ou distribuição” de sua vacina para o setor privado e que está investigando vendas ilegais.

O ministro canadense dos serviços Indígenas, Marc Miller, afirmou em entrevista à mídia local: “Temos indicações de que essas ofertas não são legítimas. Isso gera um alerta”.

À CBC Cardenas disse: "Não somos distribuidores da AstraZeneca. Temos acesso a pessoas que são. Ainda estamos testando esse canal para garantir que eles conseguem entregar".

Em seu site a Davati afirma que vende vacinas, propofol e até o antiviral remdesivir.

“Por causa da grande experiência de nossa equipe em produção e administração de logística no mundo todo, a Davati Medical Supply consegue fornnecer produtos onde outros fornecedores não conseguem."

Cardenas é sócio também da Impact Developers, incorporadora em Austin, e da Davati Building Products, de venda de material de construção, que funcionam com os mesmos números de telefone, registrados no mesmo endereço. No ano passado, obteve autorização nos EUA para a Davati negociar com governos estrangeiros.

Colaborou Marina Dias, de Washington

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