Bolsonaro escala investigado pela CPI para explicar caso Covaxin, não rebate eixo das suspeitas e manda PF investigar denunciantes

Servidor do Ministério da Saúde apontou pressão atípica para fechar contrato de compra de vacina indiana

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mandou a Polícia Federal investigar o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde, por declarações de ambos sobre supostas irregularidades no contrato de compra da vacina indiana Covaxin.

Para fazer sua defesa nesta quarta-feira (23), Bolsonaro escalou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde. Elcio é um dos 14 investigados pela CPI da Covid.

O pedido de investigação do deputado e do irmão dele foi anunciado por Onyx, que não esclareceu, porém, se Bolsonaro recebeu a denúncia feita pelos irmãos Miranda e se deu sequência a ela, solicitando apuração da PF em março, quando a acusação chegou a ele.

"O presidente determinou que a Polícia Federal abra uma investigação sobre as declarações do deputado Luis Miranda, sobre as atividades do seu irmão, servidor público do Ministério da Saúde, e sobre todas essas circunstâncias expostas no dia de hoje", disse Onyx.

O ministro afirmou que o governo pedirá um processo disciplinar contra o servidor, além de apurações sobre denunciação caluniosa, fraude processual e prevaricação.

Onyx não citou pedido de investigação sobre possíveis irregularidades no contrato. Ele também não explicou o que Bolsonaro fez ao receber o alerta sobre a negociação pela vacina indiana.

A Folha tentou questionar o ministro sobre o assunto, mas ele ignorou a pergunta e saiu em silêncio.

O caso em torno das suspeitas da compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro foi revelado pela Folha na semana passada, com a divulgação do teor do depoimento de Luis Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde.

Ele disse em oitiva ao Ministério Público Federal que sofreu uma pressão “atípica” para agilizar a liberação da vacina indiana, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.

Irmão do servidor, o deputado Luis Miranda disse nesta quarta-feira que alertou Bolsonaro, em 20 de março, sobre possíveis irregularidades na compra.

Segundo o parlamentar, naquele encontro Bolsonaro prometeu acionar a Polícia Federal para investigar o caso. "Para poder agir imediatamente, porque ele compreendeu que era grave, gravíssimo", disse Miranda.

O parlamentar afirmou que não recebeu retorno do presidente ou da PF. "Não era só uma pressão que meu irmão recebia. Tinha indícios claros de corrupção."

O governo fechou contrato para compra da Covaxin em 25 de fevereiro, no momento em que tentava aumentar o portfólio de imunizantes e reduzir a dependência da Coronavac, que chegou a ser chamada por Bolsonaro de "vacina chinesa do João Doria".

A Covaxin é produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, e negociada no Brasil pela empresa Precisa Medicamentos.

Ao tomar conhecimento das acusações de Luis Miranda, o clima que tomou conta de Bolsonaro e aliados foi de irritação, segundo pessoas próximas.

No fim da manhã desta quarta-feira, auxiliares de Bolsonaro procuravam desqualificar o ex-aliado do presidente e começaram a disseminar o discurso de que não havia sentido uma denúncia de corrupção a respeito de um contrato pelo qual nada foi gasto ainda, já que o texto previa pagamento somente após aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Onyx negou irregularidades na compra e disse que pedirá investigações sobre documento apresentado pelo deputado à imprensa para apontar supostas irregularidades, que seria diferente do papel enviado pela empresa ao ministério.

O papel apontava tentativa de antecipar pagamento de US$ 45 milhões para a importação de um lote da vacina. Segundo Miranda, o documento foi entregue ao presidente Bolsonaro.

Onyx afirmou que a empresa já havia pedido retificação do documento, para que o pagamento fosse feito após a chegada das doses.

Segundo o ministro, o servidor soube no dia 24 que não havia “fraude nenhuma” no processo, pois o ofício sobre o pagamento da importação havia sido atualizado.

Onyx afirmou que há suspeita de que o documento apresentado pelo deputado é falso. "A má-fé é clara. A suspeita da falsificação é forte."

O ministro disse ainda que a empresa Madison, citada no papel, era uma subsidiária da Bharat Biotech. O deputado havia levantado suspeita sobre a empresa, que não estaria citada no contrato feito pelo governo federal.

Elcio negou à imprensa sobrepreço na compra da vacina. Cada dose foi contratada por US$ 15, valor mais alto acertado pelo ministério com uma farmacêutica. A dose da Pfizer, por exemplo, custou US$ 10.

A Bharat Biotech havia fixado preços de US$ 15 a US$ 20 por dose exportada da vacina.

“Não houve nem jamais haverá qualquer tipo de favorecimento. O governo federal, na atual gestão, não compactua com nenhum tipo de regularidade”, disse Franco.

A defesa do governo foi anunciada de última hora. Os jornalistas foram convocados para uma entrevista sem saber quem falaria e qual seria o assunto.

O novo responsável pela Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), o coronel da Polícia Militar do Distrito Federal André de Sousa Costa, iniciou o pronunciamento afirmando que, entre suas missões no cargo, uma delas era "preservar a imagem do governo federal e isso implica que narrativas falsas, mentiras repetidas várias vezes não se consolidem com o formato de verdade porque não são". Ao fim, não permitiu que jornalistas fizessem perguntas.

Em uma fala inflamada, Onyx fez diversas menções religiosas. Tal qual o presidente, responsabilizou a imprensa e repetiu o discurso de que não há corrupção no governo Bolsonaro.

"Deputado Luis Miranda, Deus está vendo. Mas o senhor não vai se entender apenas com Deus. Vai se entender com a gente também", afirmou o ministro.

"O senhor vai pagar pela irresponsabilidade, pelo mau-caratismo, pela má-fé, pela denunciação caluniosa. Se o senhor achava que ia conseguir luz e, talvez, apoio para uma tentativa de reeleição, o senhor errou", continuou Onyx, antes de encerrar dizendo "que Deus tenha pena do senhor".

CRONOLOGIA DO CASO COVAXIN

1ª reunião (20.nov.20)
É feita a primeira reunião técnica no Ministério da Saúde sobre a aquisição da vacina indiana Covaxin, produzida pela Bharat Biotech

Comitiva (6.jan.21)
Embaixador brasileiro em Nova Déli, na Índia, recebe uma comitiva da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas. Um dos representantes é Francisco Maximiano, presidente da Precisa Medicamentos. A missão visita a Bharat Biotech

Carta ao primeiro-ministro indiano (8.jan.21)
O presidente Jair Bolsonaro envia carta ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e afirma que as vacinas da Bharat Biotech integram o programa brasileiro de imunização

Ofício (18.jan.21)
Ministério da Saúde envia ofício ao presidente da Precisa informando querer dar início a tratativas comerciais para aquisição de lotes

Contrato assinado (25.fev.21)
Contrato é assinado entre o Ministério da Saúde e a Precisa para a aquisição de 20 milhões de doses

Nova viagem (5.mar.21)
Maximiano faz nova viagem à Índia. É recebido outra vez na Embaixada do Brasil em Nova Déli. O empresário fala em 32 milhões de doses contratadas pelo Ministério da Saúde

Pedido rejeitado (31.mar.21)
Anvisa rejeita pedido de importação de doses formulado pelo ministério, por falta de documentos básicos por parte da empresa responsável. No mesmo dia, um servidor de área estratégica do Ministério da Saúde presta depoimento ao MPF em que relata pressão atípica para importação das doses, inclusive com ingerência de superiores junto à Anvisa

Fim do prazo (6.mai.21)
Acaba o prazo estipulado em contrato para a entrega dos 20 milhões de doses. Nenhuma chegou ao Brasil

Pedido aprovado (4.jun.21)
Anvisa aprova pedido de importação de doses, mas com restrições, diante da necessidade de estudos extras de efetividade. Nenhuma dose chegou ao Brasil

Indícios de crime (16.jun.21)
MPF aponta indícios de crime no contrato e envia investigação para ofício que cuida de combate à corrupção

RAIO-X DO CONTRATO

  • Valor: R$ 1,61 bilhão
  • Doses a serem entregues: 20 milhões
  • Preço de cada dose: US$ 15 (R$ 80,70)

Preço das doses de outras vacinas contratadas

  • Sputnik V: R$ 69,36
  • Coronavac: R$ 58,20
  • Pfizer: US$ 10 (R$ 56,30)
  • Janssen: US$ 10 (R$ 56,30)
  • AstraZeneca/Oxford: US$ 3,16 (R$ 19,87)

QUEM É QUEM NO CASO

Precisa Medicamentos
Empresa que assina o contrato com o Ministério da Saúde. Representa no Brasil a farmacêutica indiana Bharat Biotech

Francisco Maximiano
Sócio-administrador da Precisa. É o empresário que foi à Índia para viabilizar a representação da vacina Covaxin no Brasil. Também se apresentou como representante de clínicas privadas de vacinação. Maximiano é presidente da Global Gestão em Saúde

Global Gestão em Saúde
Empresa foi acionada na Justiça pelo MPF por pagamentos antecipados e indevidos feitos pelo Ministério da Saúde. O valor soma R$ 20 milhões. Segundo a ação de improbidade, a Global não forneceu medicamentos para doenças raras e, mesmo assim, recebeu pagamentos antecipados. Segundo o MPF, 14 pacientes morreram

Alex Lial Marinho
Tenente-coronel do Exército, era do grupo próximo ao general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. Indicado por ele ao cargo, Marinho foi coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde. Parte da pressão para importar a Covaxin, apesar da falta de documentos junto à Anvisa, partiu de Marinho, segundo depoimento de servidor à Procuradoria. O tenente-coronel foi demitido do ministério no último dia 8

Luis Ricardo Fernandes Miranda
Chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde que relatou ao MPF em depoimento em 31 de março revelado pela Folha ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato com a Precisa

Luis Claudio Fernandes Miranda
Deputado federal pelo DEM-DF que diz ter alertado Bolsonaro sobre indícios de irregularidade na negociação do Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana Covaxin

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.