CPI prevê efeito cascata e foco governista esvaziado após STF livrar governador de prestar depoimento

Rosa Weber desobrigou Wilson Lima, do Amazonas, de ir à comissão, abrindo caminho para enterrar estratégia de aliados de Bolsonaro

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Brasília

Senadores da CPI da Covid dizem acreditar que a decisão da ministra Rosa Weber (STF) de autorizar o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), a não depor na comissão pode ter um efeito cascata.

A magistrada do Supremo Tribunal Federal afirmou que a regra de não depor só vale para gestores que respondem a investigação na Justiça, uma vez que a jurisprudência atual da corte estabelece que ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo.

Como a CPI havia aprovado a convocação apenas de governadores que foram alvo de operação policial, a avaliação é que o precedente com Wilson Lima pode ser estendido aos demais, barrando todas as oitivas dos responsáveis por Executivos estaduais.

Assim, corre risco de ser esvaziada a estratégia de senadores governistas de ampliar o foco das investigações para dividir com governadores o desgaste gerado ao presidente Jair Bolsonaro pelo trabalho da comissão.

O governador do Amazonas prestaria depoimento à CPI nesta quinta-feira (10), mas deixou de comparecer após a decisão tomada horas antes por Rosa Weber.

Os congressistas já haviam aprovado requerimentos de convocação para outros sete gestores estaduais: Helder Barbalho (MDB-PA), Wellington Dias (PT-PI), Ibaneis Rocha (MDB-DF), Mauro Carlesse (PSL-TO), Carlos Moisés (PSL-SC), Antônio Denarium (sem partido-RR) e Waldez Góes (PDT-AP).

Na decisão sobre Lima, Rosa Weber afirmou que a ação assinada por 19 governadores para que o Supremo proíba a possibilidade de serem convocados em CPI do Congresso ainda será debatida e que é nesse processo que a corte fixará um entendimento geral sobre o tema. O julgamento, porém, ainda não tem data para ocorrer.

Enquanto isso, se os senadores mantiverem a convocação dos outros sete governadores e se eles acionarem o STF, as situações devem ser analisadas caso a caso, mas a tendência é que também consigam autorização para não comparecerem à comissão.

Isso porque, por ser a relatora da ação que trata do tema, a ministra também deve ser a responsável por eventuais pedidos de outros gestores estaduais que pedirem ao STF para não depor na CPI.

Ao liberar Lima para não comparecer à comissão, a magistrada deixou claro que estava tratando apenas do caso concreto de um investigado que pode exercer seu direito de não se autoincriminar.

A CPI EM CINCO PONTOS

  • Foi criada após determinação do Supremo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

  • Investiga ações e omissões de Bolsonaro na pandemia e repasses federais a estados e municípios

  • Tem prazo inicial (prorrogável) de 90 dias para realizar procedimentos de investigação

  • Relatório final será encaminhado ao Ministério Público para eventuais criminalizações

  • É formada por 11 integrantes, com minoria de senadores governistas

Em parecer enviado ao Supremo nesta quinta, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou de forma favorável à convocação de governadores pela CPI.

Na visão de Aras, a Constituição proíbe apenas a convocação do presidente da República. Como não há menção a governadores nesse trecho da Carta, a regra não vale para eles no caso de CPI no Congresso. Essa previsão só valeria para comissão de inquérito nas Assembleias Legislativas, na visão do procurador-geral.

“É certo que a norma do artigo 50 da Constituição Federal é de reprodução obrigatória nas constituições estaduais. Assim, os governadores de estado não poderão ser convocados a prestar depoimento perante as respectivas Assembleias Legislativas”, ressalvou.

E completou: “Não se pode invocar o princípio da simetria para extrair da Constituição Federal norma que disponha sobre a relação entre o Poder Legislativo da União e os Poderes Executivos dos estados e do Distrito Federal”.

Logo na abertura da sessão desta quinta-feira, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que iria recorrer da decisão.

"O Senado irá recorrer da decisão. Respeitamos a decisão da ministra Rosa Weber, como temos respeitado todas as outras decisões que aqui foram impetradas contra esta comissão parlamentar de inquérito", afirmou.

"Mas acredito que o governador do estado do Amazonas perde uma oportunidade ímpar de esclarecer ao Brasil, mas principalmente ao povo amazonense, o que, de fato, aconteceu no estado do Amazonas", disse.

A decisão de recorrer foi saudada por vários senadores, principalmente pelos governistas, que pretendem focar a investigação nos repasses federais para estados e municípios.

A CPI foi proposta no Senado mirando as falhas e omissões do governo Bolsonaro na gestão da Covid, mas acabou incorporando depois a proposta de aliados do presidente para também tratar das verbas repassadas a gestores locais.

Para a cúpula da CPI, a decisão de Rosa Weber evita que a comissão mude o foco inicial da investigação para os governadores e tire a pressão sobre o governo federal.

Desde que as convocações foram aprovadas no colegiado, congressistas torciam para que a corte desobrigasse o comparecimento dos gestores estaduais.

O único depoimento considerado essencial por senadores é o do ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel. Isso porque há a avaliação de que ele pode comprometer Bolsonaro.

Sobre a ida de outros chefes de Executivos, senadores dizem que caberá a cada um tomar a decisão porque Rosa Weber abriu essa possibilidade na determinação desta quarta. Por isso não seria necessário transformar convocações em convites, como queriam senadores para comparecer ao colegiado.

Congressistas ficaram irritados, porém, com o fato de a decisão da ministra do STF ter sido tomada em cima da hora e não ter dado tempo para que eles agendassem outro depoimento no lugar.

O senador Humberto Costa (PT-PE), uma das principais vozes do grupo majoritário da CPI, formado por independentes e oposicionistas, avaliou que a decisão de Rosa Weber abre espaço para que outros governadores usem esse precedente para não comparecerem para depor.

"Eu acredito que sim, a possibilidade de a gente ter uma negativa do Supremo em relação a esses convites [aos demais governadores] é grande. Já existe aquele precedente", afirmou o senador, em referência à decisão em benefício do ex-governador de Goiás Marconi Perillo, em 2012.

O senador petista, por outro lado, disse acreditar que precisa haver uma orientação do STF para as investigações referentes aos repasses federais, uma vez que a convocação dos governadores pode ser inviabilizada.

"De alguma forma, é preciso tratar desse tema. A Constituição diz que você pode fazer a fiscalização da aplicação dos recursos via CPI, para tudo aquele que diz respeito ao governo federal. Se num caso de denúncia de desvios de recursos federais não é possível ouvir o governador, então tem que saber quem a gente pode ouvir", disse.

Ao autorizar Lima a não comparecer à CPI, Rosa Weber afirmou que esse entendimento condiz com a jurisprudência do tribunal.

"Esta Suprema Corte, em sede de controle normativo abstrato, adotou entendimento no sentido de que os investigados e os réus não são obrigados a comparecerem para o ato de interrogatório seja policial, seja judicial."

A visão da ministra sobre o tema, porém, não é unanimidade no tribunal. Em 14 de maio, por exemplo, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu apenas parcialmente um habeas corpus ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

O magistrado garantiu a Pazuello o direito de se manter em silêncio, mas fez a ressalva de que teria de responder sobre fatos que não levassem a sua incriminação.

GOVERNADORES CONVOCADOS

  • Helder Barbalho (PA) 29.jun
  • Wellington Dias (PI) 30.jun
  • Ibaneis Rocha (DF) 1º.jul
  • Mauro Carlesse (TO) 2.jul
  • Carlos Moisés (SC) 6.jul
  • Antonio Denarium (RR) 7.jul
  • Waldez Góes (AP) 8.jul
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