Denúncia de propina de US$ 1 por dose empareda governo, e Planalto tenta blindar Bolsonaro

Sob pressão, presidente acena ao Congresso e afirma que não será atingido por mentiras ou 'CPI de bandidos'

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Brasília

Auxiliares de Jair Bolsonaro discutem nos bastidores como blindar o presidente das recentes denúncias contra o seu governo em relação a contratos de vacinação. As crises constantes têm atingido uma de suas bandeiras eleitorais de que não haveria irregularidades em sua gestão.

Nesta quarta-feira (30), Bolsonaro ignorou a denúncia de oferta de propina na compra de vacina e afirmou que mentiras não vão tirá-lo do Palácio do Planalto, referindo-se ainda à CPI da Covid no Senado como "CPI de bandidos".

“Não conseguem nos atingir. Não vai ser com mentiras ou com CPI, integrada por sete bandidos, que vão nos tirar daqui. Temos uma missão pela frente: conduzir o destino da nossa nação e zelar pelo bem-estar e pelo progresso do nosso povo”, disse em discurso de improviso durante visita a Ponta Porã (MS).

O presidente Jair Bolsonaro durante evento em Ponta Porã (MS) nesta quarta-feira (30)
O presidente Jair Bolsonaro durante evento em Ponta Porã (MS) nesta quarta-feira (30) - Divulgação Presidência

Reservadamente, assessores presidenciais criticam a demora do Planalto em reagir a turbulências, sobretudo as que envolvem a CPI da Covid no Senado. A queda de Roberto Ferreira Dias da Diretoria de Logística do Ministério da Saúde é um exemplo.

Desgastado nas últimas semanas em razão das suspeitas em torno da compra da vacina indiana Covaxin, ele só foi exonerado após o representante de uma vendedora de vacinas afirmar à Folha que recebeu dele pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato.

O mesmo tem ocorrido em relação ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), apontado como um dos fiadores da indicação de Dias. Bolsonaro resiste em tirá-lo do posto, à espera de que o próprio deputado abra mão.

Diante do agravamento da crise envolvendo a compra das vacinas, o presidente passou a evitar até mesmo seus apoiadores, que às vezes o colocam em saia-justa com perguntas delicadas. Desde terça-feira (29), os eleitores bolsonaristas não estão sendo autorizados a entrar no Palácio da Alvorada.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro sofre pressão no Congresso. Em um aceno no dia em que um superpedido de impeachment contra ele foi protocolado na Câmara, o presidente agradeceu a parceria na aprovação de projetos a quem chamou de "amigos do Poder Leegislativo".

E mais uma vez exaltou o apoio das Forças Armadas. “Só tenho paz e tranquilidade porque sei que, além do povo, tenho as Forças Armadas comprometidas com a democracia e a nossa liberdade. Pode ter certeza de que temos uma missão pela frente e vamos cumpri-la da melhor maneira possível."

Em Mato Grosso do Sul, Bolsonaro participou da inauguração da Estação Radar de Ponta Porã, com capacidade de detectar aeronaves com precisão a longas distâncias pela Força Aérea Brasileira (FAB).

Logo que Bolsonaro chegou à inauguração, a segurança dele liberou o espaço para que apoiadores entrassem no local. Houve registros de aglomerações e muitos não usavam máscaras. Além da inauguração, o presidente deve participar de um almoço no Sindicato Rural de Ponta Porã.

Com dificuldade do governo em encontrar um discurso e um porta-voz para defender Bolsonaro nesta crise, coube ao ministro das Comunicações, Fábio Faria, que cumpre agenda na Espanha, vir a público para colocar em prática a estratégia traçada.

"A respeito da denúncia sobre suposto pedido de propina pedido por um ocupante de cargo comissionado no governo, pontuo: O servidor foi exonerado prontamente porque a postura que ele teria tido, segundo a acusação, vai contra todas as diretrizes do governo, que abomina corrupção", escreveu Faria numa rede social.

Exonerado do cargo após as denúncias de propina à Folha, Dias já havia sido citado pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) que, com o irmão Luis Ricardo Miranda, chefe do departamento de importação do Ministério da Saúde, denunciou suspeita de irregularidade no contrato de compra da vacina Covaxin.

Segundo o deputado, Dias é quem dava as cartas na Saúde.

A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando a Folha revelou no dia 18 de junho o teor do depoimento sigiloso de Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin. Desde então, o caso virou prioridade da CPI da Covid no Senado.

Na terça-feira, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, disse à Folha que Roberto Ferreira Dias cobrou a propina em um jantar no dia 25 de fevereiro, em Brasília.

A empresa Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com uma proposta feita de US$ 3,5 por cada (depois disso passou a US$ 15,5).

​De acordo com o ministro Fábio Faria, o contrato com a AstraZeneca e a Fiocruz —que produz o imunizante no Brasil— foi assinado em julho do ano passado.

"Portanto, não precisaria de intermediários em fevereiro deste ano para tratar de vacinas", afirmou, encerrando que "toda suspeita será investigada, com transparência e honestidade".

Nesta quarta-feira (30), a Folha revelou que emails que mostram que o Ministério da Saúde negociou oficialmente venda de vacinas com representantes da Davati Medical Supply.

Um dos emails foi trocado às 8h50 do dia 26 de fevereiro deste ano, por meio do endereço funcional de Dias, "roberto.dias@saude.gov.br", e "dlog@saude.gov.br" —"dlog" é como o departamento de logística é chamado. Na conversa, Luiz Paulo Dominguetti Pereira é citado como representante da empresa.

Assim como tem feito com os irmãos Miranda, o governo também pretende desqualificar o diretor exonerado e associá-lo ao ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, já que foi na gestão dele que Roberto Dias assumiu o cargo, em janeiro de 2019.

Mandetta elogiou à Folha o desempenho de seu nomeado. "O currículo do cara é muito bom e o desempenho foi bom. Ele sempre teve uma postura técnica, correta", disse Mandetta, lembrando que Dias era um dos dois únicos remanescentes da equipe que montou ao assumir o Ministério da Saúde.

Roberto Dias foi apresentado a Mandetta pelo ex-deputado e então assessor da Casa Civil, Abelardo Lupion (DEM-PR). Já convidado por Onix Lorenzoni para assessoria da Casa Civil, Lupion foi consultado por Mandetta sobre possíveis ocupantes para a diretoria de Logística do ministério, tendo indicado Dias.

Colaborou Katna Baran, de Curitiba

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