Depoimento de coronel à CPI da Covid reforça lentidão por vacina e foco em tratamento precoce na gestão Pazuello

Élcio Franco repetiu à comissão versões dadas pelo general ex-ministro para justificar demora na compra de imunizantes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Em depoimento à CPI da Covid, o coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, reconheceu que o governo federal adotou o tratamento precoce como estratégia principal para o enfrentamento da pandemia, com o “medicamento que o médico julgar oportuno”.

Franco, braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello e atualmente assessor especial da Casa Civil, também repetiu versões dadas por seu superior para justificar a lentidão no processo de aquisição de vacinas, culpando a legislação brasileira na época e atrasos no desenvolvimento dos imunizantes, em especial do Instituto Butantan.

O coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, presta depoimento à CPI da Covid no Senado
O coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, presta depoimento à CPI da Covid no Senado - Adriano Machado/Reuters

Assim como Pazuello, Franco também contrariou vídeo público de uma ordem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a versão oficial do Butantan, afirmando que as negociações para a compra da Coronavac nunca foram paralisadas.

O coronel do Exército prestou depoimento por mais de nove horas na CPI da Covid nesta quarta-feira (9), em uma sessão que muitos senadores consideraram uma das mais fracas desde o início das atividades da comissão.

Franco evitou responder diretamente se o Ministério da Saúde defendia o uso da hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid. Por outro lado, afirmou que a gestão Pazuello sempre defendeu o “atendimento precoce”.

“Nossa gestão do Ministério da Saúde defendia o atendimento precoce do paciente”, disse.

“Com o medicamento que o médico julgar oportuno, dentro da sua autonomia. E, se ele for usar algum medicamento off label, como vários são utilizados na saúde, que ele faça o esclarecimento para o paciente, que só poderá ser medicado com aquele medicamento se aceitar”, completou.

Governistas, desde o ano passado, afirmam que defendem o tratamento precoce, mas evitam dizer como deveria ser esse tratamento, deixando a cargo dos médicos. Como não há medicamentos para tratar a Covid-19, a classe médica considera evidente que o tratamento precoce preconizado significa o uso da hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos, administrados fora do previsto em bula.

O ex-secretário-executivo também disse que não adquiriu cloroquina para combater a Covid-19 em 2020. Ele afirmou que no ano passado só houve aquisição do medicamento para o programa de malária.

“Por determinação do Pazuello, na nossa gestão não ocorreu aquisição de cloroquina em 2020 para combater a Covid-19. Porém, identificamos que para atender ao programa antimalária, em 30 de abril em 2020 foi assinado um termo aditivo ao TED com a Fiocruz no valor de R$ 50 mil visando a aquisição desse fármaco para o programa antimalária."

No entanto, a Folha mostrou que o Ministério da Saúde desviou para o programa da Covid 2 milhões dos 3 milhões de comprimidos de cloroquina fabricados pela Fiocruz para o combate à malária.

O coronel também reconheceu que, quando contraiu a Covid-19, foi tratado com hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos sem eficácia comprovada, pois havia sido receitado por seu médico.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) indagou se esses medicamentos não podem ter sido nocivos, já que ele relatou ter 25% a 50% dos pulmões afetados. Franco respondeu que “poderia ter sido pior” sem esses medicamentos.

Ele também negou a lentidão na aquisição das vacinas, mas levantou uma série de empecilhos para a compra das imunizações.

Provocou a reação dos senadores ao afirmar que as negociações para a compra da Coronavac, desenvolvida em parceria entre o Butantan e o laboratório chinês Sinovac, nunca foram interrompidas.

Em vídeo público de outubro, Bolsonaro afirma que havia dado ordem para que o então ministro Pazuello cancelasse contrato para a compra de 40 milhões de doses da Coronavac. Em outro vídeo, o general ao lado do presidente afirma que “um manda, o outro obedece”.

Além disso, em depoimento à CPI, o diretor do Butantan, Dimas Covas, confirmou que as negociações foram paralisadas após esses episódios.

“Todas essas negociações que ocorriam com troca de equipes técnicas, com troca de documentos, a partir desse momento elas foram suspensas. Quer dizer, houve, no dia 19 [de outubro de 2020], um dia antes da reunião com o ministro, um documento do ministério que era um compromisso de incorporação, mas, após, esse compromisso ficou em suspenso e, de fato, só foi concretizado em 7 de janeiro”, afirmou Covas em depoimento à comissão.

Franco evitou falar que Covas mentiu à CPI, mas manteve o argumento de Pazuello.

"Eu acredito que foi uma questão de percepção do doutor Dimas Covas. Mas a área técnica estava sempre acompanhando o desenvolvimento da vacina", afirmou.

“Não recebi ordem para interromper, e elas continuaram. Essas tratativas continuaram. E o Instituto Butantan, como eu falei, o dr. Dimas Covas e a Cintia tinham o meu telefone e, em caso de alguma dificuldade de comunicação, eles poderiam ter mandado mensagem para o meu WhatsApp e poderiam ter conversado comigo”, completou.

O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), questionou por que o governo federal não adquiriu antes as doses da Coronavac, em ofertas que foram anunciadas por Covas à CPI. Franco culpou a legislação brasileira e afirmou que havia “incertezas” em relação à eficácia da imunização, que ainda estava em fase 3 de testes clínicos.

“Essas vacinas ainda estavam na fase 3 de desenvolvimento de estudos clínicos, ou seja, a fase que também é denominada cemitério das vacinas. O grau de incerteza é muito grande, não é? Nenhum desses laboratórios poderia nos garantir, efetivamente, que a vacina seria desenvolvida com sucesso”, afirmou.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) rebateu a fala afirmando que no cemitério estão pessoas que morreram porque ainda não havia vacinas.

Franco também criticou o Butantan, afirmando que houve lentidão no desenvolvimento das vacinas e na entrega de documentos, que eram exigidos.

Sobre o consórcio Covax Facility e a aquisição de vacinas para atender apenas 10% da população, disse que a decisão foi de Pazuello, ouvindo ele e outros técnicos. O país poderia fechar contrato que atendesse até 50% da população.

O ex-secretário argumentou que a decisão foi baseada em nota técnica da Secretaria de Vigilância em Saúde e também porque outras vacinas já estavam sendo negociadas com a Fiocruz e o Butantan.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), mostrou que 81 correspondências foram enviadas pela Pfizer ao governo federal entre março de 2020 e abril deste ano. O senador afirmou que em cerca de 90% não houve resposta da gestão Bolsonaro.

Franco argumentou que algumas correspondências citadas pelo senador eram respostas de demandas da pasta e que a empresa também mandava emails repetidos. Disse ainda que o primeiro contato dele com representantes da farmacêutica americana foi em agosto do ano passado.

Ele negou que tivesse havido "incompetência e ineficiência" do Ministério da Saúde durante a negociação para a compra da vacina da Pfizer. As expressões foram usadas em entrevista pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten

Franco afirmou que nunca houve interrupção nas negociações da Pfizer e negou que o Ministério da Saúde não tivesse enviado respostas para a Pfizer. A Folha mostrou que dez emails da Pfizer em um intervalo de um mês ficaram sem respostas e que a contraproposta só veio em dezembro.

O coronel do Exército também afirmou que desconhece a existência de um gabinete paralelo fora da estrutura do Ministério da Saúde para auxiliar Bolsonaro em temas relacionados à pandemia.

Afirmou que recebeu o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), apontado como um dos líderes desse gabinete, mas para tratar apenas de emendas parlamentares.

O ex-secretário-executivo sugeriu ainda que municípios podem ter apontado indevidamente casos de infecção pelo novo coronavírus para receber repasses federais.

Franco foi questionado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) se acreditava que haveria supernotificação de casos.

"Eu não posso afirmar isso, seria leviano de minha parte, mas em um relatório do TCU, em um acórdão do TCU do ano passado, ele colocava que haveria o risco de supernotificação considerando que a lei complementar, que eu falei na abertura da minha fala, que destinava R$ 60 bilhões para estados e municípios, ela previa o repasse e um dos itens previstos nessa lei complementar era justamente a incidência de casos. Então existe sim o risco de ter havido supernotificação, mas eu não posso afirmar isso.”

Também na sessão desta quarta-feira, os senadores da CPI aprovaram uma série de requerimentos de convocação de autoridades para prestarem depoimento. Entre os alvos estão autoridades que integrariam essa estrutura paralela.

Um dos convocados é o próprio Terra, que é médico e considerado um dos principais conselheiros de Bolsonaro na área da saúde. O deputado já defendeu publicamente a tese da imunidade de rebanho.

Ainda no ambiente do gabinete paralelo, foi convocado o secretário de Comunicação Institucional da Presidência, Felipe Cruz Pedri.

Os senadores também aprovaram a convocação do ex-secretário de Saúde do Distrito Federal Francisco de Araújo Filho, que chegou a ser detido em operação policial.

Outro requerimento aprovado prevê a convocação da diretora do PNI (Programa Nacional de Imunizações), Francieli Fantinato, fruto de requerimento do senador Otto Alencar (PSD-BA), para dar explicações sobre vacinação para gestantes e também a respeito da obediência ao previsto nas bulas das vacinas.

O mesmo requerimento prevê uma acareação entre Fantinato e a ex-secretária extraordinária de enfrentamento da pandemia Luana Araújo.

Também foram convocados o empresário José Alves Filho e o presidente da Apsen Farmacêutica, Renato Spallicci.

Os senadores aprovaram ainda uma perícia no sistema do aplicativo TrateCov, que chegou a receitar a hidroxicloroquina.

Além disso, pediram explicações ao Ministério da Saúde sobre eventuais negócios com a médica Nise Yamaguchi, defensora da hidroxicloroquina e que já prestou depoimento à comissão.

Outro requerimento prevê que companhias aéreas prestem informações sobre voos de Nise, para tentar obter informações sobre eventuais participações em reuniões do gabinete paralelo.

Os senadores da CPI também aprovaram a convocação para depoimento do servidor do TCU (Tribunal de Contas da União) Alexandre Figueiredo Costa e Silva.

Ele elaborou um relatório paralelo para tentar mostrar que os números de mortes em decorrência da Covid-19 estavam superestimados. O documento foi citado por Bolsonaro, que depois se desculpou.

Os senadores querem saber se Costa e Silva manteve contato com integrantes do gabinete paralelo, com autoridades do Palácio do Planalto ou com os filhos e pessoas próximas a Bolsonaro.

A CPI da Covid também aprovou requerimento que reclassifica todos os documentos recebidos pela comissão —serão considerados sigilosos somente os que são garantidos por lei, ou seja, que obtenham informações bancárias, fiscais, de segurança nacional e de interesse do Estado brasileiro.

A discussão começou após o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) reclamar que está tendo dificuldade para acessar documentos do Amazonas a fim de se preparar para o depoimento do governador do estado, Wilson Lima (PSC). "Diante do exposto venho requerer que se busque resolver em definitivo o problema técnico que se apresenta."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.