Descrição de chapéu Coronavírus

Doria toma sol sem máscara em piscina de hotel no Rio e vira alvo de críticas em meio à pandemia

Flávio e Eduardo Bolsonaro fizeram postagens com insinuações contra tucano, que afirma não ter promovido aglomerações

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São Paulo

No momento em que o Brasil ultrapassava 473 mil óbitos por Covid após 135 dias com média móvel de mortes acima de 1.000, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), foi flagrado sem máscara tomando sol na piscina de um hotel em meio a turistas, neste domingo (6), no Rio de Janeiro.

A atitude foi criticada depois que imagens do tucano viralizaram em redes sociais. Doria é um dos principais críticos da política do presidente Jair Bolsonaro de ignorar as regras de distanciamento durante a pandemia.

"O governador João Doria estava neste domingo no hotel Fairmont, no Rio de Janeiro, em momento de descanso com a esposa e não promoveu nenhum tipo de aglomeração", diz nota do Governo de São Paulo.

Segundo aliados do governador, a viagem foi a lazer —a agenda oficial de Doria estava vazia no fim de semana. A assessoria do governador informou também que o deslocamento não foi feito com aeronaves do estado ou fretadas com verba pública.

Doria deitado sobre uma cadeira reclinável, sem camisa e de sunga sob um guarda-sol, com vista para uma área verde. Outros homens de sunga tomam sol numa cadeira ao lado
O governador João Doria neste domingo no hotel Fairmont, no Rio de Janeiro - Reprodução

Doria tomou a segunda dose da vacina na sexta-feira (4) e, portanto, não estava completamente imunizado dois dias depois.

Sem mencionar o nome de Doria, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Bolsonaro, publicou um vídeo curto e escreveu: "'Lockdown, fome e desemprego pra você, marquinha pra mim…' Duvido você acertar quem é esse tomando vitamina D! Sabe?"

Outro filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também compartilhou imagens e afirmou: "Esse é o cara que queria ser líder do país".

Segundo lei estadual sancionada há um ano, o uso de máscara é obrigatório no estado do Rio em qualquer ambiente público, "assim como em ambientes privados de acesso coletivo", sob pena de multa de R$ 111 na primeira autuação. A lei vale enquanto vigorar a calamidade pública no estado. ​

O Brasil registrou 866 mortes pela Covid-19 e 41.114 novos casos da doença neste domingo (6) do fim do feriado prolongado de Corpus Christi. Assim, o país chega a 473.495 óbitos e a 16.946.100 pessoas infectadas pelo coronavírus desde o início da pandemia, no ano passado.

É comum que em finais de semana e feriados os números diminuam por causa dos plantões nas secretarias de Saúde estaduais.

A média móvel de mortes ficou em 1.629 óbitos por dia —o número está há 135 dias acima de 1.000 mortes diárias, considerado um patamar bastante alto.

Na quarta-feira (2), véspera do feriado, Doria recomendou, em entrevista à imprensa, que os paulistas não participassem de aglomerações na folga e afimou que a força-tarefa do estado iria usar drones e helicópteros para coibi-las. "Tudo que nós não precisamos agora é aumentar o índice de infecção a partir de aglomerações desnecessárias", disse.

Doria afirmou que não havia impedimento para viagens.

"Lembrando que, por favor, não faça aglomerações. Nós temos um feriado circunstancial, porque esse feriado já foi antecipado, mas mesmo assim, muitas pessoas se organizaram para viajar. Não há impedimento para viagem, mas a orientação é para que não façam aglomerações de nenhuma espécie, de nenhuma ordem, nem no campo, nem na praia, nem em praças, nem em parques e muito menos em casas noturnas ou espaços para promoção de eventos que não devem ser realizados."

O governador falou ainda sobre Campos do Jordão (SP), onde tem uma casa. No feriado, a cidade teve aglomeração pelas ruas, com muitos turistas sem máscara.

"Quero deixar a orientação para que pais conversem com seus filhos para que não se aglutinem e quero fazer um recado especificamente para aqueles que estão se dirigindo às praias e também às montanhas —Campos do Jordão, local que eu pessoalmente tenho enorme estima. Nós não permitiremos nenhum tipo de aglomeração, seja em Campos do Jordão, seja em Guarujá, Santos, Saõ Vicente, litoral sul, Riviera ou qualquer faixa do litoral norte", completou Doria.

Membros do PSDB próximos ao governador admitem que a atitude foi prejudicial a sua imagem, que Doria poderia ter evitado esse desgaste e, inclusive, tentaram alertá-lo.

Por outro lado, os aliados afirmam que não há comparação entre Doria e Bolsonaro, que promove aglomerações com apoiadores, não usa máscara e incentiva o boicote ao combate da pandemia. Também apontam mensagens em defesa do governador nas redes.

Em reservado, aliados do governador dizem que não há nada de errado em descansar e não usar máscara naquele ambiente, mas reconhecem que, agora, Doria precisa se explicar e acabou dando argumento aos opositores —sobretudo boslonaristas.

Entre tucanos, o episódio é considerado mais um erro político do governador, agravado pelo fato de que Doria tenta se viabilizar candidato a presidente da República, enquanto marca 3% das intenções de votos no último Datafolha. O governador deve disputar as prévias presidenciais do PSDB.

Como mostrou a Folha, Doria tenta alterar as regras das prévias, que serão definidas nesta terça (8). Ele ampliou a articulação política dentro do partido e intensificou acenos aos eleitores, com calendário antecipado de vacinação e inaugurações pelo interior.

Douglas Garcia (PTB), deputado estadual bolsonarista que é presença constante em protestos contra Doria, afirmou à Folha que o governador "ajudou a oposição".

"É uma contra campanha, ficou feio demais. Mostrou que a preocupação dele não é com saúde ou ciência, mas em destruir a economia. Doria exige o uso de máscara para todos sem fazer ressalvas, e faz o contrário", disse.

Garcia questiona sobretudo o fechamento do comércio, medida eficiente contra o coronavírus, e diz que pediu a presença do secretário da Fazenda de Doria, Henrique Meirelles (PSD), na Assembleia Legislativa para explicar ações do governo contra o desemprego.

"Uma medida impopular e burra. Ele tira o sustento do povo e vai para hotel de luxo. É a pura hipocrisia."

Também houve crítica a Doria na esquerda. "É aquela coisa: faça o que eu mando e não faço o que eu faço", resume a deputada estadual Professora Bebel, líder do PT na Assembleia de São Paulo, para quem Doria e Bolsonaro "são duas faces da mesma moeda".

"Não recrimino o fato de ele estar em um hotel, descansando. O problema é o protocolo sanitário, os governantes têm que dar exemplo. Foi um tiro no pé, pegou mal. Quer dizer, o que ele fala é da boca para fora, para polarizar com Bolsonaro", diz ela.

"Uma pessoa pública tem que dar o exemplo", afirmou o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). "Mas o pior é a ação dele contra os trabalhadores", completou, mencionando demissões na Imprensa Oficial e a venda de terreno do Sindicato dos Metroviários.

Procurado pela Folha, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) não quis comentar. Guilherme Boulos (PSOL) não respondeu. O líder do governo na Assembleia, Vinicius Camarinha (PSB), afirmou que o governo já emitiu nota sobre o caso.

A infectologista e professora da Unicamp Raquel Stucchi afirma que é praticamente zero o risco de transmissão nas condições em que Doria estava —ao ar livre e a mais de 1,5 metro dos demais-- e que é normal dispensar a máscara para tomar sol.

Mas a professora classifica a atitude do governador como "extremamente inapropriada", já que não é o momento de viajar e não se sabe o que aconteceu em outros momentos da viagem, se Doria respeitou as regras sanitárias. "Ele podia ter escolhido tomar sol num sítio no interior de São Paulo, não precisava ter feito esse deslocamento", diz.

​"É um desrespeito para todos nós que insistimos para as pessoas se cuidarem, não viajarem, saírem só para o trabalho. É um desrespeito para todos os profissionais da saúde, que estão há 15 meses em uma luta insana, tentando salvar vidas. É desolador a gente ver um gestor público, que deveria cuidar de todos nós e ser o exemplo, tendo uma atitude dessas", completa.

Doria já havia provocado controvérsia ao viajar para Miami nas vésperas do Natal de 2020, em meio a um anúncio de endurecimento do plano estadual de contenção da pandemia do novo coronavírus.

Na ocasião, ele planejava tirar licença de dez dias, mas mudou de ideia com a revelação de que seu vice, Rodrigo Garcia, tinha contraído a Covid-19.

Em vídeo na época, o tucano se desculpou e disse que reconhecia o erro. "Desculpas para aqueles que imaginaram que eu estivesse aqui deixando a cidade, o estado de São Paulo, depois de medidas restritivas para desfrutar de uma vida confortável, com menos restrições, em Miami. Não houve esse gesto de pouca responsabilidade da minha parte."

Outros políticos que pregam isolamento e distanciamento também se tornaram alvo de bolsonaristas após serem flagrados sem máscara ou serem vistos em eventos e viagens, como o prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (PSDB), que se desculpou por ida a resort na região de Araraquara (SP).

Líderes de partidos de esquerda como Boulos, o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, e o deputado federal Tulio Gadelha (PDT-PE) foram criticados após postarem nas redes sociais uma foto na qual não usavam máscara.

Após a repercussão negativa, Boulos disse em suas redes sociais que todos usaram máscaras durante todo o encontro. “Tiramos apenas no momento de tomar o café, quando a foto foi tirada. Vi críticas aqui sobre o exemplo que isso transmite. Estão corretas. Faltou esse cuidado. Obrigado pelo toque”, afirmou.

O ex-prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB) também foi criticado por ida a jogo no Macacanã, em janeiro, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), se desculpou após ter cantado, sem máscara, em roda de samba em um bar.

O vice-presidente da CPI da Covid, senador Rendolfe Rodrigues (Rede-AP), foi fotografado sem máscara em aeroporto e a imagem foi publicada pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos). O senador afirma ter tirado a proteção apenas para tomar café.

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