Esquerda marca para dia 19 novos atos contra Bolsonaro, incorpora 'não vai ter Copa' e prevê mais ações

Movimentos agendam mobilização nacional pelo impeachment em meio à alta de casos de Covid e à realização da Copa América no Brasil

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São Paulo

Grupos de esquerda que lideraram os atos contra Jair Bolsonaro no último dia 29 confirmaram para o próximo dia 19, um sábado, a realização de novos protestos pelo impeachment do presidente em todo o país. A ideia é estabelecer uma agenda extensa de protestos ao longo do mês.

A definição do dia 19 como data da mobilização unitária ocorreu nesta quarta-feira (2). A oposição a Bolsonaro prevê também atos separados nos dias anteriores, inclusive contra a realização da Copa América no país. A abertura do torneio está prevista para o dia 13.

A incorporação da bandeira "não vai ter Copa" à manifestação conjunta chegou a ser defendida nos bastidores, mas a proposta acabou refutada. Com isso, as pautas principais do dia 19 serão a saída de Bolsonaro e os pedidos de mais vacinas contra a Covid-19 e de auxílio emergencial de R$ 600.

Movimentos sociais, estudantis e sindicais, além de partidos de esquerda (agrupados em um fórum batizado de campanha nacional Fora, Bolsonaro), atraíram milhares de pessoas às ruas em 210 cidades do Brasil e em 14 países, no fim de semana, no maior protesto contra o governo durante a pandemia.

A confirmação de novas passeatas ocorre em meio à alta de casos de Covid-19 e ao temor de uma terceira onda da doença no país. Os riscos ligados ao vírus foram debatidos nos fóruns da convocação, mas prevaleceu o entendimento pela coesão das entidades, que por maioria aprovaram a mobilização.

O principal argumento dos que defendiam a realização imediata de novos protestos é o de que foram seguidas nas ruas as orientações pelo uso de máscara e pelo distanciamento entre os participantes, o que garantiria o respeito às normas sanitárias. Houve, no entanto, registros de aglomerações.

Outras datas foram cogitadas, como 12 e 26 de junho, mas restaram dúvidas sobre questões como a disposição dos manifestantes para voltarem às ruas em um espaço de tempo tão curto, caso o ato fosse no início do mês, e o temor de que uma data distante fizesse o movimento perder a temperatura.

Além disso, foi levantada a preocupação de que no fim de junho o cenário da doença esteja ainda pior, o que, no limite, forçaria até o cancelamento da convocação. A ordem é reforçar as recomendações de proteção para os manifestantes, envolvendo máscara, álcool em gel e distanciamento.

Em comunicado, a campanha afirmou que, "diante da enorme vitória política", a nova data foi definida em consenso por uma articulação "que reúne centenas de organizações nacionais, entre partidos de esquerda, entidades estudantis, centrais sindicais, movimentos sociais e diversos coletivos e ativistas".

Líderes envolvidos nas mobilizações viram a decisão de Bolsonaro de receber a Copa América, mesmo com a pandemia de Covid-19 descontrolada no país, como mais um elemento motivador dos protestos. Nesta semana, partidos de oposição, inclusive o PT, se opuseram à decisão.

A reação contrária à competição esportiva internacional rememora protestos ocorridos em 2013, durante o governo Dilma Rousseff (PT), contra a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil.

Para os manifestantes, a acolhida ao evento do futebol sul-americano é mais uma demonstração da sabotagem nas medidas para evitar a disseminação do vírus, uma das razões apontadas para sustentarem a necessidade de afastamento do presidente da República.

A inclusão do torneio de futebol entre os temas do ato unitário foi rejeitada diante dos argumentos de que isso poderia provocar um racha na coalizão. Também foi mencionado o risco de a causa afastar uma fatia dos manifestantes e de confundir a opinião pública sobre os objetivos centrais.

O protesto unificado vai abraçar, entretanto, pautas como apoio à CPI da Covid (vista como o caminho mais curto para a responsabilização de Bolsonaro pelas mortes na crise sanitária), fim da violência policial e ataque às privatizações e aos cortes de verbas para universidades públicas.

Embora a mobilização esteja agendada para depois do início do torneio, há a intenção de expressar insatisfação com a medida tomada pelo governo federal na direção contrária aos conselhos de cientistas, que se baseiam nos altos números de casos da Covid-19 e na vacinação ainda lenta.

Não estão descartados protestos, organizados isoladamente por entidades da coalizão, com o mote da crítica à Copa América. A tendência é que ocorram nos estados onde haverá jogos —até agora, foram anunciadas partidas no Rio de Janeiro, em Mato Grosso, em Goiás e no Distrito Federal.

A Associação Nacional das Torcidas Organizadas e o movimento Somos Democracia, que também reúne membros de torcidas, aderiram à mobilização do dia 19 e avaliam atos próprios. Os dois grupos estiveram nas ruas em 2020 e discordam da realização do torneio sul-americano no país.

"A questão da Copa América é mais um elemento da nossa indignação com Bolsonaro", disse à Folha nesta terça-feira (1º) Raimundo Bonfim, que coordena a CMP (Central de Movimentos Populares) e integra a frente Brasil Popular.

"Foi uma decisão irresponsável [do governo em acolher o evento]", afirmou Josué Rocha, da direção do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e da frente Povo sem Medo.

Em uma tentativa de dissociar a iniciativa de instituições ou legendas específicas, a convocação do dia 29 ficou a cargo de frentes como a Povo sem Medo, a Brasil Popular, a Coalizão Negra por Direitos e a Povo na Rua, que reúnem centenas de entidades do chamado campo progressista.

Siglas como PT, PSOL, PC do B, PCO e UP deram apoio e também chamaram seus filiados, mas enfatizaram o discurso de que a organização ficou a cargo dos movimentos sociais.

A CUT (Central Única dos Trabalhadores) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que vinham adotando tom cauteloso e evitando convocações institucionais, desta vez vão chamar abertamente seus integrantes para os atos, com o apelo por obediência aos protocolos.

A UNE (União Nacional dos Estudantes), uma das entidades que puxam os protestos, está programando iniciativas para "aquecer" a militância antes do dia 19, com "plenárias de mobilização, ações simbólicas e assembleias nas universidades", segundo seu presidente, Iago Montalvão.

Guilherme Boulos (PSOL), que é da coordenação da Povo sem Medo e do MTST, afirmou ao Painel defender a continuidade de "um processo que abriu uma janela para poder avançar o debate sobre impeachment".

"Não dá para esperar passivamente até 2022. As mobilizações terão os mesmos protocolos de segurança, com equipes de orientação, álcool em gel, distanciamento social", disse Boulos, que é pré-candidato ao Governo de São Paulo.

A narrativa difundida pelos mobilizadores é a de que os atos contrários a Bolsonaro se diferenciam dos pró-governo pelo incentivo à proteção. Para bolsonaristas, no entanto, os oposicionistas entraram em contradição com o que vinham pregando, ou seja, a defesa da política do "fique em casa".

Na segunda (31), o presidente minimizou o tamanho dos atos do dia 29 e disse que "teve pouca gente" porque faltou maconha e dinheiro para os manifestantes que ocuparam as ruas. "Faltou erva para o movimento", ironizou.

Bolsonaro e seus apoiadores buscaram pintar a iniciativa como evento de campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deve disputar o Planalto em 2022 e lidera as pesquisas de intenção de voto. O petista não compareceu nem insuflou apoiadores para se juntarem às marchas.

Ao endossar a convocação dos novos atos em uma rede social, o PT disse ser necessário "intensificar a mobilização e tomar as ruas do país" e lançou mão da expressão "vai ser maior".

Um dos temores expostos em conversas internas das organizações nos últimos dias é o de baixa adesão aos próximos atos. Se o volume de participantes e de cidades envolvidas for menor, o Palácio do Planalto será municiado com um argumento fatal para desqualificar a articulação dos detratores.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta terça-feira (1º) que "não é uma caminhada de um grupo numa semana" que vai fazer com que um processo de impeachment avance na Casa. Cabe a Lira dar andamento a um dos mais de 110 pedidos em análise na Câmara dos Deputados.

Organizadores têm afirmado que a mobilização pela saída de Bolsonaro não se mistura a interesses eleitorais para 2022.​ Partidos de centro-esquerda e de direita que fazem oposição ao presidente evitaram engrossar as passeatas e atenuaram seus impactos para o governo.

Como mostrou a Folha, idealizadores dos atos falam em ampliar a adesão de forças para além do campo da esquerda, mas veem resistências.

Organizações mais à direita, como o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR (Vem Pra Rua), mantêm a decisão de não provocarem aglomerações, sob a justificativa de obediência às autoridades de saúde. Os dois grupos puxaram multidões pelo impeachment de Dilma em 2015 e 2016.

Além do vírus, outra razão expressa nos núcleos da direita é a resistência a se misturar aos esquerdistas. A avaliação é a de que grupos que foram capazes de aglutinar milhares de pessoas contra o PT e em apoio à Operação Lava Jato têm capacidade, caso queiram, de galvanizar as próprias bases.

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