Na CPI, Wizard cita informações falsas sobre compra de vacinas e gabinete paralelo; veja checagem

Empresário falou por 17 minutos e usou habeas corpus concedido pelo STF para não responder a perguntas dos senadores

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bruno Nomura Carol Macário Marcela Duarte Maurício Moraes
Agência Lupa

O empresário Carlos Wizard foi a primeira pessoa a permanecer em silêncio na CPI da Covid, após conseguir um habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal) que lhe garantia esse direito. Com isso, não respondeu às perguntas dos senadores no depoimento prestado nesta quarta-feira (30).

Wizard é investigado pela comissão como suspeito de organizar um gabinete paralelo em defesa de tratamentos sem comprovação científica contra a Covid-19. Depois de uma fala inicial de 17 minutos, o empresário limitou-se a ouvir os questionamentos dos parlamentares.

Outros depoentes na CPI da Covid foram Luis Miranda (DEM-DF), deputado federal, Osmar Terra (MDB-RS), deputado federal; Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde; Marcelo Queiroga, atual ministro da Saúde; a médica Nise Yamaguchi; Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan; Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde; Eduardo Pazuello, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, ex-ministros da Saúde, além de Ernesto Araújo, ex-chanceler.

A Lupa verificou algumas das declarações de Wizard. A reportagem contatou os advogados do depoente a respeito das checagens e irá atualizar o texto assim que tiver respostas.

O empresário Carlos Wizard durante depoimento à CPI da Covid no Senado
O empresário Carlos Wizard durante depoimento à CPI da Covid no Senado - Adriano Machado/Reuters

Sempre apoiei a imunização da população em geral a ponto de eu querer doar vacinas ao povo brasileiro

Carlos Wizard

Em depoimento na CPI

FALSO

O empresário Carlos Wizard disse ser contrário à doação de vacinas contra a Covid-19 ao SUS em uma entrevista no dia 12 de março deste ano. Na época, ele e Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, lideravam um grupo de empresários interessados em comprar doses para imunizar funcionários das organizações que as adquirissem e, também, para serem comercializadas por farmácias e laboratórios.

Contudo, com a sanção da lei 14.125 em 10 de março deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro, que regulamentou a aquisição e distribuição de vacinas por pessoas jurídicas, ficou determinado que 100% das doses compradas pela iniciativa privada fossem direcionadas à rede pública até que os grupos prioritários no país estivessem imunizados. Depois disso, a cota da doação deve ser de 50%.

Ao comentar essa determinação em uma entrevista à Folha, Wizard afirmou que não conseguia ver “reciprocidade” nessa questão. "Eu já estou sendo solidário com o governo: ele está deixando de ter a logística, a mão de obra, a negociação e o custo dessa aplicação”, disse.

Na mesma entrevista, ele repetiu “não ver muito bem a lógica por trás” da doação de doses para o SUS e reforçou que o projeto original não incluía a doação de 50% ou 100% dos imunizantes comprados por empresas.

“Mas, tudo bem, vamos dizer que nós entendemos que o governo, por uma questão que eu não sei exatamente qual, ponha essa regra. Mesmo assim, nós empresários estamos dispostos a comprar duas vezes a vacina, ou seja, eu compro 50 mil para mim e mais 50 mil para o SUS. Eu não vejo muito bem a lógica por trás disso, mas, para nós empresários, sai mais barato fazer essa doação dupla do que manter o país fechado. Esse é o preço que nós vamos ter que pagar? Sim. Se nós tivermos como ter uma flexibilidade, vamos trabalhar com ela.”

Em 25 de março, 15 dias depois da sanção da lei 14.125, Carlos Wizard e o empresário Luciano Hang se reuniram com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para defender que o setor privado não fosse obrigado a doar vacinas para o SUS ou que o montante doado fosse menor. No encontro com Guedes, Wizard e Hang prometeram doar 10 milhões de doses para a rede pública. De acordo com o portal Metrópoles, o SUS ainda não recebeu essas vacinas.

Vale pontuar que, em 7 de abril, depois de rápida tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de alteração da lei sancionada em 10 de março. No novo texto proposto, foi retirada a exigência de doação integral das vacinas compradas por empresas à rede pública. A proposta foi enviada para ser votada no Senado e ainda segue sem definição.


Jamais fui convidado, abordado, convocado para participar de qualquer gabinete paralelo

Carlos Wizard

Em depoimento na CPI

FALSO

Em entrevista à revista Época, em outubro, Wizard confirmou que participava de reuniões com o chamado “comitê científico”, identificado pela CPI como o gabinete paralelo.

“Tenho participado de reuniões com o Ministério da Saúde e inclusive no começo de outubro vou estar em Brasília junto com seis médicos que compõem nosso comitê científico”, afirmou. “Eu disse ao ministro [Pazuello]: ‘Preciso que você me dê autonomia para eu formar um comitê, um conselho científico, com médicos conhecidos, renomados, no combate à Covid-19.’”

Antes disso, ao programa Impressões, da TV Brasil, em 2 de julho de 2020, Wizard confirmou que atuou como conselheiro no Ministério da Saúde e chegou a ser convidado para assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde.

“Passei um mês em Brasília, junto ao ministro Eduardo Pazuello, atuando como conselheiro. Fui convidado para assumir uma das secretarias [a de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde]. No entanto, preferi não aceitar o convite e trabalhar de forma independente”, disse.

As informações são confirmadas por postagem do próprio Carlos Wizard em seu perfil no Instagram de 7 de junho de 2020.

“Informo que hoje (7/junho) deixo de atuar como Conselheiro do Ministério da Saúde, na condição pro bono. Além disso, recebi o convite para assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos da pasta. Agradeço ao ministro Eduardo Pazuello pela confiança, porém decidi não aceitar para continuar me dedicando de forma solidária e independente aos trabalhos sociais que iniciei em 2018 em Roraima”, escreveu na postagem.

Dias antes, Wizard declarou à colunista Bela Megale, do jornal O Globo, que os números de casos e mortos por Covid-19 seriam superdimensionados —contrariando todos os especialistas sobre o assunto. Na mesma época, o governo decidiu retirar os dados oficiais da pandemia do ar, e só voltou atrás após ordem do STF.


E o mais importante: vim aqui sem condução coercitiva

Carlos Wizard

Em depoimento na CPI

VERDADEIRO, MAS

De fato, Wizard foi à CPI sem que fosse conduzido coercitivamente. Contudo, esse expediente chegou a ser autorizado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, em 18 de junho. Essa decisão foi tomada porque o empresário não compareceu ao depoimento na data marcada originalmente, 17 de junho, alegando estar fora do país. A ordem só foi suspensa no dia 25, após o depoente assumir compromisso de comparecer.

Dias antes da data original, a defesa informou que o empresário estava nos Estados Unidos desde março e mandou ofício à CPI pedindo que o depoimento fosse prestado de forma virtual, o que foi negado pela comissão.

Diante de sua ausência na data marcada, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), pediu à Justiça a condução coercitiva e a retenção do passaporte de Wizard. A Polícia Federal foi até a casa do empresário em Campinas (SP), mas não o encontrou. Aziz ameaçou solicitar a ajuda da Interpol para localizá-lo.

No dia 25, a defesa comunicou ao STF que Wizard se comprometia a voltar para o Brasil, entregar seu passaporte e depor na CPI. Barroso, então, suspendeu a decisão.


Não tivemos mais ingresso de refugiados nesse país [a partir de março de 2020]

Carlos Wizard

Em depoimento na CPI

FALSO

Em 17 de março de 2020, dia do anúncio da primeira morte por Covid-19 no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro, de fato, fechou as fronteiras do país com a Venezuela e, dois dias depois, tomou a mesma decisão com relação a outros oito países fronteiriços.

No entanto, isso não impediu que milhares de solicitações de refúgio fossem protocoladas no Brasil ao longo da pandemia. Segundo dados do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), entre abril de 2020 e abril de 2021, 14.528 imigrantes pediram refúgio.

No caso dos venezuelanos, maioria dos solicitantes (9.815), há registros de que refugiados estão utilizando rotas clandestinas para entrar no Brasil, já que a fronteira é por terra. Esse fato é reconhecido oficialmente.

Em março deste ano, o governador de Roraima, Antonio Denarium (sem partido), disse que solicitou ajuda do Exército para impedir a entrada de venezuelanos, sob o pretexto de evitar um colapso no sistema de saúde do estado.

Oficialmente, as fronteiras terrestres brasileiras seguem fechadas, como determina a portaria 655 de 23 de junho de 2021, que vem sendo reeditada desde o início da pandemia. A exceção é na divisa com o Paraguai, desde que aqueles que atravessam a fronteira obedeçam os “requisitos migratórios adequados à sua condição”.


Nós trabalhamos em cooperação com a Operação Acolhida, coordenada naquela época pelo general Eduardo Pazuello

Carlos Wizard

Em depoimento na CPI

verdadeiro

Entre 2018 e 2020, Wizard morou em Boa Vista, em Roraima, onde atuou em projetos de acolhimento a refugiados venezuelanos. Na época, ele encabeçou um grupo de voluntários que encaminhava imigrantes recém-chegados da Venezuela a diferentes partes do Brasil.

O grupo atuava em parceria com a Operação Acolhida, força-tarefa criada na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), em fevereiro de 2018, com o objetivo de acolher e interiorizar refugiados.

O general Eduardo Pazuello coordenou essa operação desde a criação, em 2018, até janeiro de 2020, quando deixou o cargo para assumir o comando da 12ª Região Militar, em Manaus. Ele assumiu o Ministério da Saúde em maio de 2020 e deixou o cargo em março deste ano.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.