'Não tenho melindre nenhum de falar à CPI', diz vendedor de vacinas que denunciou propina de US$ 1 por dose

Representante da empresa Davati Medical Supply afirmou à Folha que proposta partiu de Roberto Dias, diretor agora exonerado do Ministério da Saúde

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Brasília

Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que denunciou à Folha pedidos de propina do Ministério da Saúde para a aquisição de vacinas contra a Covid, disse que “não terá melindre nenhum” em contar tudo o que sabe à CPI da Covid no Senado.

Ele foi convocado pela CPI da Covid e irá depor nesta sexta-feira (2) à comissão do Senado —os senadores do colegiado também afirmaram que as denúncias são fortes.

Ouvido pela reportagem antes da convocação, Dominguetti disse que falará o que sabe “na frente de todo brasileiro” e que “todo mundo tem que saber a verdade”.

“Tudo o que eu passei, eu não tenho melindre nenhum de falar o que aconteceu”, disse à Folha. “Eu digo o que eu disse à senhora [repórter] e, se alguém me chamar, a qualquer momento, vai ser falado o que eu disse à senhora”, acrescentou.

Nesta terça-feira (29), em entrevista à Folha, Dominguetti afirmou que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose, em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde.

O diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias
O diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Dominguetti se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply e disse que o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, decidiu exonerar o diretor após a denúncia.

A empresa Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com uma proposta feita de US$ 3,5 por cada (depois disso passou a US$ 15,5). Dominguetti deu mais detalhes do encontro. Disse Dias lhe falou que tinha o “poder da caneta” na pasta, citando o valor de R$ 8 bilhões.

“Ele ainda falou para mim: 'eu tenho o poder da caneta e eu assino'. Ele ainda citou, na época, a Covaxin. Ele só falou 'olha aqui ó'. E me mostrou um print da autorização dele. Tinha acabado de acontecer. Se pegar a data da Covaxin, foi quase igual. Ele falou: isso aqui fui eu que assinei, a minha pasta tem 8 bilhões”, disse.

O representante afirmou também que o encontro com Dias no shopping foi em estilo de “happy hour, um encontro informal” e que a conta foi paga pelo então diretor, em dinheiro.

“Cheguei lá e inclusive uma coisa que me chamou atenção foi que, na hora que a gente foi pagar a conta, eu fui pagar a conta com cartão, porque eu não estava com dinheiro, tava com cartão, ele falou não, não, aqui a gente não paga nada com cartão, só no dinheiro”, relatou. “Roberto que pagou a conta. Deu R$ 300 e poucos”, disse.

Dominguetti afirmou que não gravou o encontro no restaurante. "Sabe porque eu não gravei? Porque eu não sabia que ia ser surpreendido com ela, não sabia que era o tom", disse.

Questionado se teria certeza que o encontro foi com o diretor de Logística do ministério, Dominguetti respondeu: "Claro, tenho certeza. Se pegar a telemetria do meu celular, as câmeras do shopping, do restaurante, qualquer coisa, vai ver que eu estava lá com ele e era ele mesmo".

"Ele [Dias] ainda pegou uma taça de chope e falou: 'Vamos aos negócios'. Desse jeito. Aí eu olhei aquilo, era surreal, né, o que estava acontecendo."

"Inclusive a gente esteve com o coronel Élcio Franco [então secretário-executivo do ministério] levando essa proposta, falando que era uma coisa simples. Era só responder o email que a gente já abria a documentação para eles, a certificação da vacina."

"Era só uma resposta e ali não andava nada. Era a nossa frustração, você saía cabisbaixo do ministério. Você via que podia fazer o que quisesse, ali se discutia tudo, valor, dinheiro, conta, menos vacina. Vacina era a única coisa que não importava ali na hora”, contou.

Ele acrescentou que, depois da oferta à Saúde, recebeu ligações lhe oferecendo facilidades no processo da importação da vacina.

“Quando a gente enviou [a proposta], recebi várias ligações, pessoal dizendo que podia avançar, destravar”, disse, respondendo em seguida se essas pessoas também lhe pediam comissão. “Claro. Nada andava ali sem comissão, não tinha como”, disse.

A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando a Folha revelou no último dia 18 o teor do depoimento sigiloso do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin.

Desde então, o caso virou prioridade da CPI da Covid no Senado. A comissão suspeita do contrato para a aquisição da imunização, por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).

Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).

A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor da Saúde, relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades. Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação.

A CPI, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. Ao se manifestar sobre o assunto, Bolsonaro primeiro disse que a Polícia Federal agora vai abrir inquérito para apurar as suspeitas e depois afirmou que não tem “como saber o que acontece nos ministérios”.

Nesta terça, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin. Segundo membros da pasta, a decisão atual é pela suspensão até que haja novo parecer sobre o caso. A pasta, porém, já avalia a possibilidade de cancelar o contrato.

Já nesta segunda-feira (28) a Folha também revelou que o advogado do deputado Ricardo Barros atuou como representante legal da vacina chinesa Convidecia no Brasil, participando inclusive de reunião com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Sócio do genro de Barros até março deste ano, o advogado Flávio Pansieri participou de reunião com a Anvisa no último dia 30 de abril. Segundo o site da agência, a pauta da reunião referia-se às “atualizações sobre a desenvolvimento da vacina do IVB [Instituto Vital Brazil] & Belcher & CanSinoBio a ser submetida a uso emergencial para a Anvisa”.

Integrantes da CPI da Covid querem apurar a negociação da Convidecia com o Ministério da Saúde. A empresa Belcher Farmacêutica, com sede em Maringá (PR), atuou como representante no país do laboratório CanSino Biologics no Brasil, responsável pelo imunizante.

No último domingo (27), Barros divulgou nota por ter sido citado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) em depoimento à CPI da Covid como parlamentar que atuou em favor da aquisição de vacinas superfaturadas. Para se defender, o líder do governo apresentou a íntegra da defesa preliminar enviada à Justiça Federal. O documento é assinado por Pansieri.

O advogado também assumiu a defesa de Barros no STF (Supremo Tribunal Federal), após o deputado ter sido delatado por executivos da construtora Galvão Engenharia.

Além de atuar na defesa de Barros, Pansieri acompanhou o líder do governo durante encontro com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto no dia 24 de fevereiro, durante a posse do deputado do centrão João Roma (Republicanos-BA) como ministro da Cidadania.

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